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    Samuel Gomes

    Advogado e professor, mestre em Filosofia do Direito, consultor em Poder Legislativo e Relações Governamentais

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    Pablo Marçal, Requião e o erro trágico do sistema nas eleições de Curitiba

    A exuberância eleitoral de Marçal em São Paulo e a exclusão de Requião num debate em Curitiba são sintomas de uma mesma enfermidade social

    (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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    Há coisas aparentemente incomparáveis. Requião e Pablo Marçal, por exemplo. Talvez não haja no espectro ideológico dois personagens mais antípodas. Nada mais representativo das trevas civilizatórias que se abateram sobre o Brasil que Pablo Marçal. Ele é um sofista tout court, a expressão da brutalidade sem peias de um liberalismo atroz. Tudo para si a qualquer preço. Requião é um socrático, um homem de Estado. Sua bússola é sua biografia, a de sua família, seus antepassados que serviram ao Brasil desde o Império. Erudito, articulado, duro nos embates com os poderosos, mas de coração mole com os mais fracos. Nacionalista, entusiasta do desenvolvimento soberano do Brasil e da integração da América Latina.

    Antípodas, pois.

    Mas, eis senão quando, as eleições municipais em São Paulo e em Curitiba tornam as duas figuras comparáveis. Aparentemente são ambos candidatos antissistema. Mas Pablo Marçal, em verdade, é a exacerbação do sistema, o sistema em sua face mais horrenda, o sistema como ele é. É a radicalização do bolsonarismo. É um Milei alcoolizado. E a vertigem do hiperindividualismo, é o sistema alucinado por algumas carreiras de pó.

    O sistema é o domínio do capital financeiro sobre a economia real e a vida das pessoas. É a mercantilização de tudo e de todos. O sacrifício da vida no altar do Bezerro de Ouro. A barbárie. Requião é antissistema. É um humanista. Advogado e jornalista. Estudou teologia. Lutou contra a ditadura. Foi deputado estadual, prefeito de Curitiba, secretário estadual, governador, senador, liderança parlamentar internacional reconhecida na América Latina e Europa.

    A história de Requião é a história de sua luta contra o sistema. Em todos os cargos que ocupou travou duros embates com os interesses elitistas que buscavam cavalgar o Estado e escravizar as pessoas. Enfrentou o poderoso lobby das concessionárias de transporte coletivo como prefeito de Curitiba, instituindo a frota pública e o sistema de pagamento da tarifa por quilômetro rodado, inaugurando uma creche por semana, trazendo alimentos baratos para a população diretamente do produtor.

    Como governador, no primeiro mandato, abriu os arquivos do DOPS, investiu fortemente em educação, criou um sistema de bibliotecas públicas, implantou um imenso programa de eletrificação rural que aumentou de 18% para 90% a conexão das propriedades rurais, construiu uma das mais modernas ferrovias do Brasil em parceria com o Exército, dobrou o corporativismo dos juízes que queriam avançar sobre o orçamento (e chegou a ser cassado por isso, mas recuperou no TSE o mandato, depois de uma mobilização popular histórica).

    No segundo e terceiro mandatos criou a Comissão da Verdade, baixou os impostos dos bens de consumo popular, peitou o governo federal e as tradings que queriam impor o plantio de soja transgênica, lutou contra o pedágio escorchante, em inédita reestatização retomou para a ferrovia estadual que havia sido privatizada no governo anterior e aliou-se à engenharia paranaense e dobrar o governo federal na definição do traçado da ferrovia entre Guarapuava e Paranaguá para salvar a sua Ferroeste os produtores do Oeste do garrote da concessionária privada da ferrovia federal (ALL).

    Nacionalista e defensor da integração da América Latina, recebeu Chávez no Paraná, que por primeira vez pisaria o solo brasileiro, e liderou comitiva de autoridades e empresários a Caracas, o que levou a embaixada dos EUA a produzir cabo diplomático em 2010 mostrando preocupação com sua possível candidatura a Presidente. Coincidência ou não, por duas vezes teve o seu tapete puxado em convenções nacionais para escolha do candidato a presidente pelo seu idílico e ilusório MDB velho de guerra.

    As semelhanças e a diferença entre o liberticida Marçal e o nacionalista Requião

    Nas atuais eleições em Curitiba, o sistema monta o tabuleiro com um esquema partidário a seu serviço para que nada mude qualquer que seja o resultado eleitoral. Requião, neste sentido, é no alto de seus 83 anos de luta democrática, o candidato antissistema. O sistema quer sepultá-lo, como já o fez a lava-jato nas eleições de 2018, retirando-o de uma eleição ganha para o Senado (https://disparada.com.br/lava-jato-requiao-senado-banestado/). Mas ele não beija a mão do verdugo. Sai às ruas num Jeep 51 (https://youtube.com/shorts/-Q2BJRiIXy8?si=4078Vx75Z-l05BBp) e diz e repete que não é candidato do Lula, do Bolsonaro ou da Lava-Jato, mas das pessoas.

    E paga o preço.

    Tanto Marçal como Requião concorrem por partidos nanicos. Pela regra do art. 46 da Lei 9.504/97, nem Marçal, nem Requião precisam ser convidados para debates organizados por meios de comunicação porque concorrem por partidos com menos de cinco parlamentares federais. Todavia, Marçal é estrela nos debates em São Paulo, afagado pela mídia corporativa. O critério, assim o justificam as redes, é o seu desempenho nas pesquisas.

    Em Curitiba, o sistema montou esquema partidário lampedusiano a fim de que algo mude para que tudo continue como está. Para isso precisa calar Requião e o exclui de um debate organizado pelo jornal Plural em parceria com a Universidade Federal do Paraná e a Ordem dos Advogados do Brasil. Exclui Requião sob o argumento enviesado de que o art. 46 da Lei Eleitoral não obriga o convite.

    De fato, juridicamente não obriga. Convidar ou não Requião é, sob o prisma estritamente legal, uma faculdade dos organizadores. Mas do ponto de vista ético, social e político, excluir Requião do debate escancara uma manipulação, o uso sórdido da letra fria da lei, para impedir que seja ouvida a voz do único candidato anti-sistema viável, que disputa o primeiro lugar nas intenções de voto, segundo a Quaest.

    Toda boa trama tem o seu erro trágico, hamartia na Poética de Aristóteles, aquele acontecimento que opera uma inflexão e um radical novo impulsionamento dos fatos para um deslinde antes inimaginável. Nas campanhase eleitorais, que são trama, é comum o erro trágico, como o Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN, preferido nas pesquisas a duas semanas das eleições de 1945, ter dito, ou terem dito que ele disse, que não precisaria do voto da malta, os “marmiteiros”. Em quinze dias o brigadeiro derreteu e, com o apoio de Getúlio, o general Eurico Gaspar Dutra, do PSD, foi eleito presidente.

    Na campanha eleitoral para prefeito de Curitiba, em 1985, um vídeo produzido pelo militante Hasiel Pereira mostrando um esquema de especulação imobiliária com verbas públicas causou um terremoto na campanha do então tido por invencível Jaime Lerner e, somado ao espetacular desempenho de Requião nos debates, deu a ele impensável, retumbante e memorável vitória.

    O erro trágico do sistema nas eleições de Curitiba

    Cá entre nós, perdoe a licença poética, pelo que foi, é, representa e pode fazer por Curitiba, sua amada cidade, Requião não deveria sequer concorrer em eleições. Deveria ser ungido e celebrado seu retorno triunfal à cadeira de onde comandou a melhor o governo municipal do Brasil. Liderança nacional, latino-americana e personalidade reconhecida internacionalmente, pode colocar Curitiba em lugar ainda mais alto no concerto das metrópoles mundiais.

    Mas não. Nas atuais eleições de Curitiba, o erro trágico é a exclusão de Requião de um debate organizado pelo jornal Plural, Universidade Federal do Paraná e Ordem dos Advogados do Brasil sob a risível justificativa de que um artigo da lei eleitoral faculta que organizadores de um debate possam não convidar candidatos de partidos nanicos, como o é o Mobiliza, pelo qual concorre Requião.

    O argumento não para em pé um minuto. A lei eleitoral faculta, mas não proíbe. Portanto, calar a voz de Requião, impedindo que apresente suas propostas para Curitiba e os curitibanos é uma escolha política do jornal Plural, e, tristemente para os democratas, também da Universidade Federal do Paraná, que desonrará sua história ao abrigar a perfídia em suas instalações, e daquela que costumava ser bastião da defesa da democracia, a Ordem dos Advogados do Brasil, que teve um Vieira Neto como presidente.

    A exclusão da inteligência e da voz de Requião no debate gera indignação que toma conta dos curitibanos, já faz de Requião o grande vencedor do debate ao qual foi proibido de comparecer, bota gasolina no seu Jeep 51 e eletriza sua campanha sem recursos. É o erro trágico do sistema.

    A exuberância eleitoral de Pablo Marçal em São Paulo e a exclusão de Requião num debate promovido por um meio de comunicação privado nas instalações de uma universidade pública com o apoio da OAB em Curitiba são sintomas de uma mesma enfermidade social, um tempo de brutalidade explícita de um sistema que tanto apodrece quanto agoniza.

    Só a cruzada antissistema de Requião pode salvar a soberania popular e a democracia em Curitiba.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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