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    Rodrigo Lamore

    Rodrigo Lamore é cantor, músico e compositor. Possui trabalho autoral e atualmente vive de shows voz e violão em barzinhos do Rio de Janeiro. É oriundo da cidade de Guanambi - BA e tem quase trinta anos de carreira musical.

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    Por que o cinema não quer que músicos façam sucesso?

    Essas produções cinematográficas aparentam querer fazer de tudo para tentar associar o labor musical à autodestruição do artista.

    Alguns mais trágicos do que outros, mas todos enfatizando mais os aspectos negativos da vida do protagonista. Foto: Stock Image. (Foto: suteishi)

    Que eu me lembre, apenas dois filmes biográficos de artistas da música, principalmente de bandas de rock, não possuem um final triste, ou com a morte do vocalista, ou com os membros brigando e se dissolvendo. A saber, “Somos Tão Jovens” (2013), que conta a história da Legião Urbana, do início até o primeiro show deles na capital fluminense, e “Bohemian Rhapsody” (2018), sobre a banda britânica Queen, que vai do começo da carreira até o show do Live Aid em 1985. Todos os outros filmes, tanto os ficcionais quanto os baseados em fatos reais, possuem finais que, do ponto de vista de um músico que sonha em fazer sucesso e consequentemente, ficar famoso, são totalmente broxantes, desestimulantes e que podem sim fazê-los desistir dos seus sonhos.

    Filmes como Rock Star (2001), The Wonders (1996), esses ficcionais ou The Dirt (2019), The Doors (1991), The Runaways (2010) esses, filmes biográficos, talvez possam gerar entretenimento e interesse em telespectadores comuns. Nada de diferente dos diversos outros tipos de filmes tristes, melancólicos, de ação, com cenas de violência, perdas, assassinatos, etc. Mas esses mesmos filmes sobre músicos e suas trajetórias, sendo assistidos por pessoas que também são músicos, as reações e sensações geradas são distintas, e é bem possível, que vendo de forma superficial, eles nem causem nada de relevante na mente desses que curtem apreciar um  belo e típico filme sobre a vida dos artistas consagrados, mas a médio e longo prazo, pode vir a acarretar um tipo de aversão ao sucesso, e pode até mesmo, o mais louco sonhador vir a desistir dos seus sonhos de ser um cantor, guitarrista ou qualquer outra coisa na música, bem sucedido, com fama e com prosperidade. A motivação pode dar lugar ao medo. Nem é preciso que esses filmes tenham finais trágicos. Ao longo do enredo a angústia e negatividade já vão tomando conta, ao focarem sempre em aspectos danosos dos personagens, sendo os principais, o uso de drogas e brigas entre familiares e amigos. Essas produções cinematográficas aparentam querer fazer de tudo para tentar associar o labor musical à autodestruição do artista, chegando até o grand finale, que é a morte do protagonista por overdose.

    Nunca me esqueço de quando assisti ao filme biográfico do The Doors, dirigido por Oliver Stone. É muito bom ver os caras iniciando na música, todas as aquelas coisas clássicas que acontecem com as bandas iniciantes amadoras, sejam elas de qual país for, a relação deles com o esoterismo, algo que também aprecio, mas da metade até o final do filme, o sentimento que fica é de frustração, contrariedade, e até receio de ao menos pensar em querer ser um músico, principalmente de ser roqueiro. Toda vez que aparecia uma produção cinematográfica que contava alguma história sobre bandas ou de artistas solo, já era esperado que o enredo seria assim, quase um clichê: a pessoa descobre que gosta de música, procura formar uma banda, compõe canções, faz shows, assina com uma gravadora, faz sucesso, fica rico; e então, entra no mundo das drogas, brigas, violências em geral, separação, dividas, fim da carreira, morte ou suicídio. Imagina isso no inconsciente de quem assiste, em especial de quem almeja ser um músico de sucesso. A constante trajetória para o desastre, e mais ainda, que se apresenta inicialmente como algo promissor, mas que nunca se mantém, fazendo com o que a situação do indivíduo fique pior do que quando era um completo anônimo. O resultado disso é que, mesmo que o artista decida continuar na sua carreira, ele sempre irá seguir até um certo nível, evitando ultrapassar algumas linhas; não porque há limites para o crescimento, evolução, etc, mas sim, porque já está plantada em suas mentes a noção equivocada de que, sucesso é sinônimo de fracasso, obter ganhos pode levar a também obter perdas; e perdas grandes. Já não bastam as dificuldades inerentes à vida profissional dos artistas, os problemas da falta de incentivos financeiros, indisponibilidade de tempo para se dedicar ao trabalho artístico, etc, e ainda serem contaminados com o cinema; assim é impraticável.

    Além das histórias das bandas de rock, tem também os filmes sobre artistas de outros estilos, mas que similarmente seguem essa mesma lógica da tragédia final: I Wanna Dance With Somebody (2022), sobre a vida da cantora Whitney Houston; Tim Maia (2014), sobre a vida do cantor brasileiro de soul/mpb; Elis (2016), sobre a cantora Elis Regina; James Brown (2014), sobre o cantor pioneiro do soul/funk estadunidense. E muitos outros. Alguns mais trágicos do que outros, mas todos enfatizando mais os aspectos negativos da vida do protagonista. Em alguns casos, há relatos de manipulação arbitrária do diretor para fazer com que certos fatos pareçam ser mais extremos do que de fato foi, pelo único intuito de chocar o público e consequentemente, gerar mais marketing orgânico à obra.

    Esse é um dos motivos pela atual infestação de coaches charlatões na internet, pois as pessoas estão tão saturadas de negatividade e apelações para gerar comoção, que qualquer pessoa que surja falando palavras bonitas, motivadoras e reconfortantes, conseguem quase instantaneamente a aprovação e empatia de quem assiste. O fato de termos, como citado acima, filmes em que os personagens principais não morrem no final, como os filmes biográficos das bandas Queen e Legião Urbana (apesar dessas bandas terem acabado por causa das mortes dos vocalistas), já são sinais de que, os profissionais das artes visuais perceberam um certo cansaço nessa fórmula ultrapassada de contar histórias. Mostrar os protagonistas sofrendo e sem perspectiva de vitória podem até gerar as emoções que são tradicionais no cinema, e que são esperadas para que o filme seja bem sucedido, pois emoção é a chave para a conexão; mas fazer isso em excesso pode resultar, a médio e longo prazo, distanciamento e até antagonismo total, e finalmente, prejuízos incalculáveis.  

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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