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    Tereza Cruvinel

    Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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    Por que Bolsonaro quer matar logo a EBC

    “O mercado não é bobo, sabe que a EBC, como ativo financeiro, é uma xepa. Seu valor é de outra ordem", diz a jornalista Tereza Cruvinel, que argumenta, porém, que "privatizar ou fechar a EBC só poderá significar, do mero ponto de vista das contas públicas, um aumento de gastos para o governo"

    (Foto: Arquivo/ABr)

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    Por Tereza Cruvinel 

    A Empresa Brasil de Comunicação – EBC, está a um passo de ser privatizada, vendida aos pedaços ou simplesmente extinta. Para mim, sua inclusão, esta semana, no Plano Nacional de Desestatização, atende a um desígnio maligno de Bolsonaro: pressentindo que não será reeleito, ele quer acelerar a destruição do Estado e das instituições democráticas, deixando a terra arrasada para quem vier.

    Vai que Lula volta e patrocina a restauração do sistema de comunicação pública da EBC, que Temer deformou e ele, Bolsonaro, acabou de liquidar, reduzindo-a a aparelho de comunicação governamental, sujeito a censura, desmonte e controle anti-republicano? Afinal, foi ele mesmo quem disse, que não veio para construir, mas para destruir. Juntamente com a EBC, foram incluídos no PND a Eletrobrás e os Correios.

    Há um motivo secundário, que é o de dar satisfação ao mercado e às forças neoliberais, a quem Paulo Guedes prometeu um plano megalômano de privatizações, que arrecadaria R$ 1 trilhão para o governo. Mas o mercado não é bobo, sabe que a EBC, como ativo financeiro, é uma xepa. Seu valor é de outra ordem, está relacionado com a vivência da democracia, explorando canais de radiodifusão pública que ampliem a diversidade e a pluralidade na oferta de conteúdos informativos, educativos e culturais para a população. Para isso ela foi criada, inspirando-se na experiência das melhores democracias, onde a mídia pública convive e complementa as mídias privadas, e também as estatais, que são de outra ordem.

    Bolsonaro, logo que eleito, prometeu acabar com a EBC. Depois mudou de ideia, colocou militares no comando e passou a fazer uso escandaloso dos canais da empresa para fazer proselitismo político e até religioso. Escandalosamente, fundiu a antiga TV Pública, a TV Brasil, com o canal de notícias governamentais NBR. Jacaré com cobra d'água. Agora retomou o plano inicial. Justamente agora quando o segundo mandato vai virando miragem. Então, vamos acabar logo com isso.

    Por seu valor democrático, a ameaça de extinção da EBC interessa a toda a sociedade, não apenas a seus funcionários ou sindicatos e movimentos pró-democratização das comunicações, que estão em permanente vigília e mobilização contra o plano. Na terça-feira houve um tuitaço denunciando o plano de privatização, organizado pela Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, que reúne sindicatos, entidades, movimentos sociais, personalidades e parlamentares ligados ao tema.  Uma carta aberta foi divulgada e está postada no final deste artigo.

    Ela mesma esclarece muitas questões sobre a eventual privatização da EBC, mas vou redundar sobre algumas e acrescentar outras:

    1.  Argumenta o governo que a EBC “dá prejuízo”. Erro conceitual, porque ela não foi criada para dar lucro. Não exerce atividade econômica típica, como uma Petrobrás. Em todo o mundo, o  Estado nacional subsidia a radiodifusão pública, total ou parcialmente, dependendo das receitas próprias que a gestora consiga auferir. Exceção, o sistema BBC, porque recolhe diretamente uma contribuição da população.
    2. Na aprovação da lei de criação da EBC, 11652/2008, já no Congresso e não na MP proposta por Lula, conseguimos construir, sob a coordenação do relator na Câmara, ex-deputado Valter Pinheiro, uma fonte de receita própria que, se estivesse sendo integralmente recolhida e repassada à empresa, garantiria hoje 2/3 de seu gasto anual. Trata-se da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, incidente sobre as empresas de telecomunicações. Parte delas judicializou a questão e até hoje recolhe a contribuição em juízo. Outra parte recolhe ao Tesouro, que usa os recursos para fazer superávit (ou redução do déficit primário), destinando pequena fração do acumulado ao orçamento da EBC.
    3. Vender uma empresa como a EBC é delírio. O BNDES vai agora estudar uma forma de acabar com ela, como agora quer Bolsonaro, vendendo ativos, esquartejando ou simplesmente fechado-a.
    4.  Os canais são concessões da União, não podem ser privatizados. Os equipamentos foram quase totalmente adquiridos na minha gestão como diretora-presidente, correspondente aos primeiros quatro anos da empresa (2007-2011). Hoje estão obsoletos, não sendo atrativos para empresas do setor.
    5. O que o governo parece querer vender é seu rico patrimônio imobiliário, que a EBC herdou da Radiobrás, empresa que incorporou, e que foi muito aquinhoada pelos militares com muitos bens imóveis. Ela possui terrenos em Brasília que muito interessam aos empresários do setor.
    6. Privatizar ou fechar a EBC só poderá significar, do mero ponto de vista das contas públicas, um aumento de gastos para o governo. Empresas privadas terão que ser contratadas para prestar os serviços que hoje são por ela prestados, por um braço que atende ao governo. Quem irá produzir e distribuir a Voz do Brasil? Quem fará a cobertura, com difusão do sinal para outras emissoras,  dos atos oficiais, inclusive nas viagens internacionais dos presidentes? Quem montará as transmissões em cadeia nacional de rádio e televisão? A lista é grande e todos estes serviços, se contratados pelo setor privado, terão custo bem maior que o da manutenção da empresa.

    Este é um debate que precisa furar as bolhas, que interessa a todos os brasileiros empenhados em restaurar e depois aprofundar a democracia brasileira.

    Segue a carta da Frente em Defesa da EBC:

    Carta à sociedade: por que a EBC não deve ser privatizada

    O Ministério das Comunicações anunciou recentemente o envio da Empresa Brasil de Comunicação ao Programa Nacional de Desestatização (PND). A decisão parece ser uma resposta a setores da imprensa ligados ao sistema financeiro, reproduzindo a lógica de dependência dos “mercados” da própria comunicação privada. Embora o movimento ainda envolva estudos sobre possíveis formas de privatização da empresa, foi um passo perigoso rumo à destruição da estatal. Neste sentido, trabalhadores que atuam nos setores da companhia vêm dialogar com a sociedade sobre sua natureza e importância.

    Desde o seu nascimento, em 2007, a TV Brasil e a EBC são alvos de intensas campanhas negativas e, mais recentemente, pela sua privatização. Os argumentos vão desde um suposto déficit que a empresa daria ao governo até o valor gasto com salários e baixa audiência de seus veículos. Os trabalhadores vêm aqui trazer alguns esclarecimentos que esperamos sejam incluídos nas matérias, em geral com somente um lado.

    A EBC foi criada a partir do que manda a Constituição Federal. O Artigo 223 da Carta Magna prevê a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal. A Lei que criou a estatal (11.652, de 2008) regulamenta esta diretriz, criando a empresa. Assim, a EBC não foi um feito de um governo, mas a materialização tardia do que a Constituição já determinava desde sua promulgação, no fim dos anos 1980.

    A comunicação pública não é uma invenção brasileira, mas, ao contrário, é realidade na grande maioria dos países do mundo. Enquanto alguns segmentos buscam atacar a existência deste serviço, outros países com democracias consolidadas (até mesmo de caráter bastante liberal) entendem e estimulam o papel da comunicação pública para atender ao direito à informação dos cidadãos, investir em conteúdos sem apelo comercial e pautar temas de interesse público. É o caso da BBC no Reino Unido, da RTP em Portugal, da NHK no Japão ou da PBS nos Estados Unidos.  

    A EBC não dá “prejuízo” ou “déficit”. Ela é uma empresa pública dependente, e não autossuficiente como Correios ou Banco do Brasil. Embora ela consiga arrecadar recursos com patrocínios e prestação de serviços, suas fontes de financiamento não servem e nunca servirão para torná-la autônoma, já que ela não deve se tornar refém do próprio mercado para garantir ainda mais sua autonomia. Assim como ministérios e universidades não dão “prejuízo”, a EBC (assim como outras estatais dependentes, como Embrapa) também não dá.

    Este modelo de negócio não é inovação da EBC, ele ocorre no mundo inteiro. Só conseguem autonomia financeira empresas custeadas a partir de impostos, como a BBC do Reino Unido ou a RAI na Itália. Não é o caso do Brasil. Ao contrário, a EBC tem uma fonte de receita própria complementar (a Contribuição para o Fomento à Radiodifusão Pública), que, do total arrecadado, só foi reservado R$ 2,8 bilhões em todos os anos de contribuição à EBC, mesmo que quase nada tenha sido repassado à empresa (tanto por uma contenda judicial quanto por falta de vontade política dos governos) (https://sistemas.anatel.gov.br/anexar-api/publico/anexos/download/94048e5652b2272e693e4ca9ce14d485).

    Matérias na imprensa reproduzem o argumento do governo, afirmando que o orçamento de R$ 550 milhões por ano é “muito”. E ressaltam sempre valores gastos com salários. Não se mantém uma empresa que tem duas TVs, oito rádios, duas agências nacionais, produz conteúdo e presta serviços ao governo federal sem recursos. Tampouco se faz comunicação sem pessoas - que devem ser contratadas conforme prevê a legislação, e não fraudando a lei com contratações por pessoa jurídica (PJ). É o que a maioria das empresas de radiodifusão o fazem, como Band, Globo e SBT, o que levou a multas milionárias da Receita Federal e problemas graves na Justiça trabalhista. É de se esperar, naturalmente, que as empresas públicas cumpram, minimamente, a lei.

    Colunistas e o próprio governo reclamam do “desempenho” da EBC e falam em melhoria e “otimização” por conta da audiência. Os veículos da EBC não foram criados para disputar audiência, embora devam buscar sempre esse alcance. A TV Brasil já chegou a ser a 7ª emissora nacional e é a única aberta com programação infantil de fato. Poderia ter avançado em marcas mais efetivas, mas a falta de investimento e prioridade política dificultaram o ganho de visibilidade da empresa.

    Mesmo com a falta de apoio e desmonte recente, a Agência Brasil produz conteúdos gratuitos que abastecem milhares de grandes e pequenos veículos de comunicação. A Radioagência Nacional faz o mesmo com estações de rádio. A Rádio Nacional da Amazônia serve centenas de milhares de ouvintes nos rincões do país. Além disso, a empresa tem caráter educativo, com difusão de programas e reportagens para contribuir com a formação dos cidadãos.

    O questionamento da privatização da EBC vai muito além de seus empregos - embora essa preocupação seja legítima, uma vez que estamos falando de famílias que são sustentadas por esses empregos em um país com mais de 14 milhões de desempregados. Mesmo assim, é necessário restabelecer informações diante de uma campanha de ataque e que esconde a relevância social da empresa. Se é fato que o governo atual vem aparelhando editorialmente e desmontando muitos programas e serviços, a saída não pode ser extinguir ou privatizar, mas sim corrigir os erros e dar a devida estrutura para que a empresa possa, de fato, cumprir sua missão constitucional de fazer comunicação pública.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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