Os inimigos do futebol brasileiro
"Quem sabe um dia os técnicos voltarão a dormir no banco", escreve Alex Solnik
Houve um tempo, acreditem, não é fake news, em que o futebol brasileiro era considerado o melhor do mundo e o Santos F.C. (e também o Botafogo) eram temidos pelos maiores, como o Real Madrid.
Poucos vão se lembrar quem era o técnico do Santos. Ou da seleção brasileira de 1958. Tinha fama de dormir no banco. Mas ninguém se importava com isso. Porque os atacantes metiam a bola na rede sem precisar de suas orientações.
Nenhum técnico ficava à beira do gramado. O técnico era quase dispensável, porque a tática era fazer gols. Muitos gols.
A defesa do Santos F.C. era uma peneira, com exceção do goleiro, o grande Gilmar dos Santos Neves. Tomava muitos gols. Só que o ataque formado por Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe (ou Edu) marcava o dobro. Os placares eram dilatados. O Santos tanto podia vencer por 7 a 4 como perder por 5 a 3.
O Brasil não era só uma pátria de chuteiras, como proclamou Nelson Rodrigues, mas uma pátria de goleadores. O lema que prevalecia era “um grande time começa por um grande ataque”.
O Santos era uma máquina de fazer gols, mas o Palmeiras não ficava atrás, com Vavá e Julinho, nem o Botafogo, com Garrincha e Quarentinha. Antes deles tivemos Zizinho. Tivemos o Leônidas da Silva, o Diamante Negro. O foco era balançar a rede do adversário. E a defesa que se vire.
Não sei exatamente quando os técnicos passaram a ser importantes. Ficaram famosos. Não dormiam mais no banco de reservas. Passaram a gritar instruções da beira do campo. Também não sei exatamente qual técnico foi o primeiro a inverter o lema de “um grande time começa por um grande ataque” para “um grande time começa por uma grande defesa”.
Não sei se teve a ver, mas coincidiu com o período em que os técnicos passaram a ganhar muito dinheiro. Com medo de perder o emprego, passaram a dar mais importância à defesa, afinal, ninguém é demitido por empatar, mas sim por perder de 5 a 0. E o demitido é sempre o técnico, não os jogadores. É inviável demitir os onze.
O novo lema foi adotado pelos técnicos mais graduados do país, treinadores de seleções brasileiras. O importante passou a ser não perder. Trocar passes no meio de campo para cansar o oponente. Cansando, ao mesmo tempo, os torcedores. E aqueles resultados de 7 a 4 passaram a ser raridade de museu. Passou a ser normal o 0 a 0, o 1 a 0; 2 a 0 era quase goleada!
As partidas ficaram insuportáveis. Uma pequena vantagem e o time já se fecha. Senão o técnico surta. A antiga obsessão por fazer gols virou obsessão por evitar gols.
E o mais irônico é que nesse período de “um grande time começa por uma grande defesa” a seleção tomou a goleada mais vergonhosa de todas as Copas. Levou 7 e só fez 1.
Os técnicos brasileiros tornaram-se os grandes inimigos do futebol, que depende de gols, muitos gols, ninguém vai ao estádio ver troca de passes. Para eles, quanto menos gols, melhor. Para o VAR também. Anular gol porque a ponta da chuteira do atacante está um centímetro à frente do zagueiro é de uma estupidez e de uma injustiça inexplicáveis. Impedimento serve para impedir que o atacante leve vantagem. E que vantagem leva se ele calça 46 e o defensor 41?
A notícia de que no jogo de hoje contra o Paraguai o técnico Dorival Jr. vai escalar seu trio de ouro no ataque - Rodrygo, Endrick e Vini Jr.- reacende a esperança de que a nossa seleção volte a ser o que era, ao menos um pouco do que era.
O medo dos treinadores continua grande. Nunca mais alguém escalou cinco atacantes, como no Santos de Pelé. Ou na Copa de 70. Já soltamos fogos quando são escalados três.
Quem sabe ainda virá o dia em que os técnicos poderão de novo dormir no banco. E ninguém vai ligar para isso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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