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    Jeffrey Sachs

    Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

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    Otan admite que a guerra na Ucrânia é uma guerra de expansão da própria Otan

    "Stoltenberg deixou claro que foi o incessante impulso dos EUA para ampliar a Otan para a Ucrânia a verdadeira causa da guerra", diz Sachs

    Zelensky é saudado por líderes de potências ocidentais durante cúpula da Otan em julho de 2023 (Foto: Yves Herman/Reuters)

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    Publicado originalmente em Other News

    Durante a desastrosa Guerra do Vietnã, dizia-se que o governo dos EUA tratava o público como uma fazenda de cogumelos: mantendo-o no escuro e alimentando-o com adubo. O heróico Daniel Ellsberg vazou os Pentagon Papers, que documentavam a contínua mentira do governo dos EUA sobre a guerra para proteger políticos que seriam envergonhados pela verdade. Meio século depois, durante a Guerra na Ucrânia, o adubo está ainda mais alto.

    De acordo com o governo dos EUA e o sempre subserviente New York Times, a guerra na Ucrânia foi "não provocada", o adjetivo favorito do New York Times para descrever a guerra. Putin, alegadamente se achando Pedro, o Grande, invadiu a Ucrânia para recriar o Império Russo. No entanto, na semana passada, o Secretário-Geral da Otan, Jens Stoltenberg, cometeu uma gafe em Washington, ou seja, ele acidentalmente deixou escapar a verdade.

    Em seu depoimento ao Parlamento da União Europeia, Stoltenberg deixou claro que foi o incessante impulso dos Estados Unidos para ampliar a Otan para a Ucrânia que foi a verdadeira causa da guerra e por que ela continua até hoje. Aqui estão as palavras esclarecedoras de Stoltenberg:

    "O contexto foi que o Presidente Putin declarou no outono de 2021 e realmente enviou um projeto de tratado que eles queriam que a Otan assinasse, prometendo que não haveria mais ampliação da Otan. Foi isso que ele nos enviou. E isso era uma condição prévia para não invadir a Ucrânia. Claro, nós não assinamos isso.

    O oposto aconteceu. Ele queria que nós assinássemos essa promessa, de nunca ampliar a Otan. Ele queria que retirássemos nossa infraestrutura militar em todos os Aliados que se juntaram à Otan desde 1997, o que significa metade da Otan, toda a Europa Central e Oriental, nós deveríamos remover a Otan dessa parte da nossa Aliança, introduzindo algum tipo de membro B, ou segunda classe. Nós rejeitamos isso.

    Então, ele foi à guerra para impedir a Otan, mais Otan, perto de suas fronteiras. Ele obteve exatamente o oposto."

    Para repetir, ele [Putin] foi à guerra para evitar que a Otan, mais Otan, se aproximasse de suas fronteiras.

    Quando o Prof. John Mearsheimer, eu e outros dissemos o mesmo, fomos atacados como apologistas de Putin. Os mesmos críticos também optam por ocultar ou ignorar as sérias advertências contra a ampliação da Otan para a Ucrânia há muito tempo articuladas por muitos dos principais diplomatas dos Estados Unidos, incluindo o grande estudioso-estadista George Kennan, e os ex-embaixadores dos EUA na Rússia Jack Matlock e William Burns.

    Burns, atual Diretor da CIA, foi embaixador dos EUA na Rússia em 2008 e autor de um memorando intitulado "Nyet significa Nyet". Nesse memorando, Burns explicou à Secretária de Estado Condoleezza Rice que toda a classe política russa, não apenas Putin, era totalmente contra a ampliação da Otan. Só sabemos sobre o memorando porque ele vazou. Caso contrário, estaríamos no escuro a respeito disso.

    Por que a Rússia se opõe à ampliação da Otan? Pelo simples motivo de que a Rússia não aceita a presença militar dos EUA em sua fronteira de 2.300 km com a Ucrânia na região do Mar Negro. A Rússia não aprecia o fato de os EUA terem colocado mísseis Aegis na Polônia e na Romênia depois de unilateralmente abandonarem o Tratado de Mísseis Antibalísticos (ABM).

    A Rússia também não recebe bem o fato de os EUA terem realizado nada menos que 70 operações de mudança de regime durante a Guerra Fria (1947-1989) e inúmeras outras desde então, incluindo na Sérvia, Afeganistão, Geórgia, Iraque, Síria, Líbia, Venezuela e Ucrânia. A Rússia também não gosta do fato de muitos políticos proeminentes dos EUA advogarem ativamente pela destruição da Rússia sob a bandeira da "Descolonização da Rússia". Isso seria como a Rússia pedir a remoção do Texas, Califórnia, Havaí, terras indígenas conquistadas e muito mais dos EUA.

    Até a equipe de Zelensky sabia que a busca pela ampliação da Otan significava uma guerra iminente com a Rússia. Oleksiy Arestovych, ex-conselheiro do Gabinete do Presidente da Ucrânia sob Zelensky, declarou que "com 99,9% de probabilidade, nosso preço para ingressar na Otan é uma grande guerra com a Rússia".

    Arestovych afirmou que, mesmo sem a ampliação da Otan, a Rússia tentaria eventualmente tomar a Ucrânia, mas muitos anos depois. No entanto, a história contradiz isso. A Rússia respeitou a neutralidade da Finlândia e da Áustria por décadas, sem ameaças graves, muito menos invasões. Além disso, desde a independência da Ucrânia em 1991 até a derrubada do governo eleito da Ucrânia apoiada pelos EUA em 2014, a Rússia não demonstrou interesse em tomar território ucraniano. Foi apenas quando os EUA instalaram um regime fortemente anti-russo e pró-Otan em fevereiro de 2014 que a Rússia retomou a Crimeia, preocupada que sua base naval no Mar Negro na Crimeia (desde 1783) caísse nas mãos da Otan.

    Mesmo então, a Rússia não exigiu outro território da Ucrânia, apenas o cumprimento do Acordo de Minsk II apoiado pela ONU, que previa autonomia para o Donbass de etnia russa, não uma reivindicação russa sobre o território. No entanto, em vez de diplomacia, os EUA armaram, treinaram e ajudaram a organizar um grande exército ucraniano para tornar a ampliação da Otan um fato consumado.

    Putin fez uma última tentativa de diplomacia no final de 2021, apresentando um projeto de Acordo de Segurança EUA-Otan para evitar a guerra. O cerne do acordo era o fim da ampliação da Otan e a retirada de mísseis dos EUA perto da Rússia. As preocupações de segurança da Rússia eram válidas e a base para negociações. No entanto, Biden rejeitou categoricamente as negociações por uma combinação de arrogância, belicismo e cálculos profundos errados. A Otan manteve sua posição de que a Otan não negociaria com a Rússia sobre a ampliação da Otan, ou seja, a ampliação da Otan não era da conta da Rússia.

    A contínua obsessão dos EUA com a ampliação da Otan é profundamente irresponsável e hipócrita. Os EUA se oporiam - por meio da guerra, se necessário - a serem cercados por bases militares russas ou chinesas no Hemisfério Ocidental, um ponto que os EUA têm defendido desde a Doutrina Monroe de 1823. No entanto, os EUA são cegos e surdos para as legítimas preocupações de segurança de outros países.

    Portanto, sim, Putin foi à guerra para evitar que a Otan, mais Otan, se aproximasse das fronteiras da Rússia. A Ucrânia está sendo destruída pela arrogância dos EUA, provando mais uma vez o adágio de Henry Kissinger de que ser inimigo dos Estados Unidos é perigoso, enquanto ser amigo é fatal. A Guerra na Ucrânia terminará quando os EUA reconhecerem uma verdade simples: a ampliação da Otan para a Ucrânia significa guerra perpétua e a destruição da Ucrânia. A neutralidade da Ucrânia poderia ter evitado a guerra e continua sendo a chave para a paz. A verdade mais profunda é que a segurança europeia depende da segurança coletiva, conforme exigido pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), e não de demandas unilaterais da Otan.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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