Os Rumos do Governo e sua Comunicação
"Muita bobagem vem sendo dita sobre a popularidade do governo Lula"
A Comunicação do governo deve se adaptar aos novos tempos. Não é questão de quem manda, mas o que deve ser feito. E se trata de território novo. Antes de começar uma troca de pessoas, é preciso compreender o que pode e deve ser feito.
Muita bobagem vem sendo dita sobre a popularidade do governo Lula. As pesquisas medem a “aprovação” do Governo. Mas não se pergunta se o entrevistado se sente capaz ou informado para responder. Como assim? Perguntar se a pessoa se considera informada sobre economia e depois perguntar qual sua avaliação da economia dará um resultado. Perguntar diretamente qual a avaliação dará outro.
Mas, afinal, como vai a popularidade do governo? Como era previsto! Após uma eleição polarizada, vencida por margens estreitas (48% a 43%), a população segue dividida. É exatamente isso que as pesquisas mostram. Ou alguém esperava que depois de tanta radicalização política os eleitores do Bolsonaro aplaudissem algo feito pelo Lula? Ou vice-versa?
O Governo Federal agiu bem no RS? Uma parcela razoável da população acha que sim, a avaliação melhora um pouco. Aumentaram os incêndios florestais? Embora não seja responsabilidade do governo, há uma parcela que condena e atribui ao Governo Federal a responsabilidade. Daí perde uns pontinhos.
Dentro de ambos os grupos há um percentual razoável de eleitores cuja avaliação independe de fatos, comumente chamada de realidade. Alimentados por blogueiros, fake News e narrativas distorcidas, os eleitores ideológicos, que defendem seu candidato de qualquer ataque, que compõem esse grupo. O ex-presidente roubou as Jóias? Lula se excede ao defender a Venezuela? Nada disso importa. Esse é o núcleo duro, com cada candidato tendo de 15% a 25% de votos desse tipo.
Mas existem eleitores que ainda são sensíveis aos fatos e argumentos. Esses são os verdadeiros alvos do marketing, seja governamental, seja da oposição. Aproximadamente 40% a 60% dos eleitores integram esse grupo. São o popular centro. Como no Xadrez, quem o domina, ganha.
As ações de marketing e comunicação do governo são coordenadas pela poderosa Secretaria de Comunicação da Presidência - SECOM. Além do chamado Marketing institucional, coordena a comunicação das diversas áreas, conferindo unidade e estabelecendo um padrão. Esse método vem se mantendo desde o fim da ditadura militar. Quando as viagens do presidente ao Sul do País, conseguem ser coordenadas com os objetivos das políticas em curso, a divulgação é um sucesso e o governo marca pontos. E dá pouco espaço para as Fake News.
Mas quando a Farmácia Popular isenta de custo 10 medicamentos, e isso não tem coordenação, assistimos ao desperdício de uma boa ideia. Divulgado pelo presidente numa ocasião impropria, não havia quem soubesse explicar do que se tratava. Foram três dias até o ministério da saúde conseguir divulgar o nome dos medicamentos. Aí a oposição faz o seu marketing de guerrilha, baseado nas redes sociais, que desinforma, confunde e ofusca a compreensão sobre determinado assunto. E muitas vezes conta com a conivência da grande mídia, como o Estadão, numa matéria onde alardeava a alíquota de 25% para a venda de imóveis, sem explicar que nada muda para as pessoas físicas. Já distorcida na origem, a matéria alimentou dezenas de blogueiros, influenciadores e outras subcelebridades, contra um ato do governo. Neste caso, a resposta do governo foi rápida e direta, o que facilitou os desmentidos.
Essa tem sido a tônica atual, facilmente comprovado pelos muitos áudios disponíveis das reuniões entre membros do clã Bolsonaro e da quadrilha Bolsonaro.
A aparente fragilidade da Secom se deve menos a sua gestão e mais a uma mudança estrutural, a vitória do streaming de vídeo sobre o on-line. A débâcle das tvs a cabo nos últimos meses é uma realidade. Segundo o portal 247, de 4 de julho passado, a Tv a cabo tem, hoje metade dos clientes de 10 anos atras, mesmo fenômeno visto anteriormente na TV aberta.
Isso afeta radicalmente o planejamento da comunicação. Os meios de comunicação “on demand”, baseados na internet, se tornaram acessíveis e populares. Mas, em geral, promoveram pessoas sem qualificação que defendem teses desqualificadas. Acompanhe no Youtube temas como testes de armas, sobrevivencialismo, finanças pessoais, entre outros. Parecem inocentes, mas não são. Trazem os valores da extrema direita grafados.
Os tais “influenciadores digitais” poucas vezes demonstram competência em um assunto. E nunca quando se põe a analisar a economia, a política e a cultura. Não são colunistas e não são repórteres. Não tem revisores ou editores. O que sai disso? Quase nada!
Essa é a essência do noticiário na internet. A velha mídia tentando se adaptar, retomando o sensacionalismo que marcou sua origem, tão bem mostrado por Nelson
Rodrigues em sua obra, especialmente em Beijo no Asfalto.
Os “influencers”, com suas sugestões a preço de bitcoin, os muitos “fakes” torturando os fatos e uma diminuta base de gente séria. Se não se viu nesta lista, não se chateie.
Mas há outro fator a ser considerado. No Brasil o acesso a internet é pago. E se para a classe média há a 5G para todos, para os pobres há o pré-pago ou o WiFi, em alguns lugares.
Com menor acesso e menos anos de escola (lembre-se, são pessoas pobres), imagine se conseguem no dia a dia compreender que aquele inocente comentário num blog aparentemente sensato é na verdade patrocinado por uma empresa acusada de manipular o mercado.
A Comunicação do governo deve se adaptar aos novos tempos. Não é questão de quem manda, mas o que deve ser feito. E se trata de território novo. Antes de começar uma troca de pessoas, é preciso compreender o que pode e deve feito.
O ponto básico é construir uma rede de acesso à internet que priorize os pobres. Em seguida um serviço de certificação de fontes isentas de Fake News. O Estado pode (e deveria) se cercar da sociedade civil para isso. E essa “certificação” não deve inibir o devido e legal combate a essas mentiras. E por fim, o combate sem
trégua a cada uma delas, esclarecendo cada ponto, cada vírgula das manipulações e falsidades. Na guerra fria os submarinos soviéticos carregavam os principais mísseis nucleares. E do momento que submergiram pela primeira vez até serem aposentados eram seguidos por um submarino norte-americano. Como disse Thomas Jefferson, “o preço da paz é a eterna vigilância”. O contexto original era completamente diferente, mas cai perfeitamente bem aqui. O governo tem que criar mecanismos que vasculhem a internet várias vezes ao dia, buscando fakes e os combatendo.
Esse caminho me parece o único possível e, talvez, inevitável. Mas ele atende as necessidades da Frente Ampla que vem sustentando este governo? Desde sempre os interesses desta frente são múltiplos e o que os une é a repulsa aos grupos de extrema direita e ao Bolsonarismo.
Grande parte dela são mulheres, que se opuseram fortemente ao pedido de urgência do PL que criminalizava o aborto legal. A enorme reação surpreendeu os deputados. E elas se surpreenderam com os deputados do PT, que estavam em acordo com o centrão. A lição a se tirar disso é que o PT deve sempre se lembrar que os votos de Lula nas eleições são muito maiores que os dados aos deputados do PT. E esse voto vem, em boa medida, da sociedade civil anti-Bolsonaro.
Tomando a eleição dos EUA, onde Biden, nos EUA representa o eleitor negro interessado nos direitos civis e as mulheres pelo direito ao aborto. Esses grupos têm dificuldades em aceitar o apoio democrata a Israel, pois não concordam com a violência e o cinismo de Netanyahu. Nessa (aparente??) contradição repousam muitos votos pró Biden, que podem se perder.
Se o PT entender que seu desafio é encontrar formas de governar com o centrão ativo, preservando a sua frente de partidos, entenderá que a estratégia de comunicação é crucial para que nas próximas eleições a direita seja derrotada nas urnas, inclusive na escolha dos representantes para a Câmara e Senado.
Não é fácil estar no governo, mas estar fora é muito pior.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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