PT, resistirmos: “A que será que se destina” (Caetano Veloso)?
"Penso que perdemos ou estamos a perder o papel de partido educador", escreve Donizete Nogueira
Realizar as eleições para as direções do PT em maio de 2025 pode levar o partido a fazer mais do mesmo e não mudar a maneira de se relacionar com as massas, continuando no caminho que tem nos afastado da interlocução com elas.
Penso que perdemos ou estamos a perder o papel de partido educador/educando, lição que nos ensinou o mestre Paulo Freire. Isso é grave. O fato se torna mais grave ainda porque não está surgindo outra ferramenta de luta que possa substituir o papel que o PT tem cumprido há mais de quatro décadas.
É certo que precisamos considerar que sobrevivemos a um tsunami contínuo que principiou com a Ação Penal 470, há 20 anos, numa onda persecutória que cresceu em volume e violência com a chamada Lava Jato. O processo chegou ao ápice com a prisão arbitrária de Lula e o golpe contra a presidenta Dilma Roussef. Isso, sem contar a caçada implacável a dirigentes importantes como José Dirceu, Zé Genuíno, Delúbio Soares e João Vaccari, entre outros.
Esse tsunami, começou a ser quebrado com as denúncias da Vaza Jato, que podemos dizer que foi um movimento do acaso, e finalmente se quebrou na praia com a eleição de Lula em 2022, para um terceiro mandato. Mas ainda não nos hidratamos o suficiente para nos curar da ressaca, pois um tsunami deixa muitos estragos e entulhos, que precisam ser concertados e retirados. Isso exige muito esforço, pois são grandes as dificuldades, e me parece que ainda não encontramos o jeito correto de lidar com a situação.
Comprimido pela agenda eleitoral da burguesia, estamos nos tornando um partido meramente eleitoreiro, que não percebe direito os movimentos reais da sociedade, como as cruciais mudanças no mundo do trabalho, muitas vezes reverberadas, mas não consideradas. Essas mudanças fizeram com que surgissem novas categorias, com as quais não dialogamos ou mantemos diálogo precário.
Houve também mudanças no movimento popular, tão vigoroso no passado, que deixou, entre outros legados, a construção do SUS e esse vigoroso programa de moradia, o Minha Casa, Minha Vida, enterrado pelo governo passado e ressuscitado pelo governo Lula.
Posso até estar enganado, mas me parece que quem está tomando decisões no PT está dessintonizado da base e, talvez até de maneira inconsciente, promovendo o isolamento da militância que vive um intenso processo de enfrentamento no dia a dia. Penso que a preparação do Processo de Eleições Diretas-PED, demanda um tempo primoroso para sua preparação, um tempo maior ainda para a sua execução.
Insistir em realizar o processo das eleições internas do Partido antes de setembro do ano que vem é não considerar que estas eleições internas são as mais importantes dos últimos 20 anos, dado o caráter que - imagino - deve ter o processo: reformulador das táticas, definidor de novas bandeiras para embalar novos sonhos, responder a novos anseios e encantar de novo as pessoas.
Táticas, que venham dar conta da execução da nossa estratégia de ser como ensinou Paulo Freire: um partido educador/educando, que aprende com as massas e que junto com elas promove as mudanças necessária para a superação das desigualdades sociais e a construção de um país democrático, prospero, solidário, inclusivo e seguro.
Ou seja, não podemos realizar apenas mais um PED. Precisamos — e considero o momento propício — recuperar o nosso papel de educador/educando com as massas. Por isso, entendo que o próximo PED não pode ser apenas mais um PED. Ele tem que ser o PED, porque não podemos, apenas, eleger mais uma Direção. Precisamos eleger a DIREÇÂO.
Uma Direção que seja capaz de manter e ampliar a nossa atuação institucional. Mas, muito além disso, precisamos de uma nova Direção com capacidade muito mais de ouvir do que falar, uma Direção capaz de recuperar o papel de Partido militante, ensinando e aprendendo com as massas. Que, agora, decorridos mais de 40 anos, não têm o mesmo perfil. Uma Direção, que articule a reenergização e ampliação da nossa militância.
Nos últimos quatro pleitos eleitorais não obtivemos os resultados projetados por alguns e esperados por outros. Findados esses processos, a tendência é de nos envolvermos numa luta intestina, que tem se revelado inglória. Ou seja, nos perdemos nas disputas entre nós, o que não permite que encontremos o modus operandi correto para disputar a sociedade.
O PT é uma experiência extraordinária na aplicação de políticas públicas sintonizadas com as necessidades da população. Mas acredito que ao longo da nossa história fomos consumidos pela intensidade da agenda eleitoral. Tivemos muitas vitórias eleitorais, e isso fez com que nos acomodássemos e ficássemos nos espelhando em nós mesmos. Como dirigentes não percebemos as mudanças que estavam ou estão ocorrendo no seio da sociedade brasileira. Talvez tenhamos que dizer que, em nosso comodismo, ignoramos essas mudanças.
Por isso, penso que não podemos cometer os mesmos erros dos processos de eleições anteriores, como no último, que improvisou uma eleição congressual para a Direção Nacional. Antes de definirmos quando será o PED, precisamos responder, honestamente, se queremos fazer mais do mesmo. Ou, se queremos realmente promover as mudanças necessárias, para darmos conta dos novos desafios que estão postos.
Vamos esperar até as próximas eleições para nos encontrarmos, novamente, com centenas de milhares de apoiadora(e)s que marcham conosco nas eleições? Ou, pior, vamos esperar aumentar o risco de perdermos a nossa democracia?
Por isso, me parece que os estão defendendo as eleições internas com tanta celeridade não estão considerando que precisamos desenvolver ações inclusivas para milhares de pessoas que estiveram militando conosco nestas eleições. Precisamos desenvolver um processo de inclusão de novos filiados, mas que não passe apenas pelo preenchimento de um formulário em nosso site ou pela busca de novos filiados a fim de melhorar a posição de nossas tendências internas na disputa.
Penso que, neste momento, o PT devia desenvolver três ações preparativas antes de iniciar o próximo PED. A primeira é realizar plenárias de acolhimento e apresentação do nosso partido. A segunda é realizar audiências ou plenárias abertas para ouvirmos pelo menos parte desses milhares de mulheres e homens que se aproximam de nós nas eleições ou em momentos de ameaças, como foi no golpe contra a presidenta Dilma e nas eleições de 2018, quando milhões de pessoas, mesmo discordando do PT, abraçaram a candidatura a presidente de Fernando Haddad. O terceiro ponto é, a partir dessa escuta ampliada, elaborar um documento que possa expressar tudo que ouvirmos como críticas e sugestões e colocá-lo à disposição de todo o Partido.
Milhares de pessoas que vêm e estão sempre conosco nos enfrentamentos e na defesa da democracia, como os que estiveram conosco nestas eleições, precisam ser ouvidas, pelo menos uma parte delas, já que é impossível ouvir todo mundo. Mas é irracional que nos relacionemos com elas durante as eleições e depois todo mundo volte para casa. E nós, cruzamos os braços, não vamos procurá-los e só os reencontraremos nas próximas eleições? O ponto aqui é que nos contentamos em fazer a discussão sobre os rumos do partido, apenas, com o que podemos chamar de Estado Petista e ignoramos a Sociedade Petista.
Do meu ponto de vista, os nossos métodos de falar de nós para nós mesmos não está dando certo. Por isso, acredito que devemos realizar as ações que estou propondo, de novembro a fevereiro, sem ainda estarmos no calor da disputa pelo comando do Partido. Alguns vão dizer que já estamos em pleno processo em torno do PED. Eu, porém, entendo que nossa Direção e próprio presidente Lula deviam dar um basta nessa pelada, já que está na moda a metáfora do futebol, exigindo que cada um dos extremos coloque a sua bola de ressentimos e interesses no saco. Vamos todos pensar mais no Partido que precisamos, a partir dos esforços de todos.
Também é preciso ser considerado que acabamos de sair de uma eleição pesada, estamos submetidos a um cansaço físico, financeiro e, às vezes, até emocional. E todos nós sabemos que as nossas disputas internas tendem a se tornar muito tensas. Por isso, defendo que o processo das eleições internas seja iniciado em março. Realizar as eleições internas às pressas foge da racionalidade e da responsabilidade que o momento exige de nós. Não podemos fazer as coisas atabalhoadamente.
O que estou propondo é uma ampliação de apenas mais três meses, se considerarmos o mês de maio, como se tem ouvido, que podem fazer toda a diferença. Três meses em que os principais dirigentes vão viajar por todo país realizando plenárias abertas a filiados e a não filiados. Plenárias partidárias e não plenárias dessa ou daquela corrente. Com isso, ouviremos as pessoas, mais do que falaremos. Creio que, com isso, ao final desse ciclo de plenárias auditivas teremos um partido mais ampliado e aquecido. E até mais qualificado para promover as mudanças necessárias e a requalificação do partido para os novos desafios que estão postos na atual conjuntura, muito diferentes dos de outros tempos.
Tenho ouvido muitos alardearem que a extrema direita cresceu muito porque dominou as redes sociais. Em parte, esta é uma afirmação correta, mas os extremistas da direita não fizeram só isso. Eles fizeram — e estão fazendo — muito daquilo que fazíamos e não estamos mais fazendo. Na verdade, os extremistas de direita têm feito a disputa de classes, mas não nos moldes em que fazíamos.
Atualmente, é comum, entre nós, dizer que não usamos bem as redes sociais. Pode até ser, mas o nosso principal problema não é esse. Se fosse seria fácil de resolver. Muitos de nós temos abraçado essa justificativa de que por não usarmos bem a redes sociais temos alcançado resultados aquém do planejado ou esperado. O que eu não concordo. Pois, quando dizemos isso cometemos dois erros.
No primeiro erro ignoramos que resistimos, bem, a tudo que estivemos submetidos nos últimos 20 anos. O segundo erro é que atribuímos nossas deficiências às redes sociais e ignoramos o nosso principal problema. Certamente, precisamos ampliar e melhorar a nossa participação nas redes sociais, mas só isso não basta, por mais que possamos ampliar a comunicação por esses meios. As redes sociais não serão suficientes para ampliar a nossa interlocução com o povo.
Precisamos ter à mão alguns recursos metodológicos, que alguns vão dizer que são analógicos, para encontrarmos os caminhos que possam ampliar o nosso contato direto com as massas. O que estou dizendo é que a nossa missa tem de ser rezada de corpo presente, com olho no olho e aperto de mãos em um diálogo de mão dupla em que ouvimos e falamos.
Por fim, considero o momento propício para recuperar o nosso papel de educador/educando com as massas. Por isso, repito que não podemos realizar mais um Processo de Eleições Diretas- PED. Temos de realizar O PED, como foi o 5º Encontro Nacional, que promoveu a primeira reforma em nosso partido. Como precisamos eleger uma Direção como a de 1995. E não se trata aqui de especular se esta ou aquela foi melhor ou pior. Trata-se de considerar que as circunstâncias atuais levem a uma Direção que possa planejar de longo prazo e inovar nos procedimentos. Inovar nos procedimentos mantendo-se fiel às opções programáticas de nossa origem.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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