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    Fernando Horta

    Fernando Horta é historiador

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    Pipoca e guaraná

    "Judiciário e Legislativo estão na gênese do desarranjo institucional brasileiro", diz Fernando Horta

    (Foto: ABr | Câmara)

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    Desde 2013, talvez até antes, estamos num processo de golpe ininterrupto. Ele se inicia com as denúncias estapafúrdias do Mensalão de Roberto Jefferson, vai sobre as principais lideranças do governo do presidente Lula, criminaliza e encarcera pessoas sem “provas” como dito a altos brados pela ex-ministra Rosa Weber e segue uma sequência de liminares monocráticas que vão desde a proibição de que Lula fosse nomeado ministro da Casa Civil de Dilma, até a suspensão da lei do “Juiz de Garantias”, passando pela desabilitação da Constituição no caso da prisão em segunda instância ou a manutenção de penduricalhos e pagamentos à juízes e membros do Ministério Público. O mesmo STF hoje que tem ataques de pelanca com uma PEC que NÃO LHE RETIRA PODERES é aquele que não tem um voto e que esconde decisões monocráticas por décadas quando lhe interessa politicamente e se torna “furioso defensor da lei” quando o caminho do golpe contra a democracia lhe parece beneficiar.

    Quem quiser ser infantil e analisar a ação do Senado como uma versão da disputa entre “mocinhos e bandidos” que volte para a quinta série. É lá que o tempo da análise é o que a criança lembra e seus argumentos são todos de cunho moral centrados no próprio umbigo. Gilmar Mendes, com fúria eloquente que só se vê contra os que ele entende serem seus inferiores, afirmou que uma ditadura poderia resultar em atos do executivo e do legislativo. Esqueceu-se da ditadura mais comum, o nobre e inatacável ministro? Vem do judiciário, e exatamente das suas possibilidades monocráticas, monossincréticas e irrefutáveis, as principais ameaças contemporâneas à democracia.

    Mas, para o impoluto e agora “defensor” da mais pura democracia, o “grande acordo, com o supremo, com tudo” nunca existiu.

    Tampouco a Lava a Jato.

    Também não os “Filhos de Januário”.

    Ou o suicídio do reitor da UFSC.

    Ou os cursos de leitura dinâmica dos altaneiros desembargadores do TRF-4.

    A verdade é que a única coisa que a sociedade brasileira sabe do seu judiciário é que, TODOS OS ANOS, eles querem aumentos. Não se sabe ser sabem ler e escrever, não se sabe se respeitarão a letra escrita da constituição (já que o próprio STF a descumpre diversas vezes), não se sabe qual princípio inexistente vão invocar para defender que interesses. Só sabemos mesmo é que eles querem sempre aumentos e que se não derem, eles mesmos se concedem como “auxílios” e pagamentos extras de toda sorte.

    E nesse momento, o leitor mais acurado já está a detectar um transbordamento. Não se está aqui mais discutindo a PEC votada no senado que, a bem da verdade, não faz coisa alguma com relação aos “poderes do STF”, como desonestamente estão dizendo por aí. O leitor com um pouco de cuidado já sabe que a discussão é sobre a sociologia do judiciário e suas relações tanto com o centro teóricos de sua existência, quanto com a sociedade e sua legitimidade.

    Provavelmente essa PEC é só a primeira que o Congresso tem preparada contra o STF. Congresso esse que é comandado por políticos que só estão lá por liminar do próprio Supremo. E também, muito provavelmente o STF precisa sim de um freio, assim como todo o judiciário brasileiro. Historicamente, sempre que uma sociedade foi violentada pelos atos do judiciário (como ocorreu com o Brasil desde o mensalão) ela se protege diminuindo poderes dos juízes-deus. Isso aconteceu nos EUA da década de 20 e 30, aconteceu com a Alemanha após a segunda guerra e, pasmem, aconteceu até no Japão.

    O que está errado é a infantilidade da militância de esquerda.

    Essa “briga” não é nossa. Nem o STF, nem o legislativo saíram em defesa de qualquer limite democrático nesses 10 anos de crise. Muito pelo contrário, ambos os poderes criminalizaram as ruas. O STF chegou a dizer-se, ao mesmo tempo, “poder contra-majoritário” para justificar suas decisões e omissões em franca oposição à maioria social, e que “deveria ouvir a voz das ruas” para justificar também suas ações e omissões quanto à constituição. Na prática, juízes e senadores torcem e distorcem as leis conforme suas vontades e interesses. Nós, daqui de baixo, é que só temos vez como massa de manobra a apoiar A ou B.

    A esquerda tem que ficar calada nesse momento. Torcer pela briga. Judiciário e Legislativo precisam voltar aos seus quadrados. E só o poder contém o poder como já dizia Charles d’Secondat, o Barão de Montesquieu. Jacques Wagner está certo. O presidente Lula está certo e nós temos que comprar pipoca e guaraná. É preciso “torcer” pela briga e reconhecer que ninguém ali está lutando por qualquer ideia de democracia ou pela soberania da vontade popular. É uma luta de egos e poderes políticos e financeiros que no fundo discute quem precisa de repreensão pelo que aconteceu no Brasil nos últimos dez anos.

    Não se esqueçam, portanto, que Judiciário e Legislativo estão na gênese do desarranjo institucional brasileiro. Foi dali que partiram as normas, regras, exceções e absurdos que permitiram Bolsonaro, leite condensado e próteses penianas para militares, rachadinhas e até mesmo Artur Lira.

    Nossa função, por enquanto, é torcer pela briga.

    Que se contenham os monstros entre si. E que nos guardemos e às ruas para quando a bandeira for realmente nossa.

    Mais pipoca!!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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