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    Paulo Silveira

    Sócio fundador do Observatório das Adições Bruce K Alexander (www.observatoriodasadcoes.com.br). Membro fundador do movimento "respeito é BOM e eu gosto!" (www.reBOMeg.com.br)

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    Psicoterapia Corporal em Grupo

    A psicoterapia corporal em grupo não é o remédio para todos os males assim como nenhuma outra o é

    IV) Psicoterapia a Dois e Psicoterapia em Grupo

    "Minha reivindicação é a de que, se existe necessidade desse enunciado duplo, há também a de um triplo: a terceira parte da vida de um ser humano, parte que não podemos ignorar, constitui uma área intermediária de experimentação, para a qual contribuem tanto a realidade interna quanto a vida externa. Trata-se de uma área que não é disputada, porque nenhuma reivindicação é feita em seu nome, exceto que ela exista como lugar de repouso para o indivíduo empenhado na perpétua tarefa humana de manter as realidades interna e externa separadas, ainda que inter-relacionadas." ( )

    Com frequência, quando pensamos em psicoterapia, a associamos à prática a dois. Por vários motivos, criou-se uma mítica de que a psicoterapia em grupo seria menos produtiva, por ser superficial.

    Nesse momento especial que estamos saindo da pandemia da COVID 19, dezembro de 2023, e com isso tomando cada vez mais consciência do quanto é FUNDAMENTAL o convívio com o que noscerca, acredito que repensar os nossos processos de autoconhecimento é imprescindível.

    Existem inúmeras técnicas de psicoterapia e, obviamente, cada uma tem seus princípios e metodologias que as distinguem umas das outras, fazendo com que sejam mais eficazes de acordo com as características e os momentos vividos tanto do psicoterapeuta como a dos pacientes (suas origens, sua cultura, sua procura, seu caráter, o momento que é vivido etc).

    Nesse sentido, a psicoterapia corporal em grupo não é o remédio para todos os males assim como nenhuma outra o é.

    O que devemos fazer é observar as potências de cada uma das ferramentas que essas técnicas nos oferecem e escolher aquela que melhor se adequa ao nosso momento.

    Em minha atuação como psicoterapeuta, vivencio junto com meus pacientes resultados estimulantes muito estimulantes, onde mesclamos sessões de terapia em grupo com a dois.

    Para mim, a maior diferença entre essas duas forma de trabalho, era que enquanto na individual o outro é simbólico, na em grupo ele é real, se transformando em símbolos no decorrer do trabalho de acordo com o desenrolar do processo da transferência, mas sempre tendo a possibilidade de ser diferenciado o simbólico do real. É exatamente através desse processo que cada um vai podendo perceber o quanto sua vida está contaminada por símbolos pertinentes a outras vivências de suas vidas, possibilitando assim, se libertarem deles, passando a ter uma vida mais livre e, consequentemente, mais feliz.

    2.  Quanto ao Público

    Conforme coloquei anteriormente, cada caso é um caso, e assim deve ser tratado. Não acredito em fórmulas prontas para se lidar com absolutamente nada, principalmente com o que tem vida própria, como o ser humano. É necessário que se estabeleça a relação, para que possamos compreender o desejo do outro, e, a partir daí, saibamos como melhor ajudá-lo a realizá-lo. Salvo psicóticos em surto, não vejo nenhuma contraindicação para o trabalho em grupo. 

    Seja qual for a idade, opção sexual ou patologia, acredito que o trabalho em grupo tem muito a contribuir, desde que o terapeuta avalie caso a caso e escolha qual o melhor método para o seu paciente naquele momento de suas vidas.

    Tive a oportunidade de acompanhar dois adolescentes, que fizeram terapia individual durante um tempo e depois passaram para grupo. O trabalho, bem administrado pelos terapeutas, foi muito útil para ambos.

    Quanto a mim, realizava esse trabalho com pessoas com as mais diferentes características e o resultado tem sido bastante satisfatório.

    Acho necessário que se inicie o processo terapêutico com a terapia a dois para que se construa o vínculo entre o terapeuta e o paciente e o terapeuta possa conhecer melhor o seu paciente, esperando o momento mais adequado para o ingresso em um grupo. Através desse conhecimento adquirido, o terapeuta poderá escolher o grupo mais adequado para o ingresso dessa pessoa.

    Raros são os que se predispõem a fazer terapia em grupo. Normalmente existe uma resistência enorme. Mas quem consegue ultrapassar os seis primeiros meses da terapia em grupo, têm preferido a ela do que a terapia a dois.

    "A vitória da escola sobre o professor particular é uma história muito antiga e já hoje muito definida. Costumo dizer que até a rainha da Inglaterra manda seus filhos para o colégio. Educação é uma atividade grupal e coletiva. E não vejo por que não se deva pensar assim em termos de psicanálise. Considero que quando uma pessoa me procura, interessada em fazer psicanálise, a questão é: haverá algum motivo para que essa pessoa não possa participar de um grupo psicanalítico? Entendo que algumas pessoas precisam ser "curadas" das dificuldades que porventura tenham, para poderem entrar num grupo. Neste sentido, entrar num grupo torna-se um dos objetivos da análise individual. " ( )

    3.  Consciência: Teoria e Prática

    Na  psicoterapia a dois o paciente adquiri consciência a seu respeito. A questão está, em como administrar essa consciência adquirida. 

    Frequentemente, tenho recebido pacientes capazes de discursar horas seguidas a seu respeito, dando todas as explicações "corretas" do porquê de suas dificuldades. São phd de si mesmos, mas infelizes.

    Discordo de quem pensa que uma vez que tenhamos compreendido algo, o passo seguinte é a sua realização. Não é por se conhecer a teoria de como andar de bicicleta, que podemos subir em uma e sair pedalando. É necessário que exista uma etapa intermediária onde possamos aprender a realizar. 

    Muitos argumentam que o espaço psicoterapêutico teria como finalidade exclusiva o de conscientizar o indivíduo. Concordo que essa é a finalidade, mas não a única. De que vale a consciência (caminhar com a ciência, com a sabedoria) se não é possível exercê-la? 

    E será que existe uma sabedoria de fato que não se precise da própria vida para apreendê-la? 

    "Amar só se aprende amando." Nos chama atenção nosso poeta Carlos Drumond de Andrade( ).

    A prática do convívio em grupos, que era tão comum aos nossos antepassados, se tornou distante no nosso dia a dia. Essa ausência nos trouxe a solidão e a dificuldade em estabelecermos limites quando estamos em grupo, seja para nós mesmos, seja para terceiros, contribuindo para o conflito entre desejo e medo, resultando na criação de neuroses, o que irá dificultar ainda mais a vivência do prazer. 

    A possibilidade de fazermos psicoterapia em grupo, nos permite resgatar o convívio tribal, da horda, nos levando com isso para mais perto de nossa realidade da vida. Nesse tipo de terapia, na medida em que o indivíduo vai conquistando consciência a seu respeito, ele vai também podendo praticá-la.

      Não é necessário nada além do fato de estarmos em grupo para que essa prática ocorra. Quando estamos em grupo, estamos nos expondo durante todo tempo, até mesmo com o nosso silêncio, para pessoas que não têm outro compromisso conosco que não o psicoterapêutico, o que as permite expressar-se livremente.

    4. A VIVÊNCIA TERAPÊUTICA

    Enquanto na terapia individual o material a ser trabalhado são vivências externas a terapia, salvo as decorrente do processo de transferência com o terapeuta, na terapia em grupo temos a possibilidade de trabalhar vivencias decorrentes da relação com o restante do grupo. Não estou nem me referindo a transferência, do que trataremos mais tarde. Falo de situações vivenciais e comportamentais mesmo.

    Numa terapia em grupo fica fácil percebermos como procedemos quando estamos tristes, ou alegres, ou com raiva, ou nos sentindo fracos, ou seja, podemos nos perceber em diferentes situações de vida, uma vez que no grupo cria-se uma microssociedade.

    Um exemplo clássico foi o de um homem com quarenta anos, divorciado, pai de uma adolescente, com dois metros de altura e bastante forte, com mãos grandes e fortes também, embora extremamente doce e carinhoso. Sua queixa era que as mulheres não suportavam seus carinhos.

    Durante o nosso trabalho individual pude perceber que o seu contato com seu corpo era mínimo, a ponto de se definir como um homem grande, porém fraco! Devido a sua rigidez corporal, para fazer massagens nele, tinha que usar meus pés e dependendo da região de seu corpo, era necessário fazer muita força com meus calcanhares. Cada vez que tentava alertá-lo para a questão do seu contato corporal, ele reagia violentamente falando a seguinte frase: "Lá vem você com o psicologes".

    Depois de algum tempo de trabalho individual, ele se interessou em participar de um grupo. Logo, em uma das suas primeiras sessões em grupo, uma mulher que estava sentada ao seu lado começou a chorar compulsivamente e ele, na tentativa de consolá-la, começou a fazer "carinho" com a mão em uma das pernas da mulher, repetindo a seguinte frase: "Não chora, não." De repente a mulher fez um gesto brusco com a perna, mudando-a de posição e olhando para ele, perguntou-lhe com uma enorme agressividade: "Porque você está me batendo." Antes que qualquer um pudesse esboçar uma reação, ela levantou suas saias e mostrou a placa vermelha que existia no lugar onde estava sendo feito o suposto carinho. O espanto do homem foi tanto que ele ficou petrificado por uns instantes. A partir daquele dia pudemos nos aprofundar a respeito da falta de contato corporal, pois a questão da aceitação de seu carinho ficou "resolvida".

    5.   OS "CO-TERAPEUTAS"

    Existe uma forte tendência dos integrantes do grupo quererem atuar, eventualmente, como psicoterapeutas dos outros integrantes. Essa atuação pode ser motivada pelo lícito desejo de ajudar ao outro, ou por uma questão de disputa de poder ou para poder se esconder, ou mesmo uma mistura de mais de um desses fatores. É preciso saber diferenciar cada uma delas.

    Antes de mais nada, é importante que todos no grupo tenham a consciência que estão ali para atender a uma necessidade deles próprios e, portanto, o compromisso principal de cada um deles é se cuidar. 

    Até por não acreditar, não levo em consideração o fato de alguém querer fazer algo visando somente o bem-estar alheio, sem ter nenhum interesse no que acontece. Assim, sempre que acontecia uma atitude de alguém em prol do outro que merecesse destaque, eu retornava, ao final de tudo, ao agente realizador e trabalhava com ele como tinha se sentido, o que havia conquistado naquela vivência, etc.

    Essa foi uma das maneiras que encontrei para denunciar a questão dos “co-terapeutas”, destinando a essa característica da terapia em grupo um espaço condizente com a sua importância momentânea.

    Uma outra questão importante nesse tipo de atuação é que na maioria das vezes, essa ação é feita ou na transferência ou na identificação entre os participantes dos grupos. 

    Caso o psicoterapeuta fique atento, observará o surgimento de um enorme material a ser trabalhado. Costumo resumir essas situações com um provérbio: 

    "A gente ensina melhor aquilo que mais quer aprender."

    É necessário, que no momento em que o psicoterapeuta for apontar e trabalhar essa situação transferencial, o faça com o maior cuidado. Primeiro para não invalidar o que foi dito e vivido, pois embora exista a transferência, não foi dito nem vivido à toa. Segundo, porque essa troca de experiências é riquíssima, e se não se tiver muito cuidado, pode-se inibi-la. Terceiro, para que o psicoterapeuta não fique na posição de "eu sei e o resto do grupo não sabe". Lembrem-se que esse é um espaço psicoterapêutico e os conceitos de "certo e errado" são o que menos importam!

    Com muito cuidado e no momento certo poderemos resgatar essa passagem, trazendo à tona um material riquíssimo para ser trabalhado. Muitas vezes já me utilizei do recurso do psicodrama, onde inverto a situação dos pacientes em relação a vivência anterior ou solicito a dois outros integrantes para ocuparem os respectivos lugares.

    Essas situações têm possibilitado belos trabalhos, especialmente um dos mais bonitos que vivenciei.

    Em um grupo formado por atores de teatro, onde haviam dois homens e duas mulheres, sendo todos eles com idades em torno dos trinta anos, bonitos fisicamente, muito inteligentes e criativos. 

    Durante o processo terapêutico, os integrantes do grupo foram percebendo que expressavam suas emoções, de uma forma dissimulada, através de seus personagens, quando estavam trabalhando. Resolveram fazer a experiência inversa, ou seja, a de montar os personagens a partir de suas vivências reais.

    A cada situação ali experimentada, trabalhávamo-la em pequenos psicodramas. A partir daí o processo ficou extremamente rico, com todos no grupo de surpreendendo com suas próprias descobertas.

    Esse trabalho foi tão forte, que dali surgiram uma peça de teatro encenada em espaço público, a construção de uma proposta de trabalho teatral (depois premiada em um festival) e um work shop com outros pacientes meus, onde dois integrantes desse grupo atuaram como coterapeutas, intencionalmente.

    Esse work shop aconteceu em um fim de semana e só não se repetiu porque os meus “coterapeutas” perceberam que não queriam atuar como psicoterapeutas. 

    6.  O SOFRIMENTO ALHEIO

    A permanente exposição do paciente no grupo, nos traz uma questão séria e que não tem solução. É o fato de um paciente ver outro paciente sendo trabalhado e, muitas vezes, tendo como decorrência a exposição de um sofrimento. Isso cria uma série de fantasias nos outros participantes do grupo, o que só contribue para aumentar o medo em prosseguir com o seu processo terapêutico ou, algumas vezes, o trabalho em grupo.

    Realmente, é imensamente desagradável para qualquer um ver o outro sofrer, principalmente, quando é possível se transportar para o lugar de quem está sofrendo e não se pode fazer nada além de observar. Se para mim já é muito desagradável, para outro integrante do grupo, então, nem se fala. Posso afirmar que uma das maiores dificuldades que encontro em participar de um grupo terapêutico como paciente, é exatamente essa.

    Em vista disso, quando eu via que algum integrante de um grupo tinha uma demanda por uma atenção mais especial, e que o motivo que o mobilizava não dizia respeito, diretamente, a uma vivência no grupo, marcávamos uma sessão individual, onde podíamos aprofundar a questão com mais intimidade, propriedade e liberdade. É lógico que na maioria das vezes isso não era possível e os momentos dessas vivências mais intensas tinham que ser vividos coletivamente. De qualquer maneira, eu procurava sempre trabalhar o que tinha eclodido, com os outros pacientes, de tal maneira que todos tivessem um ganho.

    Por fim, algo que pude observar, é que quando se trata de terapia em grupo, na medida que o processo avança, os outros integrantes do grupo vão se familiarizando com a situação e o aspecto desagradável dessas vivências vai se dissolvendo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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