Primeiro, a justiça. Depois, a pacificação
É um desafio complexo. Mas é necessário promover a justiça, em primeiro lugar, e não usar o discurso da pacificação como leniente para proteger os golpistas
A democracia é um sistema político que busca, entre outros objetivos, garantir os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como a participação e a representatividade de todos na tomada de decisões de interesse coletivo. E, para além desses objetivos liberais, a democracia deveria ser o regime político e institucional que garante a igualdade, não somente formal, mas real, de direitos.
Desde o golpe de 2016, caracterizado por uma coalizão de atores do sistema de justiça, políticos conservadores e reacionários, grupos midiáticos, militares e membros de segmentos das elites nacionais, o Brasil passou a conviver com um ataque frontal ao pacto sociopolítico consolidado na Constituição Federal de 1988.
Inicialmente, no governo Temer, mas notadamente no governo Bolsonaro, o fascismo oculto em vários segmentos sociais emergiu sem pudores e atravessamos um quadriênio de múltiplas violências (e a naturalização dessas violências) institucionalizadas, com a participação nada discreta de líderes religiosos ultraconservadores cristãos, que deram uma redoma ainda mais perversa à necropolítica da extrema-direita, liderada por Bolsonaro.
Não esqueçamos que o bolsonarismo é a face visível do ultraliberalismo econômico, encarnado na figura de Paulo Guedes (o “Chicago-boy” protegido pela mídia empresarial e seus financiadores), associado ao autoritarismo político, militarizado, e em estreita conexão com o reacionarismo fundamentalista religioso de base cristã.
A violência contra a democracia durante o governo Bolsonaro e seus cúmplices e apoiadores redundou em várias tentativas de golpes de Estado, ameaças a eleições livres e justas, repressão aos movimentos sociais, restrições aos direitos fundamentais e a mais grosseira manipulação sociopolítica, utilizando das redes sociais como instrumento de difusão de uma guerra cultural marcada pelos discursos de ódio, manipulação religiosa baseada numa moral reacionária e todo o tipo de notícias falsas.
Passado esse período, retomamos, em bases ainda frágeis, a democracia com a eleição do presidente Lula. Um governo de coalizão que se sustenta, relativamente emparedado, num pacto sociopolítico que não rompe com as bases liberais e conservadoras, impedido de se apresentar como um governo que possa propor reformas estruturais, numa sociedade lastreada na violência, no racismo, na desigualdade, entre outras mazelas. O máximo que se permite ao governo atual: reformas incrementais, negociadas à base de chantagens, “à la Arthur Lira et caterva”.
Uma das questões cruciais neste momento histórico: como o atual governo lidará com os golpistas amoitados nas instituições militares, nos segmentos econômicos e políticos e nos círculos midiáticos, religiosos e noutros setores sociais?
É essencial priorizar a justiça em detrimento a qualquer acordo que acomode os interesses daqueles que, historicamente, não estão comprometidos com uma democracia de direito e de fato. Isso significa que os responsáveis por todos os atos (ações, omissões, convivências) de violência contra a democracia nos últimos anos devem ser identificados, investigados, julgados e punidos de acordo com a lei.
O canto da sereia da pacificação, que surge inclusive em hordas religiosas dos eternos aliados dos golpistas, esconde os interesses mais perversos daqueles que querem costurar uma nova “lei da anistia” para manter o Brasil no rol dos países que não pune os perpetradores da violência contra a democracia e, impunes, seguem conspirando contra a Nação.
A responsabilização, julgamento e punição de conspiradores da democracia não é uma tarefa somente do governo Lula e da sociedade civil progressista. Outras instituições democráticas, como o sistema judiciário, desempenham um papel fundamental nesse processo, assegurando que haja a devida responsabilização e punição para aqueles que atentaram contra os princípios democráticos.
No entanto, é importante ressaltar que a justiça não deve ser utilizada como um meio para perpetuar ou agravar a violência. É fundamental garantir que os processos judiciais sejam conduzidos de maneira imparcial, respeitando os direitos humanos e garantindo o devido processo legal para todas as partes envolvidas.
Após a busca da verdade e a execução da justiça, em primeiro lugar, a pacificação se torna um objetivo importante, mas derivado nesse processo de reconstrução das bases democráticas do país. Isso envolve a criação de um ambiente político e social no qual a confiança e o diálogo possam ser restaurados, permitindo a reconstrução e o fortalecimento das instituições democráticas.
A pacificação também requer medidas para prevenir futuros atos de violência, como a promoção da educação cívica e cidadã, o fortalecimento da sociedade civil, notadamente dos movimentos sociais, e a garantia da participação ampla e inclusiva de todos os cidadãos.
É um desafio complexo. Mas é necessário promover a justiça, em primeiro lugar, e não usar o discurso da pacificação como leniente para proteger os golpistas.
Fortalecer a democracia, assegurando a paz e a harmonia social só é possível com a realização da justiça.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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