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    William Robson Cordeiro

    Jornalista, músico e Professor. Doutor em Jornalismo pela UFSC e mestre em Estudos da Mídia (UFRN)

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    Quando a imagem jornalística recorre ao fake

    "A mentira dos tempos modernos chega empacotada como jornalismo", escreve William Robson Cordeiro em crítica à imagem de capa da Folha

    (Foto: Reprodução)

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    Boa parte dos meus colegas, pesquisadores em jornalismo, tem uma ideia fortemente trabalhada sobre as ditas fake news. Considerando a Teoria do Jornalismo, a notícia é um conceito que pressupõe protocolo rigoroso de apuração, reportagem, checagem, entrevistas, análise e reflexão. Tal protocolo ascende determinado acontecimento ao status de notícia, portanto, a digressão se faz necessária para se alcançar o melhor possível da suposta objetividade.

    Se a notícia nasce debaixo deste processo jamais poderá ser considerada fake. Fake news, assim, é um oximoro. Não encontra guarida semântica na relação entre notícia e mentira. Em sendo mentira, não é notícia. Em sendo notícia, considerado o protocolo citado, não pode ser fake.

    A notícia, enquanto conceito, espraia-se por todos os seus gêneros jornalísticos. O procedimento de apuração no fotojornalismo, ao retratar a objetividade mais próxima possível, se repete. O repórter-fotográfico deve extrair de seu equipamento e de sua destreza imagens que descortinem a realidade e ofereçam para o público tal cenário. O fotojornalismo é a janela por onde a audiência recorre em busca de informações. E a reportagem, por óbvio, tem este caráter.

    Assim como os infográficos nos anos 80, a Folha de S. Paulo tem se deslumbrado recentemente com uso desmedido da técnica de edição chamada de “múltipla exposição”. São capturas de imagens diversas que, através de softwares específicos, se sobrepõem entre si gerando outra artificialmente criada. Não deixa de ser uma ferramenta importante para a prática diária da atividade jornalística, sobretudo, quando há propósitos artísticos, como na montagem de reportagens para cadernos culturais ou esportivos; ou para ilustrar matérias especiais cuja natureza pode impor liberdade estética.

    No entanto, a Folha distorce o uso do recurso e, embora explique na legenda sobre a utilização deste método, sua finalidade atinge fortemente o papel do fotojornalismo. A sobreposição transgride a realidade da vida cotidiana para gerar ambientes discursivos dissonantes desta realidade. 

    No sábado (14), a Folha usou o recurso na primeira página em uma confusa imagem da ministra Marina Silva, cuja foto se mistura com a de uma floresta. Nesta quinta-feira (19), “a múltipla exposição” gerou um cenário de ficção que tenta repetir registros do passado que geraram reflexões politicas (como a do Estadão, quando uma espada atravessa a presidenta Dilma, por exemplo) e discurso sem, nestes casos, distorcerem o ambiente. A imagem publicada na Folha não tem nada disso. O registro da repórter-fotográfica Gabriela Biló, simula o presidente Lula diante de uma vidraça com estilhaço de tiro que mira o seu coração.

    A polêmica se instalou, a partir da análise semiótica, desta imagem realisticamente criada, embora este cenário não tenha, de fato, ocorrido. Muitos achavam que se tratava de obra de arte fotográfica. Outros, de promoção do discurso de ódio para assassinar o presidente ou gerar maior entrevero ideológico. O certo é que haviam claras intencionalidades na montagem, ligadas à cultura beligerante que nos acometeu nos últimos anos.

    O recurso, como citado, é importante e tende a ampliar as possibilidades do trabalho jornalístico. Porém, sua utilização deve ser escrutinada sob princípios éticos, a fim de que a percepção da audiência compreenda, de imediato, que está diante de montagem, não da realidade. A Folha não levantou tal reflexão, impondo uma imagem controversa,  criada a partir da imaginação de quem a projetou.

    Tais quais as “fake news” (!?), a mentira dos tempos modernos chega empacotada como jornalismo, com título, linha fina, foto, texto e legenda. Ganha disseminação rápida porque sua estrutura traz, desonestamente, a estética que construiu a credibilidade jornalística. 

    O fotojornalismo também abriga confiabilidade do público, que crê que tem a perspectiva do cotidiano a partir da imagem. Quando a imagem é deliberadamente montada para criar outro ambiente, a informação é distorcida e alterada, mas oferecida como jornalismo. Assim, não cumpre o protocolo conceitual da notícia. Passa, então, a ser fake.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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