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    João Antonio

    João Antonio da Silva Filho é Mestre em Filosofia do Direito e atualmente preside o Tribunal de Contas do município de São Paulo

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    Parlamentarismo: cadê as condições objetivas?

    O parlamentarismo - para funcionar regularmente - exige algumas condições. A primeira é a existência de uma cultura democrática dos seus cidadãos. Essa condição é o que impulsiona anticorpos contra maiorais de conveniências, populistas, demagogos e "salvadores da pátria" que fazem do discurso fácil simplificado o método de convencimento de ignorantes políticos

    (Foto: Luis Macedo - Câmara)

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    Com frequência, alguns analistas políticos utilizam o termo “parlamentarismo branco” para classificar um certo “protagonismo” desempenhado em 2019 pelas duas casas legislativas brasileiras – Senado e Câmara dos Deputados.

    Os exemplos justificadores vez por outra apresentados por aqueles que insistem nesta tese foram as iniciativas das direções das duas casas legislativas em pautarem, conduzirem e votarem, sem interferência efetiva do Poder Executivo, a Reforma da Previdência, o Pacote anticrime e a derrubada de alguns vetos. Eu acho esta conclusão precipitada.

    É fato que neste primeiro ano de governo o parlamento brasileiro atuou com maior autonomia. Esta autonomia não é resultante de um querer deliberado – não há ação concreta de nenhuma força política buscando, neste momento, mudar o sistema de governo brasileiro. Sim, parlamentaristas existem no Brasil, o que não existem são as condições objetivas para sua implantação.

    Na verdade, o termo “parlamentarismo branco” está sendo usado, ora como justificativa à incapacidade de articulação política do Poder Executivo, ora como sutileza argumentativa para justificar a pressão por parte de partidos e parlamentares por cargos, emendas e prestígio. No fundo, o que continua imperando no Brasil é o pragmatismo parlamentar – o famoso “é dando que recebe”.

    É bom que se diga que o parlamentarismo é um sistema de governo que não traz soluções mágicas para as crises provocadas pela incapacidade da política de compor as diferenças. O exemplo mais recente das limitações desse modelo é o parlamentarismo espanhol – Monarquia Parlamentarista – que já está na quarta eleição consecutiva sem conseguir formar maioria para montar o seu governo. Poderia aqui citar as dificuldades na Itália, a crise recente na Inglaterra, na Grécia, entre outros.

    Os exemplos citados acima são de nações desenvolvidas, com uma longa trajetória democrática e com um nível de politização do seu povo, em geral, superior aos povos aqui das Américas. Será mesmo que o parlamentarismo é uma solução para o Brasil?

    O parlamentarismo – para funcionar regularmente – exige algumas condições. A primeira é a existência de uma cultura democrática majoritária dos seus cidadãos. Essa condição é o que impulsiona anticorpos contra maiorais de conveniências, populistas, demagogos e “salvadores da pátria” que fazem do discurso fácil simplificado método de convencimento de ignorantes políticos.

    Sem valores coletivos democráticos, este experimento (Parlamentarismo), imposto por mera vontade do establishment sem respaldo social, estará fadado ao fracasso.

    Outro fator determinante para o parlamentarismo funcionar é a existência de partidos programáticos e com forte enraizamento social. No Brasil dos tempos atuais esta condição está longe de ser uma realidade. O nosso sistema político conta hoje com 33 partidos legalizados e mais alguns a caminho de serem reconhecidos pela Justiça Eleitoral. Com poucas exceções, o que menos interessa aos “donos” dessas agremiações é a clareza programática. Impera, na maioria das legendas partidárias, o pragmatimatismo sem medida e pragmatismo desmedido é incompatível com o parlamentarismo.

    Há outro fato que me leva duvidar da viabilidade do sistema de governo parlamentar para o Brasil. Trata-se do modelo de representação parlamentar adotado na Federação brasileira. Não há um sistema de representação parlamentar proporcional que expresse a real correlação de forças na atual divisão geopolítica do Estado brasileiro. O Senado, no modelo posto na ordem jurídica pátria, representa os Estados Federados. Independente do peso econômico e político do Estado, a correlação de forças é igualada (três senadores por Estado).

    No Senado não há representação proporcional. No sistema presidencialista onde o poder “máximo” é do presidente da República- chefe do poder executivo e da nação – eleito diretamente via sufrágio universal, o elemento correlação de forças nas casas legislativas – peso geopolítico federativo proporcional – é relativizado pela a força eleitoral do Presidente da República. Mas, em se tratando do sistema de governo parlamentarista, onde o parlamento é o responsável pela formação do governo, o atual modelo de representação no Senado, na minha opinião, não é o mais adequado. Este modelo, juntado ao sistema federativo de representação para a Câmara dos Deputados, onde o peso do voto de cada eleitor é variável de Estado para Estado (o voto de um eleitor de alguns Estados Federados chega valer oito vezes o voto de um eleitor de São Paulo, por exemplo), a situação se complica ainda mais. Tomando como referêncial a realidade numérica dos cidadãos aptos em cada Estado a participar da vida política nos termos da lei, a conclusão que se chega é que a composição da Câmara dos Deputados não corresponde à real correlação de forças do sistema federativo brasileiro. Esta é uma condição importante para um sistema parlamentar de governo, pois, o elemento equilíbrio de forças federativa, ao meu ver, tem peso determinante no sistema de governo parlamentarista.

    Talvez o elemento correlação de forças, na forma posta acima, pudesse ser superado com implantação do voto distrital ou distrital misto – um modelo de representação que viesse a equacionar o atual desequilíbrio geopolítico federativo de representação congressual. No entanto, este equilíbrio só se viabilizaria com um reforma do Estado brasileiro – no atual modelo federativo o sistema de representação política (voto distrital ou distrital misto) não se viabilizaria por uma simples razão: o Amapá, por exemplo, é uma Estado ferderado nas mesmas condições jurídicas do Estado de São Paulo. O Amapá possui 845 mil habitantes com cerca de 500 mil eleitores. Este número corresponde ao bairro de São Miguel Paulista na cidade de São Paulo, cidade esta, com 12,2 milhões de habitantes e que já ultrapassou os 9 milhões de eleitores. Como equacionar uma representação equilibrada numa realidade tão divergente?

    Num país continental como o Brasil, com a marca da diversidade cultural, econômica, religiosa e política, alterar costumes consolidados é sempre muito trabalhoso em qualquer área de atuação. Mesmo quando há esforço de milhares de interessados, as mudanças culturais são lentas e graduais, perpassando várias gerações. Em se tratando de mudanças de regras que influenciam diretamente o poder político, estas mudanças tornam-se ainda mais complexas exigindo um lento processo de composição dos interesses postos. Portanto, dificilmente haverá, no médio prazo, uma reforma política que, de fato, corrija tamanho desequilíbrio. Sem alterar o sistema federativo atual é impossível chegar a um sistema de representação política com equilíbrio razoável e adequado.

    Por fim, todas estas condições a serem alteradas teriam que se refletir num novo arcabouço jurídico pátrio cuja principal consequência seria uma reforma do Estado brasileiro com mudanças estruturais profundas. Pergunta: os políticos e o establishment brasileiro atuais que não conseguiram fazer uma reforma política minimamente consistente, terão eles condições de reformar o Estado brasileiro mundando uma estrutura que está em funcionamento à décadas?

    Resumindo das questões aqui suscitadas:

    1 – Não há parlamentarismo branco no Brasil. Os líderes políticos do congresso, pragmáticos que são, vão impor derrotas ao governo até que ele se curve e aceite fazer o presidencialismo de coalizão;

    2 – Caso o Executivo decida esticar a corda – não fazer a coalizão esperada pelo Centro e pela direita – terá ele condições de concluir os seus 4 anos de mandato?

    3 – Sem uma cultura democrática coletiva qualquer tentativa de impor parlamentarismo é jogar a nação na incerteza;

    4 – Para o parlamentarismo funcionar de forma equilibrada é necessário mudar a forma de representação federativa. O atual modelo é desproporcional;

    5 – O sistema parlamentar de governo só terá funcionamento regular e satisfatório com partidos fortes, programáticos e com enraizamento popular. Estas condições passam ao largo no Brasil atual;

    6 – A política brasileira e seu establishment querem e têm condições de fazer uma reforma profunda do Estado brasileiro?

    Por tudo o aqui exposto, não vejo nenhum parlamentarismo branco em funcionamento no Brasil. Vejo sim muito pragmatismo. Por esta razão, não vejo, no curto prazo, nenhuma condição objetiva de substituição do atual sistema presidencialista pelo parlamentarismo. Qualquer tentativa de mudança, sem as condições estruturais, por mero capricho da elite brasileira, estará fadado ao fracasso. É como penso!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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