Primeiro turno e/ou golpe: entenda
'Os setores democráticos precisam se articular o mais rapidamente possível, apostando todas as fichas no primeiro turno', afirma Robson Sávio Reis Souza
A pouco mais de três meses do pleito, duas tendências parecem se consolidar: (1) a possibilidade de as eleições presidenciais serem decididas no primeiro, com a vitória do ex-presidente Lula e (2) a retomada, ainda mais radical, do discurso golpista de Jair Bolsonaro.
Nas últimas semanas tivemos eventos que mostraram como as margens de manobra de Bolsonaro estão diminuindo, enquanto as eleições se aproximam. Por um lado, o bárbaro assassinato de Bruno e Dom foi relacionado à leniência do governo com o banditismo na Amazônia; os escândalos no MEC mostraram que a corrupção graça no governo e o aparelhamento da Polícia Federal ficou ainda mais evidente, a partir da operação policial contra Milton Ribeiro. Portanto, houve uma chuva de notícias ruins para o presidente. Por outro lado, uma avalanche de publicidade do governo federal inundando todas as mídias (graças à liberação de verba extra, pelo Congresso, para propaganda governamental às vésperas das eleições) e as “bondades” eleitoreiras via favores a variados extratos da população não foram suficientes para reverter a rejeição de Bolsonaro e seu governo. O resultado dessa conjugação de fatores foi um resultado de soma zero para o presidente. Ou seja, mesmo com o bombardeio publicitário pro-governo, os números das pesquisas de intenção de voto mostram que Bolsonaro não consegue ampliar sua “bolha”.
Considerando esse contexto, por que Bolsonaro voltou a agredir a democracia e suas instituições, desesperadamente? Uma das respostas a esta pergunta é reveladora do que foi e é esse necrogoverno: Bolsonaro sabe que a única possibilidade de ter um segundo mandato é por W.O.; ou seja, promovendo um autogolpe. E essa estratégia passa por (1) radicalizar seu discurso moralista – que ao fim e ao cabo é um discurso que furta direitos duramente conquistados por segmentos ditos minoritários da sociedade, mas agrada a chamada “tradicional família cristã” à brasileira e (2) pela suspeição do processo eleitoral, criando condições objetivas para um golpe.
A última pesquisa do Datafolha, divulgada no dia 23/06, mostra um dado relevante: 80% dos eleitores bolsonaristas afirmam que não mudarão o voto. Mas, Bolsonaro sabe que precisa levar as eleições para o segundo turno. Ou seja, necessita garantir algo em torno de 30% dos votos para que a disputa não seja encerrada no primeiro turno. Portanto, radicalizar o discurso para fidelizar o seu eleitor-raiz e alcançar os (eleitores) moralistas passa a ser uma ação fundamental neste momento. Bolsonaro sabe que superar o primeiro turno é estratégico nessa guerra eleitoral que se avizinha.
Considerando o monitoramento de redes sociais da extrema-direita é possível levantar uma das hipóteses da ação de Bolsonaro, seus mentores e seguidores daqui pra frente: já se detectam movimentos de grupos bolsonaristas no sentido de atuarem para que o primeiro turno se transforme num laboratório à produção de um caos eleitoral para inviabilizar o segundo turno. Dois tipos de ataques seriam executados: (1) no mundo virtual e redes sociais, um bombardeio de fakes news, com doses cavalares de moralismo e todo o tipo de desconfiança nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral; divulgando informações falsas sobre o dia das eleições e estimulando os eleitores a (2) num movimento articulado no mundo real promoverem todo tipo de desordem, no dia da eleição, para juntar o máximo de material objetivando impedir a realização do segundo turno. Assim, em 2 de outubro as ações para tumultuar, desacreditar e inviabilizar a continuidade do processo eleitoral poderiam, nos cálculos de bolsonaristas, criar as condições objetivas para o sonhado autogolpe de Bolsonaro.
Mas, por que passar pelo primeiro turno das eleições? Os bolsonaristas sabem que um golpe antes do primeiro turno prejudicaria uma série de aliados do governo de plantão, inclusive a turma do Centrão, que disputam as eleições deste ano. Portanto, para agradar parte de seus aliados, o presidente apostaria no fatiamento do processo eleitoral: separar as eleições para governadores, deputados e senadores, que não seriam questionadas, do pleito presidencial, que seria inviabilizado num segundo turno. Tudo parece muito conspiratório; mas, teses conspiratórias são ingredientes que movimentam as redes da extrema-direita. Algumas dessas teorias esvaem-se no ar; outras, por incrível que possa parecer, acabam se concretizando graças ao convencimento e engajamento de pessoas que são manipuladas por sentimentos, crenças, desejos, medos, ódios que tais teorias despertam (nas pessoas) e que transformam o (mundo) imaginário no real.
Considerando que o TSE resolveu enfrentar frontalmente os movimentos de Bolsonaro e de grupos bolsonaristas contra o processo eleitoral e tem tomado uma série de medidas para garantir as eleições em 2 de outubro, parece que a possível estratégia bolsonarista de tentar invalidar um segundo turno presidencial não deve ser descartada.
É óbvio que se as eleições forem decididas num primeiro turno, toda a artilharia bolsonarista para questionar os resultados das urnas será utilizada. Porém, nesse caso, o cálculo é que a reação internacional, das instituições democráticas brasileiras e até mesmo da população poderia impedir a efetivação de um golpe. Portanto, o interregno do primeiro para o segundo turno, num ambiente de caos e radicalização, seria o tempo adequado para que as milícias bolsonaristas criem as condições para a ruptura democrática.
Se é essa uma das estratégias da extrema-direita para usurpar o poder, um “capitólio à brasileira”, transformando o primeiro turno num laboratório de desordem para impedir o segundo turno, parece que os setores ditos democráticos precisam se articular melhor e o mais rapidamente possível, apostando todas as fichas no primeiro turno eleitoral.
Portanto, para a extrema-direita a ordem é: primeiro turno E golpe; para os setores democráticos: primeiro turno OU golpe.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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