Por que retiraram a fala do Paulo “Galo” de contexto?
Galo defendeu abertamente que Lula era a única via possível, dentro do campo eleitoral, capaz de vencer Bolsonaro
No último dia 18 de fevereiro aconteceu a reestreia do programa "Boteco Comunista", um programa apresentado por comunicadores marxistas de diferentes vertentes e posicionamentos. Um dos temas centrais da live foi a tão falada chapa Lula-Alckmin, assim como as contrarreformas aprovadas nos governos Temer e Bolsonaro, que aumentaram ainda mais o pauperismo e a miséria da classe trabalhadora. É importante ressaltar que as pluralidades de posições divergentes foram debatidas durante a live com muita camaradagem e solidariedade.
Diante do questionamento acerca do voto nulo, Paulo “Galo” Lima indicou a necessidade de se votar no ex-presidente Lula, ainda que decepcionado com a escolha de Geraldo Alckmin para ser vice-presidente. Este último, fiel defensor da agenda neoliberal e conservadora no Brasil, que diversas vezes adotou políticas anti-povo trabalhador, comemorou a prisão arbitrária/política que Lula sofreu em 2018 e disse que o seu então partido, PSDB, “não era comandado de dentro de um presídio”.
Paulo Galo sinalizava em sua fala a importância de se posicionar contra o bolsonarismo e fundamentalmente superá-lo, também, pelas vias institucionais, nesse sentido, Galo defendeu abertamente que Lula era a única via possível, dentro do campo eleitoral, capaz de vencer o Bolsonaro.
Durante a live, também foram colocadas em pauta questões importantes, como o papel das esquerdas no combate ao personalismo político e na revogação das supracitadas contrarreformas a favor da burguesia aprovadas nos governos Temer e Bolsonaro.
Em sua fala, Galo chega a afirmar que Lula e Mano Brown são hoje as figuras que mais representam e conseguem se conectar com a periferia. Contudo, se a esquerda — e aqui o PT é simbólico — está sendo pressionada [ou domesticada] a aceitar a pressão da classe dominante, antes mesmo das eleições e com chances significativas de uma vitória em primeiro turno, é fundamental que a esquerda tome as ruas para, inclusive, tornar possível que Lula cumpra sua promessa de derrubar as mesmas contrarreformas. Galo critica de maneira direta parte da esquerda que parece temer as ruas. Este mesmo segmento chama de “golpistas’’ até os levantes populares que buscam revogar as contrarreformas e avançar num projeto político mais a esquerda. Foram esses 20 segundos da live de duas horas que foram recortados, distorcidos e compartilhados fora de contexto, com objetivo claro de atacar Paulo “Galo” e por consequência a esquerda radical/revolucionária, que não embarca nas falsas teses despolitizantes do “transformismo” ou “face humana do capitalismo”. O capitalismo é um sistema de assassinato social e violência metódica contra negros, não-brancos, mulheres, LGBTQI+ e afins.
Voltemos à situação em análise. Observemos: Alckmin é oriundo do PSDB, um partido que votou e apoia as mesmas contrarreformas que Lula prometeu atacar. E, é importante notar, Lula não consegue derrubar essas contrarreformas sozinho, sendo que está aceitando, como seu vice, alguém que o atacou diversas vezes, para garantir sua eleição e defender os interesses da classe dominante. Assim, se a imprensa, a direita, ou todos os outros irão fazer pressão no Lula, não seria ainda mais importante a esquerda se mostrar e fazer pressão para o seu lado? Por isso a necessidade, afirmada pelo Galo, de o povo ir às ruas contra as contrarreformas que os prejudicaram tanto, mesmo antes de Lula assumir. Mas que isso continue após a eleição, ainda que chamem o povo nas ruas de golpistas por alguns setores “progressista” e do PT. O facto de Fernando Haddad ter dito que a palavra “golpe era um pouco forte” para descrever derrubada da presidenta Dilma Rousseff não gerou esse tipo de ataque. Será que é porque ele é professor da USP ou trabalha no INSPER?
Aí cabe perguntar, por qual motivo exatamente a fala do Galo foi a escolhida? A fala de um trabalhador, explorado por aplicativos, que precisa sustentar sua família?
Esses ataques são articulados, e parecem organizados contra aqueles que criticam a chapa Lula-Alckmin. Um tipo de silenciamento tacanho, e, ainda mais triste, quando oriundos de pessoas que se dizem de “esquerda”. Afinal, se a esquerda não pode ir às ruas durante o governo Lula, deixaremos as ruas e as exigências apenas à direita? Mais do que isso, por quanto tempo parte da esquerda aceitará compor com quem defendeu o golpe contra Dilma e a prisão arbitrária de Lula? Todavia, essa parte da “esquerda” seguirá criando e compartilhando mentiras e ataques coordenados a militantes revolucionários que, mesmo com divergências, foram às ruas contra o golpe (sim, nós chamamos de golpe), estiveram ajudando nas campanhas e comitês “Lula Livre” e contra as reformas a favor da classe dominante e ainda fizeram campanha por Haddad em 2018. Não foram os golpistas como Geraldo Alckmin ou Reinaldo de Azevedo que fizeram tudo isso, mas nós da esquerda Revolucionária!
Tal confiança nos poderes do presidente Lula esbarra em outro ponto: o Estado liberal-capitalista constituído por três poderes, e teremos, provavelmente, um Congresso maioritariamente conservador e reacionário, financiados pelas mesmas forças que querem a manutenção das contrarreformas que precarizaram o ensino, a saúde, o trabalho, o futuro (previdência) e as outras dimensões da vida da classe trabalhadora. Se o povo trabalhador vai às ruas durante um governo Lula, tal mobilização fortalece próprio Lula e o seu governo, para pressionar a Câmara dos Deputados, o Senado, judiciário e a própria classe dominante. Na história da luta de classes, nós marxistas aprendemos algo, a burguesia só entregou alguns anéis (ganhos para nós trabalhadores/as) quando teve medo de perder a cabeça (Revolução). O afeto político que impera na nossa sociedade é o medo e nós devemos jogá-lo no colo da classe dominante brasileira, por meio do ódio de classe.
Ao atacar os que criticam, e não as próprias críticas (como as falas de Alckmin durante a prisão de Lula), atinge aqueles que estavam ao lado de Lula o tempo todo, sem soltar a mão do presidente e do PT, como no movimento “Vira Voto”, no segundo turno em 2018. E esses ataques são feitos em prol daqueles que jamais fariam algo pelo presidente, ao contrário, se regozijaram com seu sofrimento no cárcere. É preciso ver quem são nossos verdadeiros aliados, caso o golpe de 2016 não tenha demonstrado nitidamente. Por isso é importante esse papel de uma esquerda que não normaliza essa caminhada à direita, que não naturaliza a aliança Lula-Alckmin. Ouvir suas razões é fundamental, ao invés de silenciá-la e até mesmo ameaçar como vimos em alguns posts na internet.
Isso aponta claramente um tipo de mordaça à uma esquerda comunista, uma visão anticomunista oriunda do mais forte macartismo racista-reacionário dos EUA. Mas um anticomunismo que é, em sua essência, contraditório: pois ao criticar e calar aqueles que vão à esquerda do PT, acabam por aceitar em seus meios, como dignos de diálogo, pessoas que cunharam o termo “petralha”, ou que defenderam que jovens negros fossem amarrados e mortos, por suspeita de crime. Essa contradição é difícil de ser compreendida sem essa lógica anticomunista e fratricida. A esquerda moderada/social-liberal (quiçá a social-democrata) precisa, novamente, reavaliar quem são seus aliados.
Nós, da esquerda revolucionária, sempre estivemos lá quando o PT e Lula mais precisaram, enquanto muitos fugiam do PT, assim como o diabo fugia da cruz. Ao nos atacarem e tentarem nos silenciar é mais uma forma de enfraquecer um governo que mal começou e um partido que foi demonizado pela classe dominante e seus aparelhos ideológicos. Sinceramente, há setores do PT que parecem ser imunes à aprendizagem que a história do Brasil nos últimos 30 anos tem nos ensinado.
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