Ovos de serpente não demandam incubação
"O problema do planeta Terra somos nós, animais humanos, de nós deve partir a solução", escreve Rogério Puerta
Por Rogério Puerta
Ovos de répteis, em geral, não necessitam a fêmea poedeira por perto. Clássica é a cena de tartarugas-marinhas fêmeas que botam seus ovos na praia, em areia previamente aquecida pelo sol, e se lançam ao mar para seguirem sua longínqua jornada nômade.
São répteis, criaturas evoluídas de sangue frio. Deliciosa, salivante, cativante, estupenda língua portuguesa. Sangue frio é o metabolismo dos répteis, anfíbios e peixes, com bem poucas exceções. Sangue-frio é o temperamento sádico de terroristas, que explodem pelos ares milhares de nacos de carne humana de um infeliz próximo a uma bomba-relógio e, em seguida, vão degustar um pernil de porco em ceia de Natal familiar, crianças inclusas, idosos, todos na maior vibração solidária de celebração ao nascimento de Jesus Cristo terno e altruísta.
Ovos de jacarés geram bebês machos ou fêmeas de acordo com a faixa de temperatura do ninho, a mãe jacaré os protege, um abrigo com palhas para que não se resfriem ao solo noturno. Eclodidos os ovos, a mãe jacaré pantaneira ou amazônica abriga em sua temível bocarra delicadamente as suas crianças, a mesma bocarra de colossal pressão aplicável semelhante a um potente artefato mecânico compressor.
Nem todas as serpentes botam ovos, a maioria sim, mas há as que geram bebês cobra prontos, já vivos e serelepes, em outras os ovos se desenvolvem dentro da mãe. Maravilhoso evolucionismo que frisa o constante aparecimento de exceções. Há delas, várias, cobras que chocam mesmo o ninho, mantendo temperatura relativamente constante.
Magnífico evolucionismo de Darwin. Há a cobra-coral falsa e a verdadeira, e ainda a falsa, falsa cobra-coral, que nem cobra-coral oficial é, mas por um lentíssimo processo evolutivo acabou por exibir as cores de pele da temível coral, assim alertando e afastando predadores seus rivais. Idem para insetos que se mimetizam em aracnídeos, fingem possuir veneno e assim afugentam quem os queira devorar ao jantar.
Lagartos tendem a ser mais relaxados quanto aos seus ovos, em geral, mas tal qual praticamente tudo em biologia há várias exceções. Os lagartos teiús tão comuns no Brasil necessitam contínuo caminhar e busca por alimento, seguem o rumo, caem no mundo, não vigiam seus ninhos de ovos promissores.
A se pensar como agiria em sua época longínqua a mamãe Tyrannosaurus rex em sua truculenta sobrevivência diária de um mundo brutal, visceral, primitivo, o forte dilacerando o fraco de forma estúpida e sanguinolenta.
Quem se considere um entendedor da ciência evolucionista, portanto negacionista ferrenho do insano criacionismo bíblico, quem assim inteligente compreenda o mundo, o universo, sem nem saber ou sequer nem admitir, definitivamente age tal qual um sujeito ou sujeita progressista, portanto avesso/a ao conservadorismo. Compreender o evolucionismo de Darwin é o ápice do progressismo, a constante e inexorável evolução, mudança, toda e qualquer vida e o universo em si em permanente magnífica transformação adaptativa.
Não se preocupe por comprar um ovo de galinha caipira e, dias após, aparecer um pintainho piando meigo junto ao engradado de papelão dos ovos. Aves, tais quais nós, metabolizam em sangue quente, sequer algumas poucas horas de uma noite fria abaixo da temperatura ideal, a temperatura do chocar da mamãe galinha zelosa, e seu ovo de galinha querido passa a ser inviável, um embrião morto por hipotermia. Pegar um ovo galado do ninho após vários dias de choca e desenvolvimento do embrião, no entanto, pode ser traumático, você cozinhará um cadáver.
Ovos da serpente mais letal e que mais sofrimento traz, tristeza, rancor, horror, a serpente que causa junto aos brasileiros e brasileiras o maior número de hospitalizações. Ovos de jararaca não demandam incubação externa. A mamãe jararaca, que não, não é a sua sogra detestada, as mamães jararacas podem até ficar meio de plantão próximas ao ninho, para protegê-lo de seus primos répteis lagartos, mas não, seus ovos se desenvolvem internamente na mamãe jararaca, que em geral os bota ainda ovos logo a eclodir.
Ovos de répteis, alguns de carapaça com textura próxima ao couro animal. Esqueça a fragilidade de um ovo de galinha, ainda que seja da caipira. Um embrião maravilhosamente escondido e protegido por barreira permeável aos gases, uma proteção quase perfeita, ainda mais quando sentimos ao tato os ásperos, duros, ovos de jacaré e outros répteis. Se caírem ao chão de pouca altura sequer se rompem.
Maravilhosa, salivante, pré-orgásmica língua portuguesa. Jabota talvez não existisse, passou a existir, a companheira, a fêmea do jabuti. Jacaroa não existe, ainda não, virá a existir talvez, alguns biólogos já assim as denominam em trabalhos de campo, as jacarés fêmeas.
Belos nomes: jabota, jacaroa. A bem da verdade, ficariam bem estranhos alguns nomes se aplicarmos tal regra empírica para tudo. Cobro o macho da cobra soa bizarro. Improvável que adira ao português, confundirá com o verbo cobrar.
O ministro da Justiça chamou os acampamentos de bolsonaristas com transtorno psiquiátrico em frente aos quartéis do exército de incubadoras de terroristas. Bolsonarista com transtorno psiquiátrico parece uma redundância, um pleonasmo.
O ovo da serpente, o réptil tido como traiçoeiro e perigoso, uma metáfora, um sinônimo do neofascismo, neonazismo potenciais. Tal ovo é incubado se levarmos em consideração um período de maturação em que sequencialmente crescem e se fortalecem nas pessoas o ódio, o desejo de vingança, a violência explícita, a crença de que a força deva subjugar a racionalidade sempre.
Abaixo os patéticos fracotes, dizem. Mas talvez este mesmo ovo de serpente sequer necessite incubação, tal qual alguns répteis que não chocam seus ninhos. Uma vez deitado ao solo, tal ovo por si só representa de fato um risco iminente, em potencial, nem necessita o chocar da progenitora, representará o terror eclodido em breve sombrio futuro.
Terrorismo, espalhar o medo, esta talvez a melhor definição do termo. Em pânico, assustadas, raciocinando pouco ou nem isto, mediante um instinto básico de sobrevivência, instinto primitivo, portanto sequer racional, puramente emotivo, assim em pânico as populações tenderiam a comportamentos imprevistos inusitados e egoístas. O gene egoísta, interessantíssima teoria comprovada cientificamente frente as descendências e hereditariedades.
Muito se diz se o brasileiro pré-Bolsonaro era de fato cordial ou apenas fingia ser. Improvável que, de súbito, dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras, do dia para a noite, tenham vestido a carapuça do neofascismo. Mais provável a existência prévia de um sentimento rancoroso já incubado, aí sim, já desenvolvido, aquecido, nutrido lentamente, anabolizado após acúmulos de pensamentos negativos, aversões e belicosidades.
Sobretudo a sobrepujança da força, o esmagamento de adversários e rivais que são todos encarados tais quais inimigos mortais. Pouco diálogo, portanto irracionalidade, e bem mais ação bruta, portanto emotividade, paixão, o ódio desempenhando seu papel de paixão, um sentimento extremado.
Ódio cego, o metralhar projéteis em todas as direções, indiscriminadamente, algo muito diferente da raiva indignada que pode até ser um sentimento construtivo oposto à letargia. A raiva de identificar fraquezas próprias e que é necessária para sairmos da inércia e agirmos com proatividade e esforço concentrado. Ódio difere de raiva.
Ódio cego, o ovo da serpente, as cobras-cegas, que nem cobras são, tais quais as falsas corais que nem cobras-corais são. A cobra-cega é um anfíbio, algumas espécies do gênero Caecilia, conhecidas vulgarmente por Cecílias, um nome próprio de etimologia latina, vindo de cega.
Mas algum cuidado, cobras-cegas não são inofensivas, algumas carregam saliva tóxica, no entanto muito improvável um acidente com humanos. Já as cobras verdadeiras têm fama de traiçoeiras, língua de serpente é certamente um termo depreciativo.
Onde aparece o ódio dos homens aparece a valorização da força bruta, a raiz mesma de comportamentos totalitários e intolerantes, uma indignação extrema a ponto de corroer quem a sinta. Ação e reação, princípio físico mais do que estudado e comprovado. A cabeça de metal de um prego libera energia equivalente à potente ação de um estúpido martelo que a impacte.
O ovo da serpente metafórico não necessita incubação. Seja em acampamentos em frente a quartéis do exército, seja em reuniões particulares dentre pessoas afins, seja a mente de uma única pessoa, um único indivíduo, o que se convencionou chamar lobo solitário, um perpetrador de ato violento extremo em potencial.
Pobres os lobos, pegaram a fama, sempre o hábito humano de expurgar suas imperfeições aos outros seres, bodes expiatórios, demônios que sejam, o responsável pelo ato sádico foi um espírito demoníaco, não nós humanos egoístas.
Pobres os lobos, o nativo lobo-guará é belo, meigo, sim, ataca e devora as galinhas-caipiras nas roças, mas é tido como praticamente inofensivo aos humanos, nem carnívoro exclusivo é, se dá bem com dietas vegetarianas, os araticuns e as frutas lobeiras conhecidas por quem mora nos cerrados do Centro-Oeste brasileiro.
Lobo-guará praticamente inofensivo, tais quais as cobras jiboias, que muita gente mata achando-as venenosas, mas são tímidas e lentas, podem ser manuseadas mesmo caso nunca tenham encontrado ser humano previamente, não os temem, deveriam.
Um lobo deve temer o humano, idem uma cobra, muitos de nós ao avistarem tais bichos sequer questionam, primeiro os matam depois perguntam, comportamento humano irracional, somos irracionais. O ódio cego é irracional, um embrião que não requer incubação, uma única mente perturbada é um potencial de sofrimento alheio e destruição.
Pobres cobras, pobres demônios, bodes expiatórios, pobres lobos-guará. O problema do planeta Terra somos nós, animais humanos, de nós deve partir a solução.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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