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    Maurici de Morais

    Deputado estadual (PT-SP)

    7 artigos

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    Qualidade da educação e desigualdade tributária

    Como fica a distribuição do ICMS paulista a partir de incentivo educacional

    Escola estadual da região de Presidente Prudente (SP) (Foto: Aquiles Lins)

    Por Deputado Estadual Maurici e
    Deputado Estadual Paulo Fiorilo

    O desempenho escolar de crianças e adolescentes brasileiros no ensino fundamental aponta um quadro preocupante que, se não for revertido, irá perpetuar a baixa produtividade econômica e as mazelas sociais do país, além de impossibilitar o pleno desenvolvimento cultural e profissional das novas gerações.

    Esta situação, que vem de longa data, foi agravada pelo hiato educacional decorrente da pandemia. Durante dois anos, foram excluídos do sistema milhões de alunos que não tinham acesso a meios virtuais de ensino à distância ou acompanhamento das escolas públicas. O percentual de crianças brasileiras de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever saltou de 25% para 40%, entre 2019 e 2021 – sendo de 29% para 47% entre as crianças pretas, e de 33% para 51% entre as mais pobres, no mesmo período, de acordo levantamento da ONG Todos pela Educação.

    Nos anos escolares seguintes, o declínio também é evidente: avaliação do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), entre alunos paulistas do 5º e 9º ano do ensino fundamental, indica uma defasagem de dois anos no aprendizado. Ou seja, quem cursou o 5º ano apresentou proficiência que seria adequada para o 3º; aqueles que concluíram o 9º ano tinham conhecimentos compatíveis com o 7º.

    Em São Paulo, estado mais rico do país, recente inspeção do Tribunal de Contas em 400 escolas estaduais e municipais constatou o sucateamento da infraestrutura: mais de um terço com falhas de manutenção (goteiras, infiltrações, rachaduras); um terço das salas de aula com problemas (carteiras, lousas e vidros quebrados); dois terços dos banheiros inadequados (falta de portas, de tampas nos vasos sanitários, de sabão, de papel higiênico); 70% dos veículos de transporte escolar em situação irregular; 85% das unidades sem o Auto de Vistoria dos Bombeiros.

    O “novo” Fundeb

    Para enfrentar este quadro de decrescente qualidade do ensino, o Congresso Nacional aprovou, em 2020, a Emenda Constitucional 108, que tornou permanente o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) – uma das principais fontes de financiamento da educação no país, que terminaria no final daquele ano. 

    O novo Fundeb amplia os recursos destinados pela União e tenta deixar mais equitativa e abrangente sua distribuição, por exemplo, garantindo que estados e municípios mais pobres recebam maiores repasses do fundo, reduzindo a desigualdade. Também prevê aplicação de verbas específicas para a educação infantil (creche e pré-escola), valoriza ainda mais os profissionais da educação e amplia a participação da sociedade, por meio da reformulação dos conselhos de acompanhamento.

    A emenda também pede que os estados aprovem ou atualizem, até 26 de agosto de 2022 – ou seja, hoje –, suas leis para repasse da cota-parte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aos municípios, considerando critérios que aumentem a equidade da distribuição e incentivem e “premiem” a melhoria nos resultados de aprendizagem.

    Constitucionalmente, os municípios têm direito a 25% do total do ICMS arrecadado pelo estado, que deve seguir certas diretrizes para definir quanto cada um deles deve receber. A norma vigente até 2020 determinava que pelo menos três quartos (75%) deste montante fossem distribuídos na mesma proporção do chamado “valor adicionado” (circulação de mercadorias e prestações de serviços no território do município); e o restante conforme dispuser a lei estadual.

    Esta regra acaba concentrando os recursos nas cidades com maior atividade econômica, principalmente industrial – ou seja, mas ricas e, em geral, menos populosas. A distorção é tanta que Francisco Morato, na região metropolitana de São Paulo, recebe um valor per capita cerca de 60 vezes menor que o de Paulínia, na região de Campinas.

    Já a nova norma permite diminuir o montante proporcional às operações fiscais e impõe um repasse vinculado à melhoria da educação: o critério de valor adicionado cai para um mínimo de 65% (em vez de 75%) e o restante (até 35%) vai de acordo com a legislação estadual – que deve considerar pelo menos 10% para ser repartido com base em indicadores de qualidade do ensino em cada município.

    O Ceará é um dos estados com experiência exitosa neste sentido, iniciada há 15 anos. Lá, 18% dos recursos já são distribuídos de acordo com um critério educacional, e vimos a elevação da proficiência média dos alunos em vários pontos nas provas de avaliação. O método foi implantado paulatinamente, em diálogo com as prefeituras e acompanhado por programas de apoio aos municípios.

    O ICMS em São Paulo

    Neste contexto, o Estado de São Paulo se vê diante de uma oportunidade ímpar para melhorar a qualidade da educação. Mas, infelizmente, o governo não está aproveitando. 

    Atualmente, para rateio dos 25% do ICMS, a legislação paulista determina que 13% sejam distribuídos proporcionalmente à população de cada município – o que ameniza a tendência concentradora do “valor adicionado” – e 5% de acordo com a receita própria de cada prefeitura – o que, por outro lado, beneficia os municípios mais ricos. Já 5% contemplam critérios de área cultivada (3%), reservatórios (0,5%), áreas protegidas (0,5%), vegetação nativa (0,5%) e gestão de resíduos sólidos (0,5%); e os últimos 2% vão para um rateio igual entre todos os municípios, independente de porte. 

    Mas o Projeto de Lei que o governador acaba de enviar para votação na Assembleia Legislativa foi feito à toque de caixa, às vésperas do final do prazo constitucional, e sem qualquer consulta ou participação da comunidade, de educadores e dos municípios. Ao contrário da esperada redução da desigualdade, ele só concentra ainda mais os recursos nos municípios ricos. Quem recebe mais, vai receber ainda mais; quem recebe menos, vai receber muito menos.

    O projeto, de fato, destina 18% do ICMS para incentivar a melhoria da qualidade da educação. O problema é como este montante foi formado: reduzindo em apenas cinco pontos percentuais (de 75% para 70%) o valor adicionado, mas suprimindo os 13% calculados equitativamente de acordo com a população – um dos critérios mais justos. Com isso, as cidades com alta densidade populacional e as periferias, já desprovidas de equipamentos públicos e infraestrutura, serão ainda mais prejudicadas, quadro que é agravado naquelas com poucas indústrias ou sem atividade econômica significativa em seu território.

    Os critérios educacionais utilizados também acabam perpetuando a desigualdade. O novo projeto estadual atribui peso principal (80%), aos índices obtidos nas provas de avaliação, considerando também evolução escolar, taxas de abandono e reprovação. A tendência, obviamente, é um melhor desempenho dos alunos de regiões mais ricas, que já têm melhores redes de ensino -- e obterão ainda mais dinheiro, em detrimento das cidades que mais precisam.

    Embora ponderada por critérios socioeconômicos dos estudantes, a proposta revela uma visão reduzida do que é qualidade da educação, pois ignora dimensões importantes como a necessidade de melhoria da infraestrutura escolar, de ampliação da educação infantil, de redução de desigualdades raciais e de gênero entre os estudantes, e de valorização dos profissionais da educação.

    Cidades “dormitório” da Grande São Paulo, mais pobres e populosas (como Francisco Morato, Rio Grande da Serra, Carapicuíba, Franco da Rocha, Ferraz de Vasconcelos, Embu-Guaçu, Itaquaquecetuba, Poá e Itapecerica da Serra) serão muito prejudicadas pela revisão proposta pelo governo, de extinguir, ao longo dos anos, o democrático critério populacional, enquanto mantém aqueles concentradores de recurso nas áreas mais ricas. 

    Vale lembrar que estes são municípios que já ostentam os menores índices per capita na distribuição da cota-parte do ICMS paulista, e terão a situação agravada. Abrigam, ainda, populações em situação de vulnerabilidade e estão entre os piores colocados em rankings de desempenho de proficiência em avaliações de Língua Portuguesa e Matemática, como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Assim, é pouco provável que sejam beneficiados por um critério que premia o desempenho em provas.

    Acreditamos que o Estado de São Paulo deveria aprovar uma proposta efetivamente capaz de reduzir as desigualdades sociais e educacionais nos municípios paulistas, em toda a sua potencialidade. Qualidade da educação só pode ser assim entendida se for para todos e todas, e não apenas para alguns.

    Na semana passada, inclusive, realizamos na Alesp um seminário sobre o ICMS na educação, que pode ser assistido na íntegra abaixo:

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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