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    Juca Simonard

    Jornalista, tradutor e professor de francês. Trabalhou como redator e editor do Diário Causa Operária entre 2018 e 2019. Auxiliar na edição de revistas, panfletos e jornais impressos do PCO, e também do jornal A Luta Contra o Golpe (tabloide unificado dos comitês pela liberdade de Lula e pelo Fora Bolsonaro).

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    PSOL e Boulos fizeram frente com a direita golpista e contra o PT - parte 2

    Do "não vai ter copa" à luta contra medidas do governo Dilma em plena época do impeachment, Boulos atrapalhou - e muito - a luta contra o golpe

    Manifestação contra a copa de 2014 (Foto: BOSCO MARTÍN)

    (O PSOL respondeu a esse artigo. Leia aqui)

    *Por Juca Simonard

    Essa é a segunda parte de artigo publicado anteriormente. O artigo procura explicar como a candidatura de Boulos para a prefeitura de São Paulo, que - como foi demonstrado na coluna passada - foi elogiada pela imprensa golpista, representa um atraso na luta contra a direita golpista e busca conter a polarização. 

    Neste artigo, buscando fazer uma retrospectiva da luta política no Brasil, mostro em alguns pontos porque o PSOL é uma ferramenta ideal para tal manobra, que, do ponto de vista eleitoral, irá favorecer o PSDB na Prefeitura de São Paulo e, do ponto de vista político, irá prejudicar a luta contra a direita.

    PSOL e Boulos fizeram frente com a burguesia golpista e contra o PT

    Vale entrar em alguns dos pontos da luta política geral que explicam por que a burguesia se utiliza do PSOL para esta manobra. Além do fato de ser um partido com parlamentares, o que o torna um elemento importante dentro da esquerda institucional, há também o fato de que, nos últimos anos, com o aprofundamento da crise política, o partido aliou-se diversas vezes com o golpismo.

    Desta forma, vale relembrar alguns casos de alianças do partido, de Boulos e de Erundina com a direita, ressaltando que, até 2016, Erundina ainda era deputada federal pelo PSB, e Boulos só tornaria a entrar no partido em 2017. Por isso, é importante mostrar tanto a trajetória dos dois integrantes da chapa, quanto do partido pelo qual irão concorrer.

    Como se sabe, uma frente política e a colaboração de classes devem ser entendidas para além das eleições. Durante anos, o PSOL criticou a política de conciliação de classes do PT, mas essa crítica se mostrou demagógica e oportunista uma vez que o partido repetiu as mesmas coisas, em menores ou maiores expressões. Poderíamos fazer uma retrospectiva histórica do partido e lembrar que, por exemplo, a candidata à Presidência do partido em 2006, a alagoana Heloísa Helena, organizava passeatas contra o aborto e pesquisas científicas com células-tronco embrionárias.

    Notícia da Folha de S. Paulo, de 2006, lembra que a senadora afirmava ter aprendido a ser “socialista” na Bíblia e lembra que ela votou, com o PSDB e o DEM (na época, PFL, partido da ditadura militar), contra “quase todos os principais projetos do governo Lula”, como “a Lei de Biossegurança, que autorizou a pesquisa com células-tronco de embriões. Ela também foi contra o Prouni, que dá bolsas a alunos carentes em faculdades, e a Lei de Falências”.

    "Para mim, cientificamente e espiritualmente, o embrião é uma vida", destacou Heloísa na época. Que ainda se colocou abertamente contra o aborto, uma reivindicação histórica das mulheres:

    "Não há nada mais primitivo do que o aborto, principalmente quando se tem em vista a alta tecnologia que já se desenvolveu no que diz respeito a anticoncepcionais. Causa-me espanto ver apresentarem a curetagem de uma vida como algo inovador e como panacéia para resolver os males da saúde pública feminina", disse na ocasião.

    Esse é apenas um exemplo de como pode-se estar em frente com a direita sem ter formalizado tal aliança. Nesse caso, não há dúvida de que a ex-parlamentar do PSOL, que só saiu em 2013, estava em uma frente política não apenas com a direita tradicional, mas com a extrema-direita que hoje sustenta o bolsonarismo. Ela, que foi uma das fundadoras do PSOL, e que em seguida ajudou a criar, junto com a liderança golpista Marina Silva, o partido REDE.

    Também, vale ressaltar que, em 2012, o candidato do PSOL à Presidência nas eleições de 2010, Plínio de Arruda Sampaio, disse que preferia José Serra, do PSDB, ao petista Fernando Haddad nas eleições municipais. Ele argumentava que PT e PSDB eram iguais, mas que "o importante agora é derrotar o Haddad porque ele é incompetente e porque sua vitória fortalece o Lula e a turma do mensalão", disse no Twitter."O Haddad é incompetente. É só ver o estrago que foi esse Enem", afirmou à Folha – que sempre deu destaque a essas figuras “esquerdistas”. "Acho péssimo ele estar na frente. Imagina o Lula se ele vencer”, ressaltou. "O Serra tem seus problemas. Tem um gênio difícil, é meio direitoso, mas é um homem competente”, concluiu. Neste caso, também, percebe-se a defesa da direita por parte de uma figura importante do partido, que adentrou na legenda logo após ele ter sido fundado.

    Vários outros exemplos, como Marcelo Freixo, Chico Alencar e Luciana Genro, que defenderam a Lava Jato, poderiam ser citados. Porém, cabe aqui adentrar, primeiramente no histórico político dos integrantes da chapa.

    Apenas para mencionar um processo importante antes do aparecimento da figura de Boulos como personagem importante da política nacional. Quem não se lembra, o processo golpista começou em 2012 e 2013, não pelo o que originalmente eram os atos de rua contra o aumento da passagem, mas pelo que veio antes, durante e depois. 

    Em 2012, a direita dá um passo à frente contra o PT com a prisão de José Dirceu, na farsa do Mensalão – início da operação golpista com o pretexto de “luta contra a corrupção”. É possível que, naquela época, a prisão de um dos principais articuladores políticos do PT fosse uma tentativa de derrotar o partido do ponto de vista eleitoral recolocando os tucanos na Presidência da República e no controle de cidade de São Paulo. Mas o ponto primordial é que a direita avançava para tomar o poder na marra.

    Em 2013, a crise do regime político, que já aparecia a partir das diversas ocupações estudantis que ocorreram nos anos anteriores na USP, aprofunda-se no sentido de diversas mobilizações contra os governos estaduais e o aumento das passagens. Primeiramente, do PSDB em São Paulo, e em seguida contra o PSDB em Minas Gerais e o MDB no Rio de Janeiro – inclusive atingindo o PT, com Fernando Haddad na capital paulista.

    As manifestações cresceram e, claramente, o regime político entrou em crise. A radicalização e o impasse político do Brasil começam neste período, com manifestações legítimas do povo e dos estudantes. Estando o regime em crise, a burguesia precisou manobrar para acabar com as mobilizações que só cresciam - proporcionalmente com que crescia a repressão policial.

    Em cerca de alguns dias, as mobilizações tomam conta do País, não só com a esquerda nas ruas, como a direita – com muitos policiais infiltrados pelo governo paulista, como muitos denunciam. Estava marcado o início do estrangulamento das manifestações e, por meio disso, aprofunda-se o processo golpista contra o governo federal do PT, que nada tinha a ver com o aumento das passagens e não era o foco dos atos. 

    É deste momento, com a mobilização de militantes de extrema-direita e de policiais infiltrados, que começam a aparecer as bandeiras do Brasil, a política “sem partido” e de “abaixar as bandeiras” de esquerda e de sindicatos, e, como num toque de mágica, desaparece a repressão policial, estando os militantes da esquerda sendo reprimidos pelos “manifestantes” infiltrados. A operação para acabar com os atos era e ainda é clara.

    Também é aí que começa a aparecer a pauta “anticorrupção” contra o governo Dilma e em defesa da rejeição da PEC 37 no Congresso, que limitava alguns poderes dos procuradores brasileiros – os mesmos que seriam a linha de frente do processo de perseguição política e judicial ao PT. 

    Resumindo, as manifestações contra o aumento da passagem tornaram-se, por meio de uma manobra calculada da burguesia, “contra a corrupção” (na verdade, em defesa dos poderes arbitrários dos procuradores golpistas), em “defesa do Brasil, contra partidos” etc. A semente do bolsonarismo. Junto com a direita, um dos principais apoiadores da rejeição desta PEC foi o PSOL, que sempre buscou se adaptar ao discurso “contra a corrupção” pautado pela direita. E o PT, que havia elaborado a proposta, acabou votando contra também por estar acuado.

    E aí vamos para 2014, que é quando aparece o personagem Boulos na situação política, principalmente da campanha “não vai ter copa”, que fazia coro com a direita tucana ao pedir “hospitais e escolas padrões FIFA”, como se, caso não houvesse a copa, os governantes usariam este dinheiro investido em estádios para hospitais e escolas. Algo totalmente maluco. Quer dizer, um país não poderia realizar eventos porque tem problemas nos serviços públicos.

    Ao contrário do que disse Boulos em entrevista no 247, o ponto central da campanha não era denunciar a política de especulação imobiliária ou algo do tipo, mas a tentativa pelo impedimento da Copa do Mundo de 2014 - uma campanha política, apoiada pela imprensa golpista e o PSDB, contra Dilma e para favorecer Aécio Neves nas eleições que ocorreriam no final do ano.

    nao-vai-ter-copa

    Para denunciar os males que apareceram não tinha porque tentar impedir o evento que ocorreu no País do futebol. Por exemplo, o PCO denunciou em seus jornais a política contra os trabalhadores oriunda de preparativos para a copa, mas mesmo assim não entrou na campanha “não vai ter copa”, pois na realidade, ter copa ou não, não mudaria o caso de que trabalhadores morrem na fila do SUS ou que as escolas públicas estão sucateadas.

    A campanha teve apoio da direita pois prejudicava Dilma. O candidato à Presidência do PSDB, Aécio Neves, afirmou na época que o “não vai ter copa é legítimo”. Segundo ele, o País teria "muitas alegrias" em campo na Copa do Mundo, mas muitas poucas alegrias" fora dos estádios. 

    Com esse apoio, Boulos começa a ter voz na imprensa de direita, tornando-se colunista da Folha de S. Paulo em junho de 2014. Não digo que o movimento “não vai ter copa” foi organizado pela direita. Não consigo afirmar isso, até porque uma parte da direita reprimiu os “excessos” das manifestações. Porém, por outro lado, é fato que a campanha de Boulos foi repetida por políticos de direita e apoiada pelo monopólio da imprensa.

    Em 2015, quando o governo Dilma havia derrotado Aécio nas eleições e assumia seu segundo mandato, inicia-se uma campanha ferrenha “contra a corrupção” para atingir o PT - o desenvolvimento do que os direitistas haviam feito no Mensalão. Boulos, ao invés de denunciar a farsa contra o governo, o golpe e a perseguição, escreveu uma coluna intitulada “Corruptos e Corruptores”, na Folha, onde dá ares de esquerda (contra o financiamento privado dos políticos) para a propaganda da imprensa, afirmando que:

    “Vamos dar nome aos bois. De acordo com a reportagem do UOL, a Camargo Correa, líder no financiamento eleitoral em 2010, é investigada por desvios de R$29 milhões na Refinaria de Abreu e Lima. Nesta mesma obra, a Galvão Engenharia é investigada pela bagatela de R$70 milhões. A Andrade Gutierrez, vice-líder em 2010, é alvo do TCU por superfaturamento de R$86 milhões na Arena Amazônia, além de ser investigada pela participação no cartel fraudulento das licitações do metrô de São Paulo. A JBS Friboi, maior frigorífico do mundo, é objeto de inquérito por fraude em precatórios que pode chegar a R$3,5 bilhões”.

    Essas denúncias eram feitas justamente para atingir o PT, que estava totalmente acuado. E, apesar de Boulos reconhecer no artigo, o crescimento da direita fascista, coloca como proposta ao problema da corrupção, pautas que, naquele momento, só favoreceriam a direita, como a “reforma política” e a constituinte - ou seja, a mudança do regime política em um momento em que a esquerda estava totalmente desmobilizada, em situações desfavoráveis.

    Em seguida, os setores da vanguarda denunciavam o golpe contra o PT e chamavam o povo a ir às ruas e procuravam esclarecer que as políticas direitistas do governo federal, como o ajuste fiscal com o banqueiro da Fazenda, Joaquim Levy, e a Lei Antiterrorismo era justamente resultado da pressão da direita sobre o governo. A vanguarda reforçou que o mais importante era mobilizar os trabalhadores contra os golpistas para inclusive barrar essas políticas, colocando a direita contra parede e, portanto, enfraquecendo os ministro impostos pela direita no governo.

    Enquanto isso, Boulos destacava a necessidade de lutar contra os ajustes de Dilma e Levy. Isto é, ao invés de fazer a campanha pela mobilização contra o golpe, criticava o governo petista. Inclusive, em coluna dedicada a atacar o governo do PSDB em São Paulo, que estava fechando escolas, o colunista da Folha aproveita para fazer a campanha:

    “É a versão paulista e tucana do ajuste fiscal que tem sido conduzido por Dilma e Levy no governo federal”, afirmou.

    Como diversas colunas foram escritas neste período, não dá para fazer um detalhamento de toda a política de Boulos naquele momento, mas uma coisa fica muito clara: ele mentiu ao afirmar que esteve – e o PSOL também – desde o primeiro momento na luta contra o golpe. Sobre o PSOL, voltaremos mais adiante. 

    No caso dele, no momento em que a esquerda havia se unificado na Frente Brasil Popular (PT, PCO, PCdoB, MST, CUT etc.) para mobilizar contra a direita coxinha e fascista, Boulos criou a Frente Povo Sem Medo para – como ele mesmo dizia – denunciar o ajuste fiscal do governo Dilma. Quando decide “apoiar” a luta contra o impeachment, ele decide chamar atos de rua... isolados dos atos chamados pela Frente unificada, em uma política pequeno-burguesa e sectária. Desta forma, Boulos não só não apoiou “desde o início” – como disse – a luta contra o impeachment, como inclusive atrapalhou e muito.

    Pode-se dizer que, com a política centrista de não denunciar o golpe, de adentrar na campanha "contra a corrupção", Boulos ajudou a pavimentar o caminho para a extrema-direita no Brasil. É como se os bolcheviques, ao invés, de terem impedido o golpe de Kornilov contra o governo provisório, adotassem uma política no meio termo. O resultado seria que Kornilov teria dado o golpe e a Revolução Russa teria sido derrotada.

    *Como se trata de uma discussão ampla, este artigo será divido em partes com o intuito de demonstrar como a candidatura do Boulos, conscientemente ou não (por parte da chapa), é um instrumento da burguesia para conter a polarização e a luta de classes após o golpe de Estado e, também, para garantir a vitória eleitoral do PSDB na capital paulista. 

    A primeira parte tratou sobre a comemoração da imprensa golpista em torno de sua candidatura. A segunda, sendo esta, mostra algumas frentes do PSOL e de Boulos (até a luta contra o golpe) com a burguesia golpista. Em seguida, procurarei demonstrar as ligações de Erundina com a burguesia e de Boulos na política por alianças com a direita; explicar o caráter pequeno-burguês da candidatura; mostrar como ela será usada para favorecer a manobra da burguesia para isolar o PT; e, finalmente, apontar porque a candidatura não favorece em nada a luta contra a direita golpista e o desenvolvimento independente da luta dos trabalhadores.

    Leia a parte 1.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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