Pesadelos de Caserna
"Muito ruim essa coisa dos fantasmas dos militares voltarem a assombrar nossas vidas agora. Pode ser desespero do governo, pode ser um cadáver mal sepultado, pode ser a eterna paranoia que temos de não podermos ser felizes, enfim, pode ser tudo, mas o que importa é que eles ainda assustam", escreve Miguel Paiva, do Jornalistas pela Democracia
Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia
Muito ruim essa coisa dos fantasmas dos militares voltarem a assombrar nossas vidas agora. Que boa lembrança se teria deles? Nenhuma. Foi um período, o da ditadura, que não deixa boa memória para ninguém, salvo para os apoiadores do governo que tecem loas ao torturador Brilhante Ustra e querem a volta dos tanques. Não sei se isso aconteceria hoje. As circunstâncias são diferentes, mas quem tem * tem medo, e eu tenho.
Pode ser desespero do governo, pode ser um cadáver mal sepultado, pode ser a eterna paranoia que temos de não podermos ser felizes, enfim, pode ser tudo, mas o que importa é que eles ainda assustam. Ninguém sabe o poder real de fogo. Se existem tanques disponíveis e tropas simpatizantes para ocupar as ruas, mas o problema é testar.
Eu mesmo, sou filho de militar, oficial da FAB que gostava mesmo de voar. Quando foi para reserva, muito cedo aliás, foi tentar negócios vários. Vendeu peças para automóveis com meu tio, helicópteros poloneses (antes do golpe de 64) e aviões monomotores americanos (já depois do golpe). Não ganhou dinheiro com isso. Na época não havia pandemia nem negócios com vacinas. Os ministros não negociavam vacinas pelo triplo do preço como dizem os documentos de hoje. Os militares ainda tentavam o milagre brasileiro e acho eu, poucos saíram com grana no bolso. A imagem saiu desgastada e levaram muitos anos para reconstruir.
Os governos do PT ajudaram nessa tarefa e depois, justamente com os governos de direita o fantasma saiu do armário e voltou a nos assombrar. Estranho isso. Justamente na época da esquerda no poder a relação com os milicos foi a melhor. Hoje não digo que seja ruim, mas eles estão se lambuzando na geleia geral do poder, da ganância e a imagem está se manchando. Bolsonaro pegou pesado convocando-os para ajudar na tarefa que ele não tinha ideia de como fazer. Ouvia os neoliberais do Guedes de um lado, os radicais do Olavo do outro e no meio ele queria mesmo é ser o general ou o capitão da banda. Na hora do aperto ele apela ao medo que nos circunda. O medo, todos sabemos, paralisa. Carregamos esses temores atávicos que nos impedem de sermos felizes e um deles é justamente o da volta dos militares. Fico pensando nos milicos no poder novamente. Quem seriam? Como reagiria a grande imprensa? Como seriam os editorias do Jornal Nacional? E a Fiesp e os bancos, como se comportariam? A classe média e o resto do mundo assistiriam a isso numa boa? O mundo iria permitir um Brasil de volta às trevas?
A internet resiste mesmo às ditaduras mais vigilantes. Isso tranquiliza. Tudo bem que estou tentando, sem me convencer muito, desfazer esse pesadelo que arrastamos junto com as correntes das masmorras. Mas acho que deveríamos pensar nisso para perdermos principalmente o medo, não o medo inteiro que nos faz ficar vigilantes e atentos ao que pode acontecer e prontos para ir às ruas., mas o medo que nos mantém assustados e em casa.
Tem muita gente hoje que se beneficia da democracia como ela é. Muita gente que achou que essa mesma democracia permaneceria mesmo com Bolsonaro no poder e hoje se arrepende. Elas também precisam se ligar que um novo gesto parecido com o que elegeu Bolsonaro para eleger outra ilusão de centro pode resultar na mesma situação. Vamos olhar sem medo para o que nos aguarda pela frente. Vamos lembrar de verdade dos tempos em que éramos felizes e sabíamos. Eles não são e nem querem que sejamos felizes de novo. O medo é arma quente. Vamos ficar ligados.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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