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    Heraldo Campos

    Graduado em geologia (1976) pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas (UNESP), mestre em Geologia Geral e de Aplicação (1987) e doutor em Ciências (1993) pela USP. Pós-doutor (2000) pela Universidad Politécnica de Cataluña - UPC e pós-doutorado (2010) pela Escola de Engenharia de São Carlos (USP)

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    Poluição mansa

    Nesse cenário, os riscos para a saúde humana também já começam a aparecer, tanto na ingestão quanto na inalação de microplásticos

    Uma restinga é um “(...) depósito arenoso subaéreo, produzido por processos de dinâmica costeira atual (fortes correntes de deriva litorânea, podendo interagir com correntes de maré e fluxos fluviais), formando feições alongadas e, paralelas à linha de costa (barras e esporões ou pontais arenosos), ou transversais à linha de costa (tômbolos e alguns tipos de de barras de desembocadura). Essas feições são relativamente recentes e instáveis e não fazem parte da planície costeira quaternária propriamente dita, pois ocorrem especialmente fechando desembocaduras, lagunas e reentrâncias costeiras. (…).” [1]

    Um exemplo de restinga está localizada na desembocadura do Rio Indaiá que divide as praias do Perequê Açu e da Barra Seca no município de Ubatuba, Litoral Norte do Estado de São Paulo.

    Em relação à erosão costeira dessa área, a última atualização do “Mapa de Risco à Erosão Costeira  do Estado de São Paulo”, elaborada em 2007, classifica a Praia do Perequê Açu com risco alto e a Praia da Barra Seca com risco muito alto. [1] 

    No tocante a poluição dessas duas praias, nesse frágial ambiente de restinga, um alerta já vinha sendo dado há mais de duas décadas, como pode-se ver a seguir.

    “O “Guia de Praias Quatro Rodas”, de 1998, informa ao leitor que as praias do Perequê Açu e da Barra Seca, localizadas em Ubatuba no Litoral Norte do Estado de São Paulo, “Ficam numa enseada de água mansa, rasa, com terminal turístico (para ônibus de excursões). Na temporada aumenta a poluição na desembocadura do Rio Indaiá. Barra Seca é um trecho selvagem depois do Rio Indaiá.” 

    Na época em que foi editado o “Guia”, ainda no formato papel, no final da década de 1990, o terminal turístico, situado de frente para o mar e no meio da zona da faixa de areia da Praia do Perequê Açu, deveria mesmo estar funcionando, destinado para receber ônibus de excursões, que seria uma das suas principais funções. Nessa época, muita polêmica girou em torno da sua implantação, principalmente pelos moradores do bairro, que entendiam que o movimento e a circulação na área iriam aumentar além do esperado. Há algum tempo o terminal turístico não recebe mais ônibus de excursões e se observa pouca atividade nesse local público municipal.   

    Como essas duas faixas de areia tem mais cerca de três quilômetros de extensão, muito frequentadas pelos moradores e também por turistas, principalmente durante a temporada, e por estarem situadas bem próxima da área central da cidade e com vários  quiosques, restaurantes e pousadas, não é difícil de se imaginar que a “poluição na desembocadura do Rio Indaiá” deveria aumentar, conforme alertava o “Guia” cerca de 24 anos atrás, ressaltando-se que a poluição deve também estar ocorrendo na Praia da Barra Seca que hoje não é mais um “trecho selvagem depois do Rio Indaiá”, visto que apresenta esses mesmos tipos de opções e de serviços aos usuários. Como consequência, esse trecho vem apresentando cada vez mais uma ocupação por construções na faixa de areia e de certo modo muito rápida, mostrando que a poluição continua preocupante, uma vez que o movimento e a circulação na área pelas pessoas aumentaram profundamente.” [2] 

    As intervenções humanas, por exemplo, na faixa de areia da Praia do Perequê Açu são visíveis e vem aumentando ao longo dos últimos anos.

    “Essa faixa de areia tem cerca de 2 quilômetros de extensão e é muito frequentada pelos moradores e também por turistas, por estar situada bem próxima da área central da cidade.

    Tem fácil acesso e com uma infraestrutura razoável para o consumo e lazer, como os quiosques, os restaurantes e as pousadas.   

    Assim, na temporada do verão de 2020, durante os meses de janeiro e fevereiro, foram observados nessa faixa de areia: vários tipos de resíduos plásticos distribuídos de forma difusa; peixes mortos junto a restos de algas; depósitos de lixos a céu aberto próximo de quiosques; espuma de origem desconhecida acumulada na saída de galeria de águas pluviais; presença de cães na praia (com seus respectivos proprietários); espalhamento de objetos de oferenda religiosa, além da presença de frequentadores, utilizando bombas de sucção para a retirada do crustáceo corrupto (crustáceo cavador Callichirus major), geralmente utilizado como isca para peixes nas pescarias.

    Resumo da ópera: todo esse cenário descrito é de uma praia largada ao deus dará, sem fiscalização e a devida atenção por parte do poder público.” [3]

    Desse modo, os efeitos de uma praia largada vem se agravando, como comprovam as recentes pesquisas. 

    “Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) publicaram estudo que investigou vestígios de microplástico em águas, areias e peixes em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, e detectaram grandes níveis de contaminação.” [4]  

    Pelo exposto, como nem tudo são flores, será que podemos dizer que a poluição mansa que vinha ocorrendo, observada a olho nú e com pouco ou quase nada de ações efetivas em seu progresso na agressão ao meio ambiente, é um ponto sem volta, principalmente nesse mundo microscópico dos plásticos e seus derivados?

    “O estudo da Ufscar e da Unesp foi feito ao longo de 2021. Foram coletados 120 peixes nas Praias de Barra Seca e Perequê Açu e encontradas partículas sintéticas no corpo de 38% dos peixes analisados.” [4]

    Nesse cenário, os riscos para a saúde humana também já começam a aparecer, tanto na ingestão quanto na inalação de microplásticos.

    “Além de ingerirem microplásticos, há risco para humanos até na inalação das pequenas partículas em grande volume, segundo a professora Thais Mauad, da Faculdade de Medicina da USP. O grupo dela já encontrou microplástico em pulmões humanos. “As principais maneiras de o microplástico entrar no organismo humano são por meio da ingestão ou inalação”, explica.” [4]

    Como vimos, nunca é demais lembrar que não existe poluição mansa, ainda mais se tratndo de plástico. A sua permanência na natureza é secular e as consequências para os seres vivos são catastróficas.

    “Os plásticos levam muito tempo para se decompor, uma vez descartados como resíduos sólidos domésticos. São, em média, 500 anos para a decomposição de sacolas plásticas, 450 anos para fraldas descartáveis, 400 anos para embalagem de bebidas (PET), 150 anos para tampas de garrafas, 50 anos para copos plásticos, 150 anos para isopor (poliestireno expandido ou EPS). Os tipos de plásticos mais encontrados nos resíduos sólidos domiciliares são: PVC, PET, PEAD, PEBD, PP e PS.” [5] 

    “Se sobrevivermos, vamos brigar pelos pedaços de planeta que a gente não comeu, e os nossos netos ou tataranetos – ou os netos de nossos tataranetos – vão poder passear para ver como era a Terra no passado.” (Ailton Krenak)

    Fontes e notas

    [1] Souza, C. R. G.; Hiruma, S. T.; Sallun, A. E. M.; Ribeiro, R. R.; Sobrinho, J. M. A.  “Restinga”: Conceitos e Emprego do Termo no Brasil e Implicações na Legislação Ambiental. São Paulo: Instituto Geológico, 2008. 104p. ISBN: 978-85-87235-04-6. Citações da página 43, quarto parágrafo, sobre a definição de restinga e da página 60, Figura 17, sobre a erosão costeira e riscos.

    [2] “Praia largada”. Trecho da crônica do autor escrita em 18/12/2022, com informações do “Guia de Praias Quatro Rodas”, publicado pela Editora Abril em 1998. Citação da página 85, sobre a situação das praias da Barra Seca e do Perequê Açu. 

    http://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2022/12/praia-largada.html?view=magazine

    [3] “A praia sem coronavírus!”. Trecho da crônica do autor escrita em 14/04/2020 após a temporada do verão de 2020, durante os meses de janeiro e fevereiro, antes da pandemia do coronavírus se espalhar pelo território brasileiro.

    http://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2020/04/a-praia-semcoronavirus-cronica-de.html?view=magazine

    [4] “Peixes e praias de Ubatuba estão contaminados com microplásticos”. Citação de trechos da reportagem de Roberta Jansen e Clara Marques, publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 17/08/2024, sobre a contaminação nas  praias do Perequê Açu e da Barra Seca com microplásticos e seus efeitos na saúde humana. 

    https://www.estadao.com.br/sustentabilidade/peixes-praias-ubatuba-litoral-norte-sao-paulo-microplasticos/ [5] Mansor, M. T. C.; Camarão, T. C. R. C; Capelini, M.; Kovacs, A.; Filet, M.; Santos, G. A.; Silva, A. B. Resíduos Sólidos São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, 2013. 164p. Cadernos de Educação Ambiental. 2ª edição. ISBN: 978-85-86624-69-8. Citação da página 90, último parágrafo, sobre o tempo de decomposição dos plásticos.

    *Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010). 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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