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    Paulino Cardoso

    Historiador, analista geopolítico e Editor do Mundo Multipolar

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    Os sentidos dos BRICS+

    Embora os BRICS+ não se vejam como um ator político é inegável o peso geopolítico decisivo do grupo

    Cúpula do BRICS em Kazan, Rússia (Foto: Alexander Nemenov/Pool via Reuters)

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    Na quarta-feira,  23 de outubro, Washington Post publicou um artigo sobre a reunião dos BRICS em Kazan, escrito por Ishaan Tharoor, intitulado A crescente tensão dentro dos BRICS. Nele, se afirma que Rússia e China veem o bloco crescente como um veículo para confronto com o Ocidente. 

    Entretanto, para o autor, após consultas a diferentes pesquisadores, entre eles, Oliver Stuenkel, brasilianista de origem estadunidense, outros Estados-membros influentes não estão tão interessados nesta visão de mundo. Tese firmemente defendida pela mídia nativa. Nos lindos termos do Itamaraty, uma política de neutralidade ativa. 

    Tharoor, argumenta que existe uma divisão entre de um lado Rússia, China e países como Brasil e Índia. Assim, enquanto Putin e Xi forçam o grupo para uma postura cada vez mais antiocidental. Modi e Lula da Silva pensam o grupo como uma força capaz de fazer frente há uma ordem internacional cada vez mais disfuncional dos organismos multilaterais pós 1945 como ONU e as instituições financeiras internacionais como Banco Mundial e o FMI.

    Segundo o autor, citando Stuenkel, os Estados Unidos e outras potências ocidentais deveriam levar o bloco mais a sério — e trabalhar para corrigir algumas de suas queixas. “Países ricos também podem ser melhores solucionadores de problemas para países mais pobres, inclusive compartilhando tecnologia e auxiliando na transição verde”.

    Andrew Korybko, analista geopolítico estadunidense radicado em Moscou, reagiu ao artigo Ishaan Tharoor, alertando que o colunista partia de uma premissa falsa: a pretensão de que os BRICS se tornem um ator político.

    Em verdade, diz ele, “a adesão ao BRICS, ou a falta dela, não é realmente tão importante ”, já que o grupo é apenas uma associação voluntária de países que não cedem qualquer soberania a uma autoridade central, pelo que mesmo os não-membros podem coordenar as suas políticas com os seus membros, se assim o desejarem. 

    Para o autor, o único benefício para os membros do BRICS é participar diretamente nas discussões do grupo sobre várias propostas voluntárias, enquanto outros simplesmente observam as suas conversações ou ouvem sobre o resultado algum tempo depois.

    Ou seja, citando Vladimir Putin, os BRICS não são antiocidentais, são não ocidentais. Em outro momento, o presidente russo enfatizou que os BRICS não são contra o dólar, mas foram forçados a abandoná-lo. Uma referência ao uso pelo Ocidente Coletivo, do sistema financeiro baseado na moeda fiduciária estadunidense como uma arma de guerra.

    Já o professor Andrés Serbin, diretor da CRIES - Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales, da Universidade Central da Venezuela, apresentou um pequeno artigo, reconhecendo a existência dessa divisão no seio dos BRICS+, mas com uma nuance importante.

    De fato, Moscou realizou uma bem sucedida cúpula. Um sucesso diplomático de Vladimir Putin e mais uma derrota da estratégia ocidental de isolamento internacional da Federação Russa. Mas, como sabemos, é evidente o peso geopolítico e econômico dos BRICS+ no processo de transição global.

    No entanto, os analistas, muitas vezes perdem de vista “que a emergência dos BRICS desde o início do século e a sua subsequente expansão e peso crescente se devem não só a um interesse geopolítico das economias emergentes, mas também à necessidade de participar de forma mais inclusiva nos mecanismos globais capaz de enfrentar outros aspectos da policrise que acompanha esta transição: cooperação econômica, desenvolvimento, alterações climáticas, fluxos migratórios, conectividade noutros espaços geográficos e transformação tecnológica, entre outros”

    Por essas razões que “a agenda desta cúpula dos  BRICS abordou questões geoeconômicas e de desenvolvimento, juntamente com a necessidade de promover um multilateralismo eficaz no quadro de uma das dimensões da policrise global – a crise dos mecanismos de governança global associados à ONU e a Bretton Woods promovida e desenvolvido pelo Ocidente e a complexa transição para um mundo multipolar.”

    Para ele, os BRICS+ funcionam como um clube de economias emergentes com queixas pendentes em relação ao Ocidente, mas sem a coesão necessária para avançar alguns pontos altos de sua agenda. 

    Serbin aponta que os BRICS+ são, ao mesmo tempo, um laboratório no qual se experimenta o desenvolvimento de novos mecanismos, plataformas e instituições,que promove um deslocamento do modelo ocidental de governança global para um que reúne predominantemente nações com um peso crescente na economia internacional.

    Os contornos deste modelo, detalhe, predominantemente eurasiano, diferem e apresentam nuances distintas entre os países membros.  Em primeiro lugar, porque nem todos concordam com uma narrativa radicalmente antiocidental e em muitos casos optam por desenvolver, em busca de alternativas à ordem mundial existente, uma visão não ocidental com características próprias. Vejam a declaração de Mauro Vieira, chanceler brasileiro de que nosso país se situa no Ocidente.

    Em segundo lugar, porque apesar dos apelos que os BRICS+ aspiram a serem os porta-vozes do Sul Global, há uma diferenciação entre o chamado Oriente Global, nas palavras de Vladimir Putin, Leste Global – representado pela China, Rússia e Irã – com narrativas manifestamente antiocidentais, entretanto com nuances próprias , e um Sul Global heterogêneo dos países emergentes da Ásia, África e América Latina que em muitos casos estão associados a uma posição de não alinhamento e que procuram nos BRICS equilibrar e expandir as suas relações num mundo interdependente mas cada vez mais multipolar. Tarefa para os universitários, como os países africanos interagem nesta conjuntura geopolítica?

    O professor lembra, em terceiro lugar, porque para além da diversidade geográfica dos atuais membros do BRICS+, o peso da componente Oriente Global faz com que o bloco aspire a uma maior sinergia com instituições predominantemente eurasianas como a Organização de Cooperação de Xangai (OCS), com a qual existe uma convergência crescente sobre questões geoeconômica sob a liderança do conjunto China-Rússia; como a convergência entre a União Econômica Eurasiática promovida pela Rússia e a Iniciativa da Nova Rota da Seda (ou Belt and Road Iniciative) desenvolvida pela China, e mesmo como a ASEAN que tenta equilibrar os seus laços com a China e o Ocidente. 

    Esta procura de sinergias com organizações regionais não ocidentais, juntamente com o desenvolvimento de diferentes e crescentes mecanismos para o desenvolvimento de infra-estruturas e conectividade, transformam a Eurásia numa complexa rede de interligações institucionais e comerciais que inclui a Rota das Estepes promovida pela Mongólia até ao corredor entre China e Paquistão, que se projeta cada vez mais em África. Nestes termos, a aceitação de 11 dos novos parceiros atende a esta estratégia, liderada por Rússia e China.

    Assim, Serbin, indica que é contra esse quadro que se faz  necessário colocar a aspiração não só de reformar a atual estrutura da ordem internacional, mas também a intenção de gerar e promover mecanismos financeiros como o Novo Banco de Desenvolvimento ou o Fundo de Contingência que possam apoiar países em desenvolvimento; buscar alternativas à primazia do dólar e do SWIFT, no esforço para contornar as sanções ocidentais, por meio do uso de moedas nacionais no bloco ou do mecanismo de uma ponte BRICS (BRIDGE BRICS) e, eventualmente, de uma moeda digital comum. 

    Embora consensualmente, os BRICS+ não se vejam como um ator político é inegável o peso geopolítico decisivo do grupo e seus parceiros para expandir as áreas de atuação conjuntas, tão bem encaminhada pela presidência por meio de mais de 200 encontros preparatórios e que se apresentarão como um desafio da presidência brasileira em 2025.

    Entre elas podemos citar a criação de uma bolsa de cereais do BRICS, ação de natureza revolucionária que permite aos produtores controlar o preço dos alimentos hoje monopolizados por poucas empresas ocidentais e negociados em Chicago. Além de, finalmente, garantir a soberania alimentar aos diferentes países do Sul Global.

    Uma jogada de mestre de Vladimir Putin, em meu entendimento, é menos um desejo de reforçar o engajamento do Brasil nos BRICS, mas de assegurar com Dilma Rousseff, na presidência do NBD, alguém com conhecimento técnico e representação política para fazer do Banco a base de uma nova estrutura financeira internacional para e com os países em desenvolvimento e, por meio dela, abalar profundamente o sistema imperialista assentado no dólar.

    Outro aspecto importante, enquanto China e Rússia articularam suas ações na Ásia e África, o Brasil, ao vetar a Venezuela, abriu mão de ser o líder dos BRICS na América Latina. De certo modo, atacou os interesses das potências euroasiática, desqualificando-se para ser o principal promotor da integração latinoamericana. Um Itamaraty dominado pelo atlanticismo, desejoso de agradar a falida administração Joe Biden e temeroso do protagonismo, de natureza antiimperialista, da Revolução Bolivariana, nos causou uma perda de influência política que levaremos muito tempo para reverter. Um agravante, o representante do Brasil nos BRICS, Eduardo Paes Saboia, é um bolsonarista, desafeto da presidente do NBD, Dilma Rousseff e um dos principais responsáveis pelo veto à Venezuela. 

    Voltando a Andrés Serbin, podemos com ele concluir, que apesar das diferenças e tensões e dos múltiplos desafios pendentes, a cúpula de Kazan não só mostrou que a Rússia continua a ser uma potência líder na dinâmica internacional, mas também sinalizou claramente que o mundo torna-se cada vez mais um sistema multipolar, no qual a participação dos BRICS+ e dos seus novos parceiros contribui decisivamente.

     Fontes: 

    Ishaan Tharoor

    https://www.washingtonpost.com/world/2024/10/23/brics-summit-russia-china/

    Andrew Korybko.

    https://gatopress.news.blog/2024/10/24/de-korybko-a-ishaan-tharoor-las-diferencias-politicas-de-los-miembros-del-brics-no-impediran-la-cooperacion-financiera/

    Andrés Serbin

    https://www.mundomultipolar.org/2024/11/andres-serbin-para-onde-vao-os-brics.html

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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