Quando a vida imita a arte e o direito à cidade em Curitiba
O caso Maria Juracy-Plaenge remete, imediatamente, para o filme do premiado cineasta Kleber Mendonça Filho : “Aquarius”
A vida, muitas vezes, imita a arte. Foi o caso da psicóloga aposentada Maria Juracy Aires, 70 anos, que faleceu na quarta-feira (28), em Curitiba. Ela protagonizou uma batalha épica contra a construtora Plaenge, que adquiriu a maioria dos apartamentos do Condomínio João Gualberto, situado no bairro Cabral. Um prédio construído em 1960 para os funcionários do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC) e inaugurado pelo então presidente Juscelino Kubitschek.
A aposentada Maria Juracy não cedeu aos intentos da Plaenge e decidiu continuar na posse do seu imóvel. Ela travou uma luta incansável, sofrendo todo tipo de pressões, disputa judicial, atos de vandalismo. Porém, não cedeu, resistiu.
O projeto da construtora Plaenge, tudo indica, é demolir o prédio, localizado em área valorizada de Curitiba, e erguer um novo empreendimento imobiliário no local. Maria Juracy levou a sua disposição de combate até o fim, representada juridicamente pelo advogado Bruno Meirinho.
A situação que viveu Maria Juracy foi real, concreta, enfrentando o poder de uma articulada empresa imobiliária, com um arsenal de contatos poderosos, recursos e manobras, como a disputa judicial acerca das despesas de condomínio –, que a construtora se negou a pagar.
A vida imita a arte
O caso Maria Juracy-Plaenge remete, imediatamente, para o filme do premiado cineasta Kleber Mendonça Filho : “Aquarius” (2016), onde a atriz Sonia Braga interpreta uma jornalista aposentada que resistiu ao assédio de uma construtora e decidiu permanecer em seu apartamento.
Na trama, o plano da construtora é demolir o edifício Aquarius e no lugar edificar um empreendimento imobiliário de alto padrão. Ou seja, qualquer semelhança com a vida real, nesse caso, não é mera coincidência. É mais uma manifestação da força da grana que “ergue e destrói coisas belas”, sonhos, memórias de uma vida, vivências…
No seu apartamento, Maria Juracy atravessou as diversas fases do ciclo da vida de sua família: o crescimento dos filhos, as festas de aniversários, a memória coletiva do lar, os objetos de estimação e valor afetivo, as peraltices de seu neto.
Pelo Direito à Cidade
O episódio do Condomínio João Gualberto é revelador da dura disputa econômica e comercial em torno do uso do solo, pelo controle de áreas e terrenos e do processo crescente de gentrificação de bairros, como o São Francisco, Rebouças, Alto da XV, Juvevê e de áreas da região central de Curitiba.
Grupos econômicos que atuam no setor imobiliário traçam estratégias continuadas de ocupação da cidade, pressionando, ao mesmo tempo, o poder público para garantir leis favoráveis aos projetos de expansão dos negócios imobiliários.
O combate à especulação imobiliária exige uma nova visão no comando político e administrativo da cidade, que priorize o direito à moradia digna, a prevalência do critério da utilização social dos terrenos e edificações sem uso, uma forte política pública de titulação e legalização de áreas ocupadas e o uso de instrumentos efetivos para conter a voracidade do capital.
Curitiba tem atualmente cerca de 400 áreas de ocupação e um déficit habitacional de 100 mil moradias — a angustiante “fila da Cohab” — o que é um exemplo da negação do Direito à Cidade para milhares de famílias trabalhadoras e da classe média curitibana.
Portanto, trata-se de uma decisão política enfrentar o poderio das construtoras e incorporadoras imobiliárias. Neste ano de eleições municipais, a pauta do Direito à Cidade é essencial para abrir novas alamedas de inclusão, solidariedade e modernidade social em Curitiba.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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