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    João Ricardo Dornelles

    (Professor de Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz)

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    Os ventos de abril: o povo é quem mais ordena

    Lutávamos contra as ditaduras no Brasil e em outras partes da América Latina. Era o começo do outono no Rio de Janeiro, primavera em Lisboa. Eu mal podia imaginar a bela surpresa que a manhã do dia seguinte, 25 de abril, me reservaria. No meio da noite escura, enquanto sonhava com liberdade, justiça e igualdade, senti no ar um aroma de alecrim

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    In Memoriam de Alípio de Freitas e Amândio Silva, além de outras e outros lutadores antifascistas que deram sua juventude e seu sangue na luta contra a ditadura. 

    No dia 24 de abril de 1974 completei 19 anos de idade. No Brasil vivíamos em plena ditadura militar, eu estava entrando na universidade, fazia pouco tempo iniciava a minha militância política no movimento estudantil e entraria na Ação Popular Marxista-Leninista. Seis meses antes fomos impactados pelo golpe militar de Pinochet, derrubando violentamente o governo democrático da Unidade Popular de Salvador Allende. O Cone Sul das Américas encontrava-se submerso nas trevas do obscurantismo. 

    Lutávamos contra as ditaduras no Brasil e em outras partes da América Latina. 

    Era o começo do outono no Rio de Janeiro, primavera em Lisboa. Eu mal podia imaginar a bela surpresa que a manhã do dia seguinte, 25 de abril, me reservaria.

    No meio da noite escura, enquanto sonhava com liberdade, justiça e igualdade, senti no ar um aroma de alecrim. A manhã do 25 de abril trazia notícias alvissareiras do outro lado do Atlântico. As flores brotavam exalando o cheiro da liberdade. 

    Tudo começou no início da madrugada daquele 25 de abril de 1974. Era 00:20 quando a Rádio Renascença de Lisboa começou a tocar uma canção proibida pela ditadura salazarista, “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso. Era a senha do Movimento das Forças Armadas (MFA) para o levante das tropas contra o regime ditatorial que já durava 48 anos. 

    O comando do MFA era, na sua maioria, de capitães que lutaram na guerra colonial, como Salgueiro Maia, Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço, dentre outros. Eram os Capitães de Abril. 

    O levantamento militar foi imediatamente seguido por um levantamento popular pelas ruas das cidades portuguesas dando início a uma revolução democrática que respondia ao rechaço da guerra colonial, que já durava onze anos e trazia imenso sofrimento para o povo português e para os povos colonizados. Era a aliança revolucionária Povo-MFA contando com as trabalhadoras e trabalhadores, com amplos setores populares e os militares progressistas. 

    A revolução de abril passou a ser conhecida como revolução dos cravos por um episódio fortuito protagonizado por uma mulher, Celeste Caeiro, que era empregada no restaurante Franjinhas, perto do Marquês de Pombal. Naquele dia era aniversário do restaurante e Celeste, ao chegar, encontrou o mesmo com as portas fechadas. Os empregados foram dispensados por causa da revolução em marcha e o patrão disse que poderiam levar os ramos de cravos vermelhos que seriam ofertados aos clientes pelo primeiro aniversário do restaurante. A moça levava as flores para sua casa quando, passando pelo Rossio, onde os tanques aguardavam ordens do capitão Salgueiro Maia, um soldado pediu um cigarro. Como Celeste não era fumante, ofereceu um cravo vermelho que foi colocado no cano de sua arma. A moça distribuiu as outras flores entre os demais soldados que também adornaram os seus fuzis. A revolução de abril e a luta pela liberdade ganhava um símbolo, o cravo vermelho. O ato de Celeste fez com que diversos floristas também distribuíssem cravos vermelhos para que ninguém ficasse sem flores em suas armas. O acaso criou o emblema que representa o sonho de liberdade.

    O fascismo português estava a ser derrotado e iniciava-se um momento que instaurou liberdades democráticas, abriu as prisões libertando os presos políticos, pôs fim à guerra colonial e contribuiu para a independência dos povos submetidos ao colonialismo português. No ano de 1976, a Assembleia Constituinte promulgou uma constituição com amplos direitos democráticos, direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais, a Constituição da República. 

    A luta antifascista, a vitória do 25 de abril, fez soprar por toda a Europa, por todo o mundo, o vento da liberdade, atingindo as outras ditaduras europeias, o franquismo na Espanha e o “Regime dos Coronéis”, na Grécia. 

    No triste Brasil dos militares, aqueles ventos também chegaram com as flores da primavera portuguesa exalando o cheiro da liberdade e da democracia, embalados pela “Grândola” de Zeca Afonso e encontrando, depois de atravessar “Tanto Mar”, o pedido de Chico por um cheirinho de Alecrim.

    O 25 de abril português encontra-se com o 25 aprile italiano. A luta antifascista dos partigiani, embalada por “Bella Ciao”, funde-se com o 25 de abril dos cravos vermelhos. A primavera dos povos. 

    A Revolução dos Cravos, a primavera europeia, os valores de abril, a poesia de Zeca Afonso, expressam uma das mais belas páginas da história da luta dos povos. 

    DAS TERRA BRASILEIRAS, MAIS UMA VEZ PRECISAMOS, URGENTEMENTE, QUE NOS MANDEM UM CHEIRINHO DE ALECRIM.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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