Os dois lados da eleição de Trump
"Eleição de Trump expõe como nunca a necessária urgência no estabelecimento do devido processo não só contra os quebradores de vidraça"
(Ao imaginar que a vitória do republicano favoreceria Bolsonaro, a direita brasileira fecha os olhos para o fato de que o que acaba de ocorrer nos EUA também serve de argumento para que o Brasil se mexa para punir todos os golpistas de forma exemplar)
As urnas estadunidenses ainda estavam sendo contabilizadas, indicando a vitória de Trump, e a extrema direita brasileira entra em festa. A visão obtusa e canhestra de mundo que caracteriza este campo ideológico sustenta que se Trump venceu lá, Bolsonaro tem caminho aberto para um retorno ao poder aqui. Ponto final.
A esperança da anistia aos golpistas vira uma certeza. A mesma certeza que - em janeiro do ano passado – assegurava que em “72 horas” um golpe de estado seria dado no Brasil, Lula e Alexandre de Moraes seriam presos, quem sabe mortos, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) seria decretada com base na “minuta do golpe” posteriormente apreendida na casa do então Ministro da Justiça Anderson Torres, os 120 milhões de votos dos brasileiros que foram às urnas passariam para o lixo da História e um regime de exceção, com cassações, prisões, tortura, mortes, exílios seria implementado no Brasil. Tudo isso ocorreria nos mesmos moldes do terror implementado pelo AI-5, publicamente exigido em faixas e cartazes nas concentrações golpistas em frente às dezenas de quartéis e nas barreiras criminosas espalhadas pelas principais estradas brasileiras.
Exagero? As recentes mensagens capturadas pela Polícia Federal da “nuvem”, enviadas do celular do Tenente Coronel Mauro Cid (ajudante de ordens de Bolsonaro) e trocadas com alguns membros com poder de mando nas forças armadas demonstram que tudo isso efetivamente estava muito bem preparado. E por muito pouco não foi posto em prática.
Enquanto os golpistas e seus seguidores seguem brindando a volta de Trump ao poder (imaginando Bolsonaro elegível novamente, os patrocinadores e executores do 8 de janeiro anistiados via projeto de lei já em tramitação na Câmara dos Deputados), vale ressaltar a imensa importância de uma outra sinalização advinda também do resultado da eleição nos Estados Unidos.
Essa sinalização aponta para a necessidade de darmos um sonoro “basta”! Exatamente isso. Basta de adiamentos, procrastinações, desculpas, postergações, protelamentos, atrasos, prorrogações de prazo das eternas investigações que já duram quase dois anos em relação aos gravíssimos fatos ocorridos desde antes (reunião de Bolsonaro com embaixadores atacando nosso sistema eleitoral) e no dia da eleição de 2022, com fechamento de estradas pela Polícia Rodoviária Federal para impedir o voto, atentado a bomba ao aeroporto de Brasília, às linhas de transmissão de energia no norte do País, depois ataque e quebradeira das sedes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto para dar motivo à intervenção militar.
Este outro lado da eleição de Trump expõe como nunca a necessária urgência no estabelecimento do devido processo não só contra os quebradores de vidraça e de obras de arte que defecaram nas mesas dos três poderes, mas também contra os “tubarões do golpe”.
Aos progressistas e verdadeiramente democratas de todos os matizes ideológicos, aos que sabem bem onde chegaremos caso este menosprezo frente aos riscos que corremos prossiga, cabe exigir que a Polícia Federal, o Procurador Geral da República Paulo Gonet, os ministros do Supremo e os escalões da Justiça ajam de forma precisa e imediata em defesa do Estado de Direito tão duramente conquistado por uma geração que pagou até mesmo com sua própria vida para reconstruí-lo, depois do famigerado golpe de 1964 e todas as suas nefastas consequências.
Passados 22 meses do 8 de janeiro, onde a quantidade de provas acumuladas já teria levado à cadeia qualquer cidadão comum pelo risco que representa à sociedade, é inaceitável verificar o desleixo e o ritmo de tartaruga com que os processos contra os comandantes do golpe tramitam nas instâncias de investigação para posterior denúncia e julgamento. As provas vão de documentos apreendidos em residências, gabinetes, fotos tiradas pelos próprios golpistas, gravações em vídeo, mensagens capturadas, promoção de reuniões para atacar o sistema eleitoral, interferência confessa em investigações envolvendo familiares, falsificação de caderneta de vacina a roubo de joias. Não é necessário que nós, democratas, tenhamos maioria no Congresso para que essa gente seja devidamente sentenciada. Seguir adiando estas punições revela um intolerável menosprezo não apenas pela democracia (o que já não é pouco), mas pelo povo brasileiro que, sejamos claros, é quem sustenta com seu trabalho e seus impostos todos estes mecanismos da República.
É hora de exigirmos celeridade nas punições, rechaçarmos atitudes tímidas e pusilânimes, se necessário ocupando ruas, praças, sedes das instituições responsáveis por estes processos, para cobrar que as atuais investigações, a devida denúncia, julgamentos e condenações se deem em prazo capaz de impedir que aqueles atos se repitam, sob risco real de que as comemorações fascistas após a vitória de Trump que pululam nas chamadas redes sociais sigam servindo de alimento aos que representam o que de pior a sociedade brasileira produziu na sua História.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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