País precisa aproveitar a chance de recuperar Embraer
"Há cinco meses o 247 antecipava que a Boeing não tinha condições de honrar os compromissos para finalizar a compra da empresa brasileira de aviação, terceira maior do mundo", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia
A notícia de que a Boeing decidiu desfazer a compra da Embraer é uma oportunidade única para o país recuperar um dos grandes patrimônios de nossa indústria.
Em comunicado divulgado neste sábado, a gigante norte-americana justifica a decisão de cancelar a aquisição com explicações vagas e inconsistentes. Numa alegação sob medidas para evitar ações judiciais capazes de envolver perdas milionárias, a Boeing afirma que a Embraer "não atendeu às condições necessárias" para que o negócio fosse levado adiante.
A verdade é que até os ventos de Chicago, sede atual da Boeing, sabem que a razão é outra e já foi antecipada há cinco meses neste espaço.
"Surgiu uma novidade na compra da Embraer pela Boeing. Ameaçada por cobranças colossais após a tragédia financeira e moral do superjato 737 Max, a gigante mundial pode ingressar na pior crise em 103 anos de história", escrevi aqui (24/12/2019). Também expliquei que, arruinada por um dos piores investimentos na história da aviação mundial, a empresa norte americana se dn encontrava no chão, incapaz de honrar os compromissos assumidos com acionistas brasileiros. Fazendo ironia com a natureza colonial da transação, o título do artigo dizia: "Pelo visto, a Boeing não pagará nem miçangas pela Embraer".
Você sabe a história. Numa parceria do mal, iniciada no governo Michel Temer e terminada por Jair Bolsonaro, o Brasil decidiu repassar o controle de 80% da Embraer, única empresa brasileira capaz de competir no mercado mundial de tecnologias, com presença importante no universo de jatos executivos e naves de porte médio, até 137 lugares.
Erguida com recursos públicos na década de 1950, a Embraer foi privatizada na década de 1990, no governo Fernando Henrique Cardoso, mas seguiu recebendo investimentos públicos para levantar projetos inovadores. O caso mais recente é do cargueiro KC 390, iniciado com recursos liberados pelo Congresso Nacional -- e que se tornou um sucesso mundial na especialidade.
Numa decisão que só se explica por uma combinação nefasta de fanatismo ideológico e vontade de agradar à superpotência norte-americana, a Embraer foi entregue a Boeing em condições tão favoráveis ao comprador que, antes do desfecho, o negócio chegou ser suspenso quatro vezes por decisão judicial.
Em sentença no final do ano passado o juiz Vitório Giuzio Neto chegou a usar ironia para falar dos argumentos de advogados que, em nome da empresa brasileira, trabalharam na confecção do acordo: "Confessa o juízo sua perplexidade diante da afirmação da Embraer, através de sua qualificadíssima banca de advogados, de que, mesmo ocupando a posição de terceira maior exportadora do país, se encontra a caminho da falência."
Vitório Giuzio Neto ainda registrou que o "acordo envolve a venda da parte comercial da Embraer (a mais lucrativa)", afirmação que deveria ter sido decisiva para impedir a transação. Desfalcada da aviação comercial, que responde por 40% do faturamento da empresa, a área remanescente da empresa seria forçada a fechar as portas. "Daqui a três anos tudo estará acabado e nada mais restará no Brasil", previa o professor Gilberto Bercovici, titular da cadeira de Direito Econômico da Universidade de São Paulo, entrevistado na época.
Sem nada a ganhar numa negociação que implicava na perda da soberania do país numa área estratégica do século XXI, a decisão da Boeing só permite uma atitude por parte do governo brasileiro. Reassumir a companhia e retomar uma atividade essencial no país do futuro.
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