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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Parabéns, Fernanda. Precisamos desse prêmio. Ele é nosso

    "Você fez mais, Fernanda. Além de honrar a história de Eunice e representar o filme, você representou o país", escreve Denise Assis

    Fernanda Torres (Foto: Reuters)

    Sim, Fernanda Torres que nos desculpe, mas precisamos desesperadamente nos agarrarmos a esse prêmio. Nesse momento em que um dos principais colunistas políticos do país, fazendo eco com a “musa da privataria”, pede um “cavalo de pau” no governo, pregando às escâncaras um golpe que tire do cargo um presidente democraticamente eleito por seu projeto de combate à desigualdade, nós necessitamos roubá-lo de você, ou nos juntarmos a você. 

    Sem o menor pudor, a mídia faz coro contra os desfavorecidos, pelo mercado e pelo financismo. Sentimos muito, Fernanda, mas vamos nos embolar com você por essa estatueta, conquistada com a sua garra e disposição de sair pelo mundo feito caixeiro-viajante, vendendo o que de melhor nós temos: a nossa sensibilidade, transportada para a sua arte. Na barriga da miséria você nasceu brasileira. E, como bem resumiu, nesse Brasil que faz esquina com o mundo e fala uma língua que só ecoa em Lisboa. 

    Ainda estamos aqui, resistindo e garantindo que a democracia, de todos os sistemas imperfeitos, ainda é o melhor meio de nos acomodarmos em sociedade. 

    Fernanda Torres, na pele de Eunice Paiva, nos eleva à condição de país que mostra no cinema, o quanto a ditadura, numa dicotomia louca, pode ser “democrática”: destroça o preto, o pobre e a família burguesa, abastada, distraída e descontraída. Há os que atacam o trabalho defendido por você, por isso. “Só foca nos burgueses”. Mal param para pensar o quanto esse é o motivo pelo qual o filme é visto. No Brasil as pessoas só se importam com o que se passa com os brancos! Mostrar que a repressão entrou na casa de Eunice e fez escuro, fechando as cortinas, de tecido bom, fechando o futuro de seu marido, fechando tudo o que estava ao redor, é abrir a história para o público que a desconhece. Choca porque é delicado. Choca porque foi no Leblon. Choca porque foi com a família de posses. Eunice certamente ia à manicure, que não iria ao cinema ver um drama sobre a vida da vizinha. “Isso é coisa de pobre!”, diria.

    Precisou que fosse você, a Fernanda Torres esparramada, a comediante que se notabilizou por sua Vani, em “Os Normais”, e a impagável Fátima de “Entre Tapas e Beijos” conhecida do grande público, o que vê TV depois do jantar, recolher as velas, sempre enfunadas, para não exagerar ou chorar com ou por sua Eunice, tão bem retratada pelo filho, Marcelo Rubens Paiva. A mulher contida que não queria dar aos seus carrascos o gosto de vê-la se derramando em lágrimas. 

    “Sorriam, crianças”, era a sua ordem aos filhos, órfãos sem rito do luto, com o pai de destino ignorado, que um dia (20 de janeiro de 1971) foi tirado de casa pelos oficiais do CISA – Centro de Informações da Aeronáutica -, e levado para as profundezas de uma história que ainda hoje tentam apagar. Seu crime: trazer para o Brasil, sob a forma de carta, alento para os familiares que tinham os seus filhos errantes “cegos pelo continente”, perseguidos pela ditadura e levados ao exílio.

    Hoje, nessa quadra da história, quando já tropeçamos em um golpe bem amarrado por dois generais (Eduardo Villas Boas e Sergio Etchegoyen, em 2016), juntamente com o títere de nome Michel, e os lá de fora, e revertemos com determinação uma trama que envolvia a morte de Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckin e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, no 8 de janeiro, precisamos do seu Globo de Ouro. Carecemos  do seu personagem contido, da elegância de Eunice Paiva.

    Grassa no Congresso do seu país uma sanha gananciosa, de políticos despudorados, que avançam sem autoridade nos cofres públicos, mudando as regras do jogo. Farinha pouca, meu pirão primeiro. 

    Certamente a plateia que aplaudiu o seu discurso claro, emocionado e improvisado na alma, não sabe o que isso significa. Nós e você sabemos. Um alargamento do fosso entre os que deveriam receber e os que embolsam esses recursos. A dor é grande, a vergonha enorme, e a possibilidade de arregimentar quem nos defenda, nesse momento, é mínima. Só relembrando, eles querem, depois do “cavalo de Tróia” que nos sugou e nos constrangeu mundo à fora, um cavalo de pau, uma troca imediata do que escolhemos, com liberdade e Justiça. 

    Às vésperas dos dois anos do 8 de janeiro, eles querem outro, dessa vez com mais requinte, com menos cacos, sem kids pretos. É só provar que a verba que sai pelas “emendas”, pode ficar melhor do que o soneto. Pode voltar a cair nos bolsos costumeiros. 

    É por isso, Fernanda Torres, que hoje, da forma mais descaradamente desabrida, vimos dizer que precisamos do seu prêmio. Somos gratos por tê-lo conquistado. Somos tremendamente agradecidos por você ter nos emprestado a sua elegância, o seu desempenho e o talento que a levou àquele palco, para nos injetar ânimo e orgulho. 

    Você foi perfeita: no seu inglês – sim, a plateia gringa tinha que entender o recado, a sua humildade, a sua surpresa e a referência histórica à sua mãe -, a postura correta de reverenciar as concorrentes, e na escolha do que vestir. “Tenho que ser fiel à Eunice. Ela foi uma mulher discreta, não posso fazer a “nova rica” deslumbrada em um red carpet”. Estou ali para honrar sua história e representar o filme”. Foi assim que você prometeu, há meses, em uma entrevista à Revista Vogue, que a levaria pelo mundo. 

    Você fez mais, Fernanda. Além de honrar a história de Eunice e representar o filme, você representou o país. Na noite deste domingo, que prenunciava a chegada do 6 de janeiro, o dos reis magos, você foi a nossa estrela. O Brasil se enche de orgulho para aplaudi-la. Você nos provou o que declarou: “a vida presta”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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