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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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Os inimigos do povo

Foi necessário alguém que houvesse conhecido a fome para trabalhar com o orçamento da união em favor dos desassistidos

Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante evento ReutersNEXT Newsmaker, em Nova York 09/11/2023 REUTERS/Brendan McDermid (Foto: REUTERS/Brendan McDermid)

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Autoridades que se envolvem com instâncias da administração pública deveriam possuir uma reserva de fraternidade em suas bagagens. Em vez disso, com frequência, passam por cima de semelhantes objetivos para se orientar por princípios frequentemente duvidosos e traçar panoramas de insensibilidade. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto se enquadra em tal afirmativa, expressando visões que desconsideram a hipótese da fome e do sofrimento em nome de uma robustez financeira favorável a grupos de investidores. Foi pelo menos este um dos sentidos do discurso que pronunciou em Jackson Holo, Wyoming, nos EUA, numa reunião de economistas. Passou por cima do fato de que vive e trabalha numa região do mundo com imensos bolsões de pobreza, exigindo medidas de urgência. Em pauta, nas palavras que expressou, encontrava-se o programa Bolsa Família, inaugurado pelo governo federal para neutralizar a gravidade da situação. Na retórica exibida, a quantia destinada àquele segmento da comunidade, corresponderia a um desestímulo para procurar emprego e se integrar no mercado. 

Economistas do tipo negam a importância da vocação dos estudos ligados ao desequilíbrio da riqueza, privilegiando números frios na balança das aspirações. Na ótica de um capitalismo absoluto, pouco importa a realidade do um fosso existente entre os de cima e os de baixo. O dinheiro deve fluir para as mãos dos aquinhoados porque se revelam rápidos na multiplicação dos dados monetários. Esses intérpretes se habituaram a se identificar com os ricos. Os outros que permaneçam ad aeternum na linha da miséria, na medida em que, em teoria, não se esforçam para sair dela. 

O fruto do teorema, no entanto, resulta na aspereza crescente dos contatos inter pares, com surtos de violência no plano da convivência. Quem não dispõe do que comer, assalta para obter. Na fatia do bolo, a carência produz crimes, perturba a paz e atira a nação para conflitos insolúveis, mesmo diante da repressão. Eis um motivo para que funcionários do alto escalão, devessem parar de dizer bobagem e ampliar o seu leque de argumentos. Atitudes inversas afastam o indivíduo de uma visão equânime que, em última análise, os associa ao lado errado da História. Em acréscimo, a participação frequente nas mesas de bate papo do Country Club, com bolsinhas a tiracolo, apaga, por assim dizer, uma face da sensibilidade e mergulha na sonolência indisputável dos duros de nascença. Cabe lembrar que o Bolsa Família retirou 40 por cento das pessoas dos limites da miséria. 

Foi necessário alguém que houvesse conhecido a fome para trabalhar com o orçamento da união em favor dos desassistidos. E o programa, socorrendo aquele contingente, ainda beneficia a economia, injetando recursos e dinamizando os comportamentos. Isto até um membro da elite, como Campos Neto, obcecado com os fantasmas da inflação, deve reconhecer. Com um mínimo de inteligência, compreenderá como o Brasil, o país que tanto amamos, precisa alicerçar seus fundamentos no cimento da dignidade. Um cidadão que não se alimenta humilha, não só a si mesmo e aos próximos, mas a todos nós.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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