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    Sara Goes

    Sara Goes é âncora da TV247, comunicadora e nordestina antes de brasileira

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    Peles negras. Pets brancos

    "O Brasil que clama por justiça para animais maltratados precisa reconhecer a vida de homens e mulheres negros", escreve Sara Goes

    Inspetor Alberto aparece em vídeo agredindo porco (Foto: Reprodução/X/Vinicios Betiol)

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    Embora o primeiro turno em São Paulo tenha sido marcado pela provocação de Pablo Marçal, foi em Fortaleza que a tensão política alcançou seu auge. No dia 24 de outubro, a três dias do fim das eleições, o vereador Inspetor Alberto (PL) ameaçou de morte o candidato Evandro Leitão (PT) durante um ato de campanha de André Fernandes (PL), com quem compartilha acusações de nepotismo cruzado. Alberto insultou Leitão, afirmando que ele deveria "preparar o caixão". O vereador, já conhecido por seu histórico de violência, foi condenado em 2019 a pagar uma multa simbólica a Lula (PT) por atirar em uma foto do presidente, e em 2021 invadiu um Cuca (Centro de Cultura e Arte) para destruir uma placa sinalizadora de banheiro inclusivo, além de agredir apoiadores de Lula. A Polícia Civil do Ceará abriu inquérito para investigar a ameaça e, na véspera da votação final, Alberto voltou a publicar vídeo com novas provocações. No vídeo, ele arrasta violentamente um porco pelas orelhas, afirmando que Leitão "irá para a panela", enquanto o animal grunhia de medo. A Polícia Civil iniciou outra investigação, desta vez por maus-tratos a animais, e o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Ceará denunciou o vereador, pedindo sua cassação por infrações éticas e legais. Hoje (29) passou a circular um vídeo em que o vereador é hostilizado por uma mulher em virtude da agressão ao porco (não ao Leitão), no momento em que ele entrava na Delegacia Especializada de Meio Ambiente (DPMA) para depoimento.

    A agressividade de Alberto, amplamente divulgada nas redes sociais, contribuiu para reverter o empate nas eleições e trouxe à memória o episódio de Carla Zambelli (PL) em 2022, quando perseguiu o jornalista Luan Araújo com uma arma em São Paulo. O contraste entre a rapidez da justiça em defesa de um animal e a impunidade que Luan, um homem negro, enfrentou, expõe uma realidade preocupante: a justiça brasileira respondeu rapidamente a casos de maus-tratos a animais, mas é lenta e injusta em relação à violência racial.

    Inspetor Alberto e Zambelli compartilham um histórico de violência e ações problemáticas. Zambelli, acusada de porte ilegal de arma e de perseguir Araújo, permanece sem punição, enquanto Luan foi condenado por suas declarações na imprensa. Alberto, com um histórico de preconceito e agressões físicas, só teve uma resposta rápida das autoridades quando maltratou um animal, enquanto seus outros atos violentos passaram praticamente impunes.

    Essas contradições não são novas no Brasil. O Carrefour, por exemplo, foi palco de repetidos casos de racismo e violência. Em 2020, o assassinato brutal de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro espancado até a morte por seguranças em uma loja da rede, gerou protestos que levaram a empresa a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), comprometendo-se a investir R$ 115 milhões em ações antirracistas. No entanto, a persistência de atitudes preconceituosas ficou evidente em 2022, com outro episódio de violência racial em Salvador. Curiosamente, o mesmo Carrefour também esteve no centro de uma grande comoção pública em 2018, quando o cachorrinho Manchinha foi espancado e morto por um segurança em Osasco, gerando mobilizações e até um monumento em homenagem ao animal na cidade da Grande São Paulo.

    Preciso deixar claro que não estou menosprezando a empatia que as pessoas têm pelos animais — eu também compartilho desse sentimento. Nem consegui assistir ao vídeo em que o bolsonarista maltrata o porquinho. A questão aqui não é essa. Enquanto homens negros continuam sendo vítimas de agressões fatais, a comoção pública pela morte de Manchinha mobilizou uma resposta imediata e campanhas de boicote em todo Brasil. O Brasil, que costumeiramente silencia discussões sobre representatividade política sob o pretexto de excesso de "identitarismo" ou sob a falácia da igualdade racial mas que clama por justiça para animais maltratados, precisa reconhecer a vida de homens e mulheres negros. O desequilíbrio na aplicação da lei perpetua a violência racial e política. Luan Araújo, vítima de Carla Zambelli, foi mais uma vez alvo de injustiça, condenado enquanto sua agressora permanece livre. Luan, afinal, não teve a sorte de nascer pet no Brasil.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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