TV 247 logo
    George Torres Barbosa avatar

    George Torres Barbosa

    Advogado concursado da Petrobrás de 1990 a 2021. Foi presidente do Conselho de Administração da Termomacaé Ltda., conselheiro da UEG ARAUCÁRIA e diretor financeiro da Baixada Santista Energia SA. É especialista em direito ambiental e LL.M. em direito corporativo

    8 artigos

    HOME > blog

    Pra não dizer que não falei de flores. Primavera de 2024

    "Hidrogênio verde e expansão fotovoltaica marcam a transição energética no sertão potiguar"

    (Foto: Paulo Emílio)

    A Usina Termoéletrica UTE Jesus Soares Pereira, incluída no PAC, juntamente com a Refinaria Clara Clara Camarão, ambas da Petrobrás e situadas no Rio Grande do Norte, reverenciam personalidades construtoras da nação brasileira. A UTE Jesus Soares Pereira implantou uma usina fotovoltaica, a partir de 2012, cujos aspectos regulatórios, e de financiamento, acompanhei de perto. Sua capacidade de geração de 1,1 MW resultou de virtuosa articulação do Centro de Tecnologias Renováveis do Gás & Energias Renováveis (CTGAS-ER), da Petrobras, com o Laboratório de Eletrônica de Potência e Energias Renováveis do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), apoiados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e, também, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) no que tange às atividades de prospecção solar.

    Naquele engenhoso arranjo institucional, seis estações de captação de dados da energia solar do CTGAS-ER, da Petrobrás, complementavam o Sistema Nacional de Organização de Dados Ambientais (Rede Sonda) do INPE. O CTGAS-ER teve seu laboratório certificado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) para homologar equipamentos que viriam a ser usados na geração fotovoltaica, além de um centro de capacitação e certificação de pessoal para atuar em projetos, montagens, operação e manutenção de sistemas fotovoltaicos. O projeto da Petrobrás foi aprovado na chamada pública da Aneel nº 013/2011 (Arranjos Técnicos e Comerciais para Inserção da Geração Solar Fotovoltaica na Matriz Energética Brasileira).

    Aquela planta tenra que vicejou, a partir de 2012, na aridez do sertão frutifica novamente, neste novembro de 2024, dando lugar a um outro investimento de Pesquisa & Desenvolvimento, consubstanciado numa planta de hidrogênio verde. É dito hidrogênio verde porque usará energia solar da usina fotovoltaica de 2012 para a eletrólise da água, em venturosa sinergia com aquela experiência pioneira no Alto do Rodrigues, àquela época com cerca de 13 mil habitantes. Tive a honra e o privilégio de participar daquela jornada na antiga Diretoria de Gás & Energia da Petrobrás, que há 13 anos atrás já estava aproada no rumo da transição energética justa. A nascente usina de eletrólise terá diferentes modos de operação, variando sua conexão com a malha de distribuição de energia elétrica da UTE Jesus Soares Pereira e o sistema de armazenamento de energia já instalado naquele ativo da Petrobrás.

    A usina fotovoltaica, concebida em 2012 para pesquisa e desenvolvimento, logo teria sua capacidade ampliada de 1,1 MW para 2,5 MW e a usina de hidrogênio verde que agora surge em desdobramento do projeto de 2012 vai gerar energia para usos diversos como, por exemplo, estudos sobre adição do hidrogênio ao gás natural, visando abastecer microturbinas cujo desempenho e integridade estruturais serão testados com essa mistura inovadora. Segundo a Petrobras, a adição do hidrogênio verde ao gás natural em microturbinas tem caráter pioneiro no Brasil. Maurício Tolmasquim, diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, declarou que o projeto é crucial na estratégia de investir em descarbonização, sic: “É o primeiro passo para futuras iniciativas comerciais no segmento de hidrogênio sustentável. A produção de hidrogênio renovável a partir da eletrólise da água utilizando energia solar não apenas reduz a emissão de gases de efeito estufa, como também promove o uso de recursos naturais abundantes e sustentáveis no país”.
    Dependendo do método de produção, o hidrogênio é classificado em 5 categorias: Hidrogênio Preto e Marrom que é  produzido a partir do carvão mineral, altamente poluente pois emite grandes quantidades de carbono e outros gases, acelerando o aquecimento global; Hidrogênio Cinza, oriundo de combustíveis fósseis, como o gás natural que, também, libera altos volumes de carbono na atmosfera; Hidrogênio Azul que é  produzido com gás natural mas tem a maior parte do carbono capturado e armazenado no subsolo, com impacto ambiental bem menor do que o hidrogênio cinza; Hidrogênio Laranja, obtido a partir de biomassa, biocombustível, biogás ou biometano, mas com alguma pegada de carbono; Hidrogênio Verde mediante eletrólise da água, usando fontes renováveis como eólica ou solar para separar a molécula de água (H₂O) em hidrogênio (H₂) e oxigênio (O₂), através da passagem de corrente elétrica numa solução aquosa, sem emissões de carbono.

    O cenário que vislumbro é, deveras, promissor para o Brasil pois o Nordeste é pródigo em geração solar e eólica. Portanto, é o terreno favorável para a geração de hidrogênio verde que poderá, inclusive, ser exportado pois configura uma vantagem competitiva imbatível no cenário mundial. Além disso, resolve o problema da “estocagem de vento” já que as usinas eólicas não geram, sempre, no momento que se quer e as solares também. Porém, não raro, tais usinas não conseguem escoar sua geração, diretamente, para as linhas de transmissão do Sistema Interligado Nacional-SIN pois o afluxo abrupto de energia que não pode ser modulado com a mesma facilidade como acontece nas usinas hidroelétricas e térmicas, tem o risco de até derrubar o Sistema, ou parte dele, causando apagão. Então, para evitar desperdício da energia gerada em tais circunstâncias, o emprego na geração de hidrogênio verde é uma solução óbvia para a “estocagem de vento”. 

    Eólicas são intermitentes pela própria natureza pois se há escassez de vento não gera e, se os ventos são muito fortes, é preciso embandeirar as hélices para que não sejam arrancadas. As usinas solares têm uma limitação menor que é a do período noturno, mas podem sofrer outra limitação que a falta de conexão com as linhas de transmissão do Sistema Interligado Nacional-SIN, o que não impede que toda a sua capacidade de geração seja dedicada à plantas de hidrogênio verde. Outra virtude dessa rota de descarbonização é a geração de emprego e renda em uma região que luta historicamente com a redução das desigualdades sociais. Assim, atenderemos ao comando da constituição cidadã que preconiza o combate às desigualdades regionais e sociais, conforme o artigo 170º, inciso VII, em consonância com artigo 3º, inciso III, da mesma Carta Magna que estabelece tal redução como objetivo da República Federativa do Brasil.

    Uma breve nota de esclarecimento de caráter terminológico: a Petrobrás, durante a era Temer/Bolsonaro retirou os nomes históricos com os quais seus ativos foram batizados nos primeiros governos de Lula pelo, então, diretor de Gás & Energia, Ildo Sauer, que homenageavam grandes vultos da nação, como as UTEs Barbosa Lima Sobrinho, Leonel Brizola, Romulo Almeida, Aureliano Chaves, Euzébio Rocha, Fernando Gasparian, Luís Carlos Prestes, Mário Lago, Sepé Tiarajú, Celso Furtado e a Jesus Soares Pereira, agora denominada Termoéletrica do Vale do Açu. Com os navios, nossos algozes tiveram mais dificuldade devido ao regime de inscrição, no Registro Geral de Imóveis, e, assim, tiveram que continuar com os nomes de navios tais como João Candido, o Almirante Negro eternizado na canção de João Bosco.

    Naqueles primeiros mandatos de Lula, além da geração de energia elétrica, a partir do gás natural, havia um vaporduto, partindo da UTE Jesus Soares Pereira, levando exaustos de vapor da usina para estimular produção de petróleo no mar. O vaporduto já foi desativado, após a privatização de 22 campos de petróleo do Polo Potiguar, junto com a refinaria Clara Camarão, entregue de brinde para a 3R Petroleum de Roberto Castelo Branco, "ex-CEO da Petrobrás", por indicação de Paulo Guedes, ao arrepio do marco regulatório que deveria ser implementado pela ANP. A 3R Petroleum, para onde migraram 14 ex-gestores de topo da Petrobrás na era Bolsonaro, secundando o seu líder Castelo Branco, adotou o nome de Brava, logo após a fusão com a Enauta, também aquinhoada regiamente com aquisição de campos petrolíferos da Petrobrás à preços módicos. Na gestão de Pedro Parente, vendeu-se o campo de Carcará para a norueguesa Statoil, hoje Equinor, tendo o preço do barril de 159 litros, que hoje custa cerca de 419 reais, sido entregue por preço equivalente ao de uma lata de refrigerante. A Enauta era dirigida por Décio Odone, ex-presidente da Petrobrás/Bolívia, e, depois, guindado à diretoria-geral da ANP, como tantos outros beneficiários daquela cornucópia que jorra, continuamente, das portas giratórias, aqui e, também, alhures como denota a expressão inglesa "Revolving Doors" muito conhecida dos estudiosos da propalada governança corporativa.

    Eu atuava, exatamente, na governança corporativa de participações societárias da Petrobrás, nas sociedades proprietárias de ativos em energia, como a UTE Jesus Soares Pereira, no Rio Grande do Norte, e de outras 9 UTEs, movidas a gás natural, o combustível da transição, em diversos estados; na governança da Brasil PCH, que é a holding de 13 pequenas centrais hidroelétricas, já privatizada na bacia das almas como outros 63 ativos que, apesar de vendidos a preço vil, totalizaram 32,3 bilhões de dólares, ou 187,66 bilhões de reais, transformados em dividendos estratosféricos, os maiores do planeta àquela época, em detrimento dos investimentos necessários à perenidade da Petrobrás. 

    A refinaria Landulfo Alves-RLAM, em Mataripe na Bahia, a primeira do Brasil foi vendida na era Bolsonaro ao fundo Mubadala, dos Emirados Árabes, junto com Terminal Marítimo Madre de Deus e seus dutos, por meros 1,65 bilhão de dólares, muito menos da metade do preço estimado pela XP e pelo BTG, cuja avaliação variava de 3,6 a 4 bilhões de dólares e, pasmem, por valor menor do que constava na apólice de seguro da RLAM, sob a falaciosa argumentação de visava promover a concorrência. Além disso, o contrato de venda da RLAM obriga a Petrobrás a indenizar o Fundo Mubadala por quaisquer passivos ambientais que, futuramente, venham a ser constatados na refinaria e no Terminal Marítimo Madre de Deus, o que pode levar a valores indeterminados, superando até mesmo os meros 1,65 bilhão de dólares auferidos com a insólita venda perpetrada por Castelo Branco e seus sequazes.

    Castelo Branco havia feito uma autodenúncia perante o CADE com o fim de compelir a Petrobrás a vender 8 refinarias, a BR Distribuidora, a GASPETRO, a TBG (gasoduto Brasil Bolívia) e duas malhas de gasodutos NTS, no Sudeste, e TAG, no Nordeste, posteriormente alugadas à própria Petrobrás, cujos alugueres já propiciaram o retorno total do investimento aos compradores, a Brookfield e a Engie, em cerca de 3 anos e meio. Felizmente, a gestão de Jean Paul Prates encaminhou a revisão do Termo de Cessação de Conduta firmado perante o CADE, que se originou da inusitada autodenúncia, um dos feitos mais assombrosos da gestão Castelo Branco, durante o governo Bolsonaro que se notabilizou por ter um chefe de RH envolvido em especulação com ações da Petrobrás a partir de informações privilegiadas, além de degradar o plano de saúde dos trabalhadores de uma categoria exposta à insalubridade, riscos operacionais e periculosidade sem paralelo.

    Hoje, a ACELEN, sob controle do fundo Mubadala, vende derivados bem mais caros do que a Petrobrás. Além disso, como passou a deter o controle do Terminal Marítimo Madre de Deus, inviabiliza a chegada de combustíveis fornecidos pela Petrobrás, ou outro fornecedor, a preços mais razoáveis. Uma das primeiras medidas da ACELEN, além do aumento exorbitante dos derivados, foi suspender a oferta de bunker (óleo combustível para navios) e substituir significativamente a produção de GLP, do botijão de gás, por parafinas que destinava a outros mercados pelo Terminal Marítimo Madre de Deus.

    Na gestão de Jean Paul Prates, a área de conformidade da companhia abriu um processo interno contra o coordenador da Frente Única dos Petroleiros – FUP por ele vir cobrando, reiteradamente, uma rigorosa apuração de responsabilidades dos gestores que conduziram essa privatização da RLAM, autêntica benemerência em prol do Fundo Mubadala. Como estou aposentado, desconheço o deslinde desse processo que configura verdadeiro assédio.

    Quando eu estava na ativa, tinha a responsabilidade pela governança do Parque Eólico de Mangue Seco, igualmente localizado no Rio Grande do Norte, cujas 4 sociedades, integrantes do Parque Eólico já foram todas privatizadas. Na UTE Jesus Soares Pereira, lutei por anos contra a voracidade da nossa sócia privada, a Neonergia, em uma exaustiva arbitragem, que tinha o influente escritório de Sérgio Bermudes como advogado da Neonergia.

    Na Termomacaé Ltda, proprietária da UTE Mário Lago  (922 MW de potência, maior do que Angra 1), cujo Conselho de Administração eu presidi por 2 mandatos consecutivos, tivemos que travar uma longa luta contra a texana El Paso, apesar dos meus superiores na estrutura da Petrobrás, procurarem meios e modos de pagar um suposto benefício tributário que a El Paso alegava existir, quando da compra de cem por cento da sociedade pela Petrobrás, por meio do contrato denominado Quota Purchase Agreement, assinado pelos chefes do Jurídico e da área de Novos Negócios da Petrobrás. 

    Por falar em fraudes tributárias, faço uma digressão para lembrar o meu primeiro grande embate na Petrobrás que foi contra o desvio de ICMS na Refinaria de Manaus REMAN, orquestrado pela equipe do governador Gilberto Mestrinho, o mitológico Boto Tucuxi. Ao receber o cheque administrativo da Petrobrás no Banco do Estado do Amazonas-BEA, único credenciado pela Secretária de Fazenda-SEFAZ para receber pagamentos de tributos estaduais, a organização criminosa providenciava o desvio. Um contador da Petrobrás, cooptado pelo esquema criminoso, levava um cheque administrativo de emissão da Petrobrás, no valor Documento de Arrecadação-DAR, a um determinado operador de caixa do BEA, também integrante da quadrilha, que o chancelava com um recibo mecanográfico emitido por uma máquina fraudulenta.  Tal máquina seria explodida pela quadrilha, no pátio de uma delegacia, logo após a apreensão pela Polícia Civil do Amazonas sem que fosse periciada.  O cheque administrativo da Petrobrás, de uma conta do Banco do Brasil, ao ingressar no BEA, era desviado para pagar uma duplicata fria, provinda do Banco Rural no mesmo valor do DAR. A quadrilha com tentáculos no BEA, na SEFAZ, e outras instâncias governamentais, praticava o desvio por anos a fio, quinzenalmente, quando aportava um navio trazendo o óleo Leona da Venezuela, para ser refinado na REMAN. O que os meliantes não esperavam é que eu obtivesse os microfilmes dos cheques administrativos emitidos pela Petrobrás, no Banco do Brasil, responsável por toda a compensação àquela época, e desvendasse a trama. Ajuizei uma responsabilidade civil contra o BEA pois o artigo 58, da Lei do Cheque, estabelece que o cheque nominativo, indicando no verso a finalidade a que se destina o pagamento, consubstancia inequívoca quitação. Então, o superintendente da REMAN, Adilson Soares Reis, passou a dizer que eu estava prejudicando a relação institucional da Petrobrás com o Estado do Amazonas e desencadeou feroz perseguição contra mim. Depois de dois assassinatos, relacionados àquele episódio rocambolesco, o Superintendente do SEJUR, Helio Shigenobu Fujikawa, me resgatou daquele verdadeiro batismo de fogo e vim para a Divisão de Contratos, em 27 de março de 1992, no Rio de Janeiro. 

    Retorno à fraude tributária perpetrada pela El Paso, que encaminhou pedido de compensação à Receita Federal de supostos créditos, jamais homologados, ao ponto de fazer recair sobre o terreno da UTE Mário Lago e suas 22 turbinas, uma espécie de arresto administrativo. A história culminou com a constatação de crime contra a ordem tributária, cometido pelo presidente da El Paso no Brasil, Eduardo Rabelo Karrer, ex-empregado da BR Distribuidora, também privatizada por valor pífio, equivalente ao Copacabana Palace. No embate com meu chefe na Gerência Geral de Participações Societárias, eu defendia a tese de que só após a homologação pela Receita Federal poderíamos fazer o reembolso pleiteado pela El Paso. Meu chefe na estrutura da Petrobrás, Ronaldo Assunção, era o diretor financeiro lá na Termomacaé e, na sua sofreguidão por realizar o pagamento indevido, me lançou a pecha de caloteiro e dizia que eu agia por motivação ideológica. Eu permanecia irredutível, dizendo só ser possível realizar tal pagamento, mediante uma garantia bancária, ou após homologação dos supostos créditos pela Receita Federal. Ao apresentarmos essa proposta da garantia bancária à El Paso, ela se disse ultrajada e ofereceu garantias corporativas, emitidas por ela própria, no melhor estilo “La Garantia Soy Jo” o que dissemos ser inaceitável. Então, a El Paso instaurou arbitragem internacional em Nova York e, na sequência, fui exonerado da gerência de participações societárias mas o diretor de Gás & Energia, Alcides José Santoro, me manteve na presidência do Conselho de Administração da Termomacaé e, também, no Conselho da UEG Araucária, contra reiteradas solicitações de dispensa da minha parte pois o Jurídico, ao qual eu retornara para exercer meu cargo permanente de advogado, objetava minha atuação nos Conselhos e, sobretudo, viagens para ir à reuniões. 

    Um belo dia o Diretor Alcides me chama em seu gabinete, às 7 horas da manhã, quando ele costumava receber fora da pauta, e revela que havíamos vencido a arbitragem contra a El Paso em Nova York, integralmente, com base nos meus exatos argumentos, apesar de haverem intentado uma derradeira manobra para consecução do pagamento indevido. Haviam enviado uma proposta através da antiga contadora da própria El Paso, comprometida com a origem do imbróglio tributário na Termomacaé, cujo ingresso na Petrobrás, sem prestar concurso, juntamente com centenas de ex-empregados da El Paso foi propiciada em flagrante burla ao princípio constitucional constante do artigo 37, inciso II, da Magna Carta. Tal contadora foi à Nova York, às vésperas da decisão arbitral, com o fito de fazer uma derradeira oferta de acordo à El Paso que a rejeitou, prontamente, crendo em um provável êxito na arbitragem. Quando o diretor de Gás & Energia, José Alcides Santoro, me revelou o deslinde favorável, in totum, à Petrobrás depois daquele calvário que me custara a exoneração, junto com outras lutas inglórias, que aqui não descrevi todas, vi que o sacrifício não tinha sido em vão e me emocionei, às lágrimas, porquanto tenhamos mais do que uma relação de emprego com essa empresa emblemática que figura na Carta Testamento de Getúlio Vargas. Somos tangidos pelo sentimento de brasilidade emanado da maior campanha cívica de nossa história que uniu do Clube Militar à UNE, sob a flama do “O PETROLEO É NOSSO”. De lá, haurimos a energia que nos anima a travar o bom combate na defesa da soberania nacional, com desenvolvimento inclusivo e sustentável, devedores que somos do povo brasileiro, o verdadeiro artífice deste formidável constructo social.

    Na UEG Araucária, posteriormente privatizada de cambulhada, na esteira da privatização da própria sócia majoritária, a estatal de eletricidade paranaense, a COPEL, por decisão do governador Ratinho, travamos uma luta épica contra um dos maiores ícones do capitalismo estadunidense. Naquela sociedade, eu fui o mais longevo conselheiro indicado pela Petrobrás e havíamos instaurado arbitragem internacional contra a maior epcista (engenering, procurement and construction) do mundo, a Bechtel Corporation. Aquela arbitragem tinha por objeto definir a responsabilidade por defeito construtivo ocorrido na usina da UEG Araucária. Conseguimos preservar partes da turbina sinistrada no CEPEL da Eletrobrás e fizemos a produção antecipada de prova, com apoio inestimável do corpo técnico da Eletrobrás. Assim, logramos demonstrar aquilo que os estadunidenses nomeiam de “Gross Negligence” perpetrada pela Bechtel.  

    A Gross Negligence enseja indenização por danos emergentes e, também, lucros cessantes, uma condenação algo rara nos EUA. A Bechtel tentou frustrar nosso êxito na arbitragem, levando a questão ao judiciário do estado de Nova York, sob a alegação de prescrição e obteve uma decisão favorável na primeira instância. O Jurídico da Petrobrás era contrário ao recurso da UEG Araucária. Porém, como a COPEL era sócia majoritária naquela sociedade, e ainda estávamos sob a égide do governo Requião, quando da instauração da arbitragem, tínhamos mandato para ir às últimas consequências desde o início do litígio até o deslinde final. Então, fomos à Suprema Corte de Nova York e derrotamos a Bechtel em seu próprio terreno. Minha trajetória de 3 décadas na Petrobrás me ensinou que é sempre uma luta hercúlea ousar defender a Petrobrás de seus algozes e da sua própria tecnoburocracia, não raro capturada, em parte, por stakeholders (grupos de interesse) e shareholders (acionistas). 

    Na década de 90, fui afastado de minhas funções como assessor jurídico no projeto do gasoduto Brasil Bolívia - GASBOL, ao apontar, em parecer de 1992, inúmeras ilegalidades na contratação do CSFB, sem licitação, pela própria Petrobrás, para desenhar a engenharia financeira que só favorecia à Enron; à Shell e à British Gas, a tríade que estava no controle do gás boliviano e, posteriormente, arrematou em leilão de privatização a COMGÁS, distribuidora no estado de São Paulo. O líder do projeto na Petrobrás, Luis Carlos de Lemos Costamilam, foi presidir a British Gas, logo depois de concluir a tarefa. Dezenas de colegas liderados por Costamilam, envolvidos naquela empreitada, tiveram suas carreiras catapultadas, meteoricamente, dentro e fora da Petrobrás, no governo e na iniciativa privada. Eu fui para o corredor da morte, como divulgou o jornalista Chico Otávio no Estado de São Paulo, em matéria de 17 de dezembro de 1993, com a manchete: “CONTRATO SERIA COMO ENTREGAR UM CHEQUE EM BRANCO AO BANCO”. Graças ao meu interesse por direito ambiental, fui resgatado pelo chefe do contencioso, Dagoberto Pinheiro das Chagas, que me levou para o setor de direito marítimo e ambiental, SEJUR/DIVIC/SEMAN, o que pavimentou minha carreira até a TRANSPETRO, aonde atuei como Consultor em Direito Ambiental, de 2003 até meados de 2006, quando o diretor de Gás & Energia, Ildo Sauer, me honrou com o convite para exercer a Gerência de Participações Societárias no segundo semestre de 2006. Buscávamos estar aptos a alcançar o almejado ponto de mutação, como diria Fritjof Capra, do combustível fóssil para a economia descarbonizada, sem sermos extintos e continuando a prover a energia necessária para o Brasil continuar se desenvolvendo. A Petrobrás estava alguns anos à frente de suas congêneres na trilha da transição energética justa. Todo esse ingente esforço de vanguarda seria demolido durante a triste era Temer & Bolsonaro. 

    Mas, tornando ao sertão do Alto do Rodrigues e à UTE Jesus Soares Pereira, justa homenagem ao chefe da equipe econômica de Getúlio Vargas, na qual  pontificaram Ignácio Rangel e Rômulo Almeida, vejo agora florescer essa planta exuberante de hidrogênio verde em venturosa sinergia com a usina fotovoltaica que outrora, modestamente, ajudei a partejar e, por felicidade, os quinta colunas terminaram por esquecer, apesar do seu furor ensandecido na razia e fatiamento da Petrobrás, remanescendo a flor do sertão pela resiliência da semente esquecida " n'algum canto de jardim " em meio a tantos espinhos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: