Para os que assistiram ao Boa Noite de sexta ou: A primeira vez que eu vi o mar
O mar que eu conhecia era o azul, das revistas
A primeira vez que eu vi o mar, eu não vi o mar que eu conhecia.
O mar que eu conhecia era o azul, das revistas.
A primeira vez que eu vi o mar quem me mostrou foi a minha avó.
Estávamos toda a família. Pais, irmãos, tios. Para eles, o mar não era novidade. Por isto falavam ao mesmo tempo e de costas para a paisagem. Era dia de visita ao “tio Ramiro”. Tarde de refresco de abacaxi, com gelo, bolos, biscoitos e café.
Para mim, o momento exigia silêncio. Fiquei assim, a ignorá-los, para melhor escutar o mar e o seu ronco surdo, com vento soprando e competindo em barulho com as ondas.
Eu ainda não sabia que aquela quantidade de água que vinha dar na areia, sob a forma de cascata na horizontal se chamava onda. Mas parei em êxtase com o som assustador da natureza, que me fazia paralisada entre o estupor e o encantamento. Medo de ser tragada por aquela força que eu nunca havia presenciado. Vontade de ir ao seu encontro.
Aos seis anos eu o via pela primeira vez. E, sim. O momento exigia silêncio. Afinal, ali estava o mar e o seu ronco.
A conversa dos adultos girava sobre banalidades. Quis adverti-los, mas quem ouviria àquela altura uma criança encantada com o rugido do mar?
Fiquei ali, paralisada, com roupas impróprias para banho, a ver o desenrolar das águas se desfazendo na areia. Nas fotos das primas, enviadas dentro de cartas, contando as novidades da parentalha do Rio de Janeiro, elas vestiam maiôs e brincavam com baldinhos e pazinhas, ao lado dos pais.
Mas aquela não era a praia das fotos e das revistas. O mar que eu vi pela primeira vez foi o da praia de Sepetiba. O da Praia da Jurema. Naquele dia, praticamente deserta.
O vento zunia, perto das cinco da tarde. Os cabelos prateados, de corte reto, da minha avó se alvoroçavam. Ela também não trajava roupa de banho. Eu me lembro de sua saia de shantung cinza chumbo, quase da cor daquelas águas, e da sua blusa de cambraia bordada, em tom de cinza mais claro.
Ela sabia que eu nunca tinha visto o mar e parou para observar aquele encontro entre o meu medo, o meu deslumbramento e aquela imensidão de água.
Levou-me pela mão e quis que eu chegasse mais perto. Insistiu para que eu tirasse as meias e os sapatos, para molhar os meus pés e sentir a areia. Antevi o incômodo e me recusei. Ela, sem se preocupar com os cabelos revoltos ou com a barra da saia respingada, ficou descalça e sugeriu que eu molhasse as mãos na água do mar e as levasse à boca.
Nunca mais esqueci aquele sabor pesado de sal, com um leve amargo. Uma onda mais longa alcançou os meus pés e, dito e feito. Alagou o calçado, com meia e tudo. Senti o pinicar da areia que veio com a água. Sim. Era incômodo. Mas quem se importa com isto, quando se vê o mar pela primeira vez?
As ondas lavaram o meu medo. Fiquei ali, a sentir o vai e vem das águas enquanto a minha avó, cabelos ao vento, caminhou pela areia em direção a um paredão de pedra lá no final da praia. Eu a segui com os olhos, ereta, altiva, livre, prateada, sob o sol morno de fim de tarde. Não sei até hoje o que me causou mais encantamento. O mar, o rugido do mar, ou a imagem da minha avó, indo ao encontro do vento. O momento exigia silêncio. E foi assim que eu fiquei. Maravilhada.
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