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    João Antonio da Silva Filho

    Mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Advogado, foi vereador da capital por três mandatos consecutivos e deputado estadual por São Paulo

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    Poder, política, indivíduos e coletividade

    O poder não se edifica numa relação isolada. Ele está sempre relacionado a uma teia de sustentação, e esta sustentação, a depender de sua força, é o que lhe dará consistência e longevidade

    O conceito de poder vem do latim possum, que poderá ser traduzido por “ser capaz de”. O termo poder está associado às palavras, deliberar, agir, determinar, forçar, compor, mandar… Estas palavras estão diretamente associadas à arte de comandar – que na sua definição genérica pode ser concebida como “a capacidade de alguém ou de uma instituição levar um indivíduo ou um grupo de indivíduos fazer(em) ou deixar de fazer(em) algo”. O poder está presente em várias esferas de atuação na sociedade: na família, com rara exceção, o poder é paternal ou maternal; nas associações, por um corpo diretivo ou um presidente credenciados para defender os seus associados; numa sociedade empresarial, um dono ou um colegiado dirigido por um executivo que definem estratégias e comandam o seu corpo funcional; nas igrejas, por uma hierarquia que, em nome de Deus, impõe regramentos dogmáticos a serem obedecidos e seguidos por todos os seus fiéis; em um partido político, pelo seu diretório ou comandante supremo e nos Estados por várias formas de governos. Enfim, onde existirem humanos reunidos, em raríssimos casos, o fator poder, conforme o conceito acima descrito, sempre se fará presente para ordenar e harmonizar a convivência coletiva.

    Estamos sempre na busca de exercer um certo tipo de poder, às vezes conscientes, outras vezes agindo por instinto. O poder é exercido, seja para impor uma vontade a outrem, para compor interesses diferentes e até mesmo divergentes ou para fazer valer uma norma coletiva capaz de promover a harmonia nas relações humanas. O fato é que a relação de poder é um fator inerente à vida em sociedade. O poder, quase sempre, é exercido sem que a parte submissa perceba, quero dizer, na maioria das vezes, o poder é imperceptível. A sutileza no exercício do poder é um fator importante na relação de mando, pois envolver a parte submissa na engrenagem dominante como se fosse parte do todo, como se o projeto dominante fosse dela, é a melhor maneira de dar ao poder constituído uma eficácia duradoura.

    O poder não se edifica numa relação isolada. Ele está sempre relacionado a uma teia de sustentação, e esta sustentação, a depender de sua força, é o que lhe dará consistência e longevidade. Quanto mais claros os objetivos dos detentores do poder, mais facilidade terão de convencimento de uma rede de colaboradores. É esta rede, tecida com fortes argumentos de sustentação, que faz o poder consistente; sem ela, nenhum tipo de poder se sustenta por longos períodos.

    Falamos aqui de poder em geral, qualquer que seja ele: aquele exercido em uma empresa, numa família, no sindicato, nas igrejas, ou seja, em todos os círculos de convivência humana. Mas para efeito deste artigo, o que interessa é o poder político. Dele, todos os demais são dependentes, com maior ou menor intensidade. É do poder político a maior interferência em dois elementos fundamentais que homens e mulheres buscam ao longo de toda a história da humanidade: a liberdade e a igualdade.

    A política, especialmente no Brasil, tem sido vilipendiada. O desprezo por esta atividade humana é tamanho que quando alguém se propõe a debater ou simplesmente mencionar a política como algo inerente ao convívio humano, é vítima, no mínimo, de olhares. Para as pessoas comuns, política virou sinônimo de práticas ruins: malvadeza, corrupção, simulação e dissimulação, enganação. Há no senso comum, uma intolerância com esta complexa atividade da qual, paradoxalmente, é dela a responsabilidade pela condução das atividades do Estado que tanto interferem na vida dos indivíduos.

    Por outro lado, há um público que se interessa pela política e até se dispõe a travar um combate diário para torná-la um espaço saudável de participação coletiva e de persecução do bem. Este interesse é um indicativo de que a reconhecida repulsa, a alienação e a indiferença não suplantaram a arte do bem fazer política. E isso é bom, pois reforçar a negatividade da política ou permitir o rebaixamento da política a interesses particulares é deixar um campo aberto àqueles que desejam aparelhar o Estado em seu benefício, sem se preocupar com a coletividade.

    O fazer política não pode ser um meio para garantir vida boa para alguns privilegiados. Pelo contrário, deve ser um ato de vontade daqueles que optaram por fazer desta atividade um instrumento para a edificação de uma sociedade cuja premissa fundamental seja a edificação de uma novo tipo de relação entre as pessoas onde a ética, o respeito às diferenças e, fundamentalmente, fazer do desenvolvimento econômico o elemento chave para fazer diminuir as desigualdades sociais.

    Valorizar a boa prática é estimular a ampliação participativa dos cidadãos nas decisões administrativas e no arcabouço normativo que organiza a vida em sociedade. Combater e procurar derrotar as visões autoritárias, o elitismo, o personalismo e o patrimonialismo na política são tarefas de todos que veem a política como espaço de todos. Dar azo ao seu rebaixamento, classificando a política como sendo uma atividade humana desprezível é um desserviço à coletividade. A política esteve, está e estará presente no cotidiano das pessoas independente de conceitos valorativos subjetivos.

    O resgate da boa prática política é o único modo de ampliar o contingente de cidadãos interessados em participar da condução do Estado. Por outro lado, esvaziar a participação política é a melhor forma de exercer, sem questionamentos, o poder. Este é o desejo de uma casta que sempre fez da política um meio de vida. Qual o brasileiro que nunca ouviu ou leu a expressão “política não foi feita para amador?” Esta é uma afirmação que fortalece a ideia do poder nas mãos de poucos, a ideia da política como uma profissão e nunca como um espaço para os vocacionados a doar-se aos interesses públicos.

    Aqui, não se pretende fazer uma defesa da política por mero amor ao debate ou como uma forma de alimentar elaborações filosóficas descolada da vida real. A política não se compara a uma atividade de lazer, que dialoga, quase sempre, com a sensação de bem-estar subjetivo dos indivíduos. Ela é, na sua essência, uma atividade voltada para organizar a sociedade, efetivar programas voltados para o bem comum, promover a harmonia entre os indivíduos e modelar o poder do Estado. Até porque a humanidade optou, a partir de sua necessidade, por um tipo de organização social em torno do Estado que facilitasse a sua convivência coletiva.

    Tomando como referência o que escreveu Aristóteles, que o “homem é um ser sociável por natureza”, ou aquilo que escreveu Tomas Hobbes quase dois mil anos depois, que numa visão menos humanista afirmou que “o homem é lobo do homem”, seja num ou noutro fundamento chegamos a conclusões parecidas: a de organizar, disciplinar e fomentar o desenvolvimento do ser humano como uma premissa fundamental para a ação daqueles que são credenciados politicamente para conduzir o Estado. Foi nessa dinâmica dialética, na livre circulação das ideias, que homens e mulheres, num processo evolutivo, chegaram ao formato contemporâneo de Estados Nacionais.

    A opção humana de viver em sociedade não foi um acaso do destino ou acidente da história. Na verdade, trata-se de um processo evolutivo em que homens e mulheres perceberam que, se juntando, poderiam desenvolver mecanismos coletivos de solução dos seus problemas. No fundo, foi o reconhecimento de que a vida isolada, cada um cuidando das suas necessidades particulares, sem nenhuma interação com seus semelhantes, não ajudava na resolução das suas necessidades e que, por outro lado, ao juntar-se, a somatória de esforços e a complementaridade de expertises superaria suas limitações e elevaria a outro patamar as condições objetivas de resolução para suas aflições do dia-a-dia: paz, segurança, alimentação, saúde, cultura, enfim, uma crescente melhora na qualidade de vida e contruída com uniformidade sem castas nem preconceitos.

    É da natureza da política ser relacionada com termos fortes, sejam eles de cunho positivo ou negativo. Nada assustador. Na verdade, a política trata de temas complexos. Quando falamos de política há uma associação imediata com termos como interesses, ambições, poder, armas, força, persuasão, leis, repressão, justiça, injustiça, disputa, programa, ideologias. Enfim, a política não é a expressão apenas do bem, mas também não é a imposição do mal. Ela é a expressão do todo em disputa em uma sociedade, ou melhor, por ser a política o instrumento fundamental que por ela se disputa o poder com a finalidade de administrar os estados, esta carrega em si todas as contradições inerentes a vida em sociedade.

    Não há política sem poder e não há poder sem domínio, como definimos antes, “o poder é a capacidade de alguém levar um indivíduo ou um grupo de indivíduos a fazer(em) ou deixar de fazer(em) algo. Portanto, a política é um instituto onde seus atores postulam, por métodos variados, determinar ou no mínimo influenciar as condutas, orientações e opções dos demais indivíduos. No exercício do poder, ao longo da história, sempre esteve presente a relação hierárquica, uma relação de mando e comando. Não se trata de questionar o conceitos de poder e sim a forma de exercício do poder, pois é na forma de comandar e no estilo de mando que se consolidam a dimensão de liberdade dos indivíduos, bem como o tipo de igualdade que se pretende contruir em cada Estado.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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