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    Moisés Mendes

    Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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    Por que Newton Cruz morreu impune

    Argentinos, uruguaios e chilenos não se entregaram e mantêm em ações cotidianas e nas ruas a luta por Justiça e pela memória dos que enfrentaram os ditadores

    General Newton Cruz (Foto: Reprodução / Reprodução (Globo))

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    Por Moisés Mendes, para o Jornalistas pela Democracia 

    Todos os ditadores argentinos, desde o golpe de 1976, morreram como prisioneiros, mesmo que eventualmente, por problemas de saúde, estivessem em prisão domiciliar.

    Todos eram idosos. Todos estavam condenados à prisão perpétua. Roberto Viola, Leopoldo Galtieri, Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone morreram, nessa ordem, na condição de autores de crimes imprescritíveis.

    Há hoje na Argentina prisioneiros com idades entre 70 e 99 anos que cumprem penas, a maioria até a morte. São oficiais subalternos ou colaboracionistas civis da ditadura, de 1976 a 1983.

    O mais graduado deles é ex-general Santiago Omar Riveros, comandante do Campo de Mayo, um dos maiores centros de extermínio da ditadura, condenado por mais de 40 crimes, ficou 20 anos de cadeia e está hoje em prisão domiciliar.

    Riveros tem 99 anos e cumpre prisão perpétua. É também o mais velho dos criminosos presos depois da revogação, em 2003, por Nestor Kirchner, de anistias e perdões concedidos por Carlos Menem.  

    A referência à Argentina é a recorrente na América Latina quando o assunto é a punição de responsáveis por crimes de lesa humanidade.

    Com a dedicação do Ministério Público, dos políticos e das instituições, também foram punidos criminosos militares no Chile e no Uruguai. Até o Peru, sempre ameaçado pela extrema direita, puniu e prendeu militares.

    As cadeias do Uruguai, apesar de uma controversa anistia semelhante à brasileira, têm militares presos.

    E os promotores insistem em pedir a condenação de mais gente envolvida com violência, mortes e crueldades durante a ditadura. Porque também lá o perdão de 1986 foi parcialmente revisado no governo de Tabaré Vázquez, em 2005.

    No Brasil, não aconteceu nada que pudesse levar à punição de militares e civis. Em março, morreu impune em Porto Alegre o delegado Pedro Seelig, nunca condenado por sequestros e torturas na ditadura.

    Na sexta-feira, os adoradores de militares violentos choraram a morte do general Newton Cruz, 97 anos, ex-chefe do SNI e acusado de envolvimento no atentado do Riocentro em 1981. Morreu impune. Mesmo que o crime seja  pós-anistia, adotada em 1979.

    Newton Cruz também foi acusado de participação em pelo menos três assassinatos. Mas escapou, porque quase nada é considerado prova suficiente contra assassinos e torturadores.

    E assim eles vão morrendo sem punição e vivendo sem nenhum transtorno, porque aqui as provas não valem nada e as prescrições existem para proteger poderosos, com ou sem farda, incluindo grandes sonegadores adoradores de torturadores. É tranquila a vida de assassinos da ditadura no Brasil.

    O Brasil é cúmplice dos criminosos dos regimes militares por causa das interpretações enviesadas do alcance da anistia e pela leniência de políticos, do Ministério Público e da Justiça.

    Aqui, crimes da ditadura só frequentam a Justiça com alguma chance de êxito em causas cíveis, em que há pedido de reparação de danos, por compensação financeira às famílias dos assassinados. Mas quem paga é o Estado, não o criminoso.

    Temos um exemplo recente. Em setembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), de São Paulo, decidiu que a União deve indenizar a mãe do operário Carlos Roberto Zanirato, um jovem torturado e morto em 1969 na sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na capital paulista.

    A mãe de um brasileiro assassinado por mandaletes dos ditadores vai receber, se é que vai mesmo, R$ 200 mil do governo federal, 52 anos depois do crime. São R$ 3.846 por ano desde a morte do rapaz. R$ 320 por mês.

    Por acaso, o mesmo valor está no pedido de indenização que o ex-juiz Sergio Moro e a mulher dele, Rosangela Moro, encaminharam à Justiça contra a empresária Roberta Moreira Luchsinger. Querem R$ 200 mil.

    Ela é acusada pelo casal de calúnia e injúria por ter apresentado uma notícia-crime ao Ministério Público Eleitoral pedindo investigação sobre possível falsidade ideológica na troca de domicílio eleitoral de Moro e Rosangela de Curitiba para São Paulo.

    No Brasil, um ex-juiz que o Supremo considerou suspeito que se acha injuriado pede na Justiça a mesma indenização que uma mãe deverá receber porque o filho foi torturado e morto pela ditadura. R$ 200 mil são o preço de uma vida ou de uma reparação por calúnia.

    Por isso, não basta ficar indignado a cada morte de um servidor impune dos ditadores. Todos nós, e não só MP, Justiça, políticos e instituições, somos culpados pela impunidade dos criminosos.

    Somos culpados pela inação, pela omissão, pela acomodação, mesmo que tudo isso signifique a mesma coisa e possa ser resumido nessa frase: o Brasil acovardado é culpado pela impunidade dos bandidos da ditadura.

    Argentinos, uruguaios e chilenos não se entregaram e mantêm em ações cotidianas e nas ruas a luta por Justiça e pela memória dos que enfrentaram os ditadores.

    Apesar de dom Paulo Evaristo Arns, da Comissão da Verdade e da abnegação de muitos bravos, todos nós, como país, nos entregamos à resignação.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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