Pare tudo que está fazendo e assista à entrevista de Putin a Oliver Stone
A colunista Cynara Menezes, do Jornalistas pela Democracia, chama a atenção para a entrevista que Vladimir Putin concedeu a Oliver Stone. Ela diz: "uma aula de geopolítica com dois gênios em suas áreas –só não espere revelações sobre a vida pessoal de Putin, que mantém o mistério rondando suas relações íntimas e a vida das duas filhas, Maria e Katerina, sobre quem fala pouquíssimo publicamente"
Por Cynara Menezes, para o Jornalistas pela Democracia - Num jornalista, o primeiro sentimento que despertam as entrevistas de Oliver Stone com Vladimir Putin é inveja. É inacreditável o acesso que o cineasta norte-americano consegue junto ao líder russo, percorrendo os principais corredores e salões do Kremlin e voando no Ilyushin presidencial. Ninguém chegou tão perto de Putin com um microfone numa mão e uma câmera na outra, e durante tanto tempo. Isso já é um feito por si só. Um furo.
Claro que tal proximidade rendeu muitas críticas a Stone, com os veículos conservadores acusando-o de ter feito uma entrevista “chapa-branca” com “um ditador”, sem colocar Putin contra as cordas, o que não é justo afirmar. Trata-se de um embate respeitoso, entre dois homens que se respeitam, mas o cineasta não foge de nenhum tema para evitar melindrar o entrevistado. Pelo contrário, a confiança leva o cineasta a dar cutucadas em vez de estocadas, como quando o russo solta uma frase machista.
“Você não tem dias ruins?”, pergunta Stone, tentando garimpar uma pedrinha cálida sob todo aquele gelo. “Não sou mulher, então não tenho dias ruins”, responde Putin. “Agora você insultou 50% da população norte-americana”, ri o cineasta
“Você não tem dias ruins?”, pergunta Stone, tentando garimpar uma pedrinha cálida sob todo aquele gelo. “Não sou mulher, então não tenho dias ruins”, responde Putin. “Agora você insultou 50% da população norte-americana”, ri o cineasta. O líder russo ainda tentou explicar que se referia à biologia, mas não colou.
Alguns críticos lembraram da célebre série de entrevistas feitas pelo apresentador britânico David Frost a Richard Nixon em 1977, que viraram 30 anos depois o filme Frost/Nixon, com Frank Langella vivendo brilhantemente o ex-presidente dos EUA (foi indicado ao Oscar de Melhor Ator em 2009 pelo papel). Nixon é de fato emparedado pelo entrevistador, mas estava já fora da Casa Branca, enquanto Stone entrevista Putin em pleno poder.
A outra inveja que dá em jornalistas ao assistir à entrevista é do colega Fernando Morais, que conseguiu com seu amigo Oliver Stone a liberação da série, inédita no Brasil, totalmente na faixa para o canal no youtube de seu site, o Nocaute. Morais, por sua vez, cedeu também à TVT os direitos de retransmissão. Fernando contou, em entrevista, como foi.
“Aproveitando minha relação com ele, relação que começou política, na Venezuela, quando o presidente Chávez era vivo. Nos aproximamos, ele veio ao Brasil, tem ideia de fazer projetos aqui, sobre o Brasil, aí eu… Você sabe que quem não chora, não mama, né? E nós no Nocaute, sempre em dificuldades, como todos os blogs progressistas. Eu perguntei se ele não queria dar uma mão para nós, e a melhor maneira seria ele ceder os direitos, que ainda não estavam vendidos no Brasil, e pra minha surpresa –a gente não está acostumado com essas coisas–, ele topou.”
O que na verdade o diretor de Snowden se propõe é ser todo ouvidos para Putin, deixá-lo falar, dar seu ponto de vista, e os espectadores que tirem suas conclusões. Até porque durante os anos em que foram feitas as entrevistas (2015-2017), o presidente russo estava sob intenso escrutínio da mídia e dos políticos norte-americanos, que o acusavam de interferir na eleição que levou Donald Trump ao poder. Claro que ele nega.
Mas é interessante constatar como a forma que um russo enxerga as coisas coloca a História sob outra perspectiva. Por exemplo: Putin fala que, onde o resto do mundo, enxergando pelo prisma dos estadunidenses, via “libertação”, os russos viam “a maior catástrofe do século 20” no fato de, após o fim da União Soviética, 25 milhões de russos terem se visto no exterior do dia para a noite, “em um piscar de olhos”. Com efeitos dramáticos: guerra civil, fome, terrorismo. Quer se goste dele ou não, é inegável que o responsável por colocar essa nação em frangalhos de pé e novamente na posição de uma das três mais poderosas do planeta é Vladimir Putin.
Putin afirma que Gorbachev errou ao permitir que a URSS se desfizesse. “Gorbachev e sua equipe sabiam que o país precisava de mudanças. Hoje posso dizer com toda segurança que eles não compreendiam quais mudanças eram necessárias nem como alcançá-las”
Não são poucas, aliás, as críticas que ele faz a Mikhail Gorbachev na condução do processo, embora com jeitinho –assim como evita ser indelicado e comentar sobre o alcoolismo de Boris Ieltsin, o presidente que o lançou no poder ao nomeá-lo primeiro ministro em 1999. É o próprio Putin que puxa o assunto União Soviética, dizendo a Stone que muitos o criticam por “lamentar” a queda do país. Ele afirma que Gorbachev errou ao não saber decifrar quais eram as mudanças que o povo queria. Deixa implícito que abrir mão dos outros países, desfazer a união, poderia ter sido evitado.
“Gorbachev e sua equipe sabiam que o país precisava de mudanças. Hoje posso dizer com toda segurança que eles não compreendiam quais mudanças eram necessárias nem como alcançá-las”, disse. “O mérito dele foi sentir a necessidade de mudança. Isso é verdade. E ele tentou mudar o sistema. O problema é que este sistema não era eficiente em suas bases. Como seria possível mudar radicalmente a situação e o sistema preservando o país? Isso é algo que ninguém sabia naquela época, nem Gorbachev. E levaram o país ao colapso. Milhões de pessoas caíram abaixo da linha de pobreza.”
Uma aula de geopolítica com dois gênios em suas áreas –só não espere revelações sobre a vida pessoal de Putin, que mantém o mistério rondando suas relações íntimas e a vida das duas filhas, Maria e Katerina, sobre quem fala pouquíssimo publicamente. O Nocaute e a TVT exibirão os próximos três episódios sempre às sextas-feiras às 21h45.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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