Quando vamos discutir a economia solidária como uma possibilidade real para enfrentar o desemprego?
É exatamente em um momento de "uberização" e "rappização" da economia que acredito que o debate deveria cada vez mais voltar-se à economia solidária, como uma forma viável de arranjo trabalhista.
Os dados mais recentes do IBGE com relação ao desemprego, dispostos na Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílio (PNAD), são tenebrosos: [1]
- Taxa de desocupação - 11,9%
- Taxa combinada de desocupação e força de trabalho potencial - 18,1%
- Taxa composta de subutilização da força de trabalho - 24,1%
- Percentual de pessoas desalentadas na população na força de trabalho potencial - 59,8%
- Aumento de 338 mil pessoas no último trimestre(3,4%) no trabalho informal privado, atingindo um total de 11.838 mil pessoas.
- O Brasil já conta com 26% de sua força de trabalho na informalidade, trabalhando por conta própria. [2]
Os resultados parecem encontrar significado direto nos pacotes de maldades iniciados no governo Temer, com a Reforma Trabalhista e continuando no governo Bolsonaro com a extinção do Ministério do Trabalho (transformando-o em secretaria), com a aprovação da Reforma da Previdência, que levou à bancarrota o Pacto Civilizatório e dificultou substancialmente o acesso à aposentadoria daqueles mais pobres.
Em meio a este cenário é preciso de uma reflexão profunda, inclusive pondo em xeque a própria estrutura de trabalho, que aparentemente já não é suficiente para promover um nível adequado de emprego (veja que nem disse pleno emprego). E é exatamente em um momento de "uberização" e "rappização" da economia que acredito que o debate deveria cada vez mais voltar-se à economia solidária, como uma forma viável de arranjo trabalhista.
Àqueles que o termo pode ser uma novidade, Laville e Gaiger (2009, p.14), definem que o termo Economia Solidária (ES) é utilizado para conceituar ideias que “giram ao redor da ideia de solidariedade, em contraste com o individualismo utilitarista que caracteriza o comportamento econômico predominante nas sociedades de mercado”. E é o Prof Paul Singer (2003) que traz à tona algumas das várias formas de empresas da ES: associações voluntárias e clubes de trabalhadores que, guiados pelas premissas solidárias, praticam a autogestão, com participação democrática de todos os membros, sendo que estes têm direito a voto, divisão da receita líquida entre os cooperados, além de promover a posse dos meios de produção por aqueles que os usam para produzir, ou seja, a extinção do papel do gestor/patrão.
Assumir a economia solidária enquanto uma política, enquanto um novo arranjo de trabalho, com novas relações interpessoais, parece gerar um efeito bastante profícuo. Cito aqui alguns exemplos:
I) Os Empreendimentos de ES, além de proporcionarem alto senso de sociabilidade e incluir – naturalmente - pessoas que seriam muitas vezes marginalizadas, também demonstra que pode ser uma excelente forma de inclusão à mulheres em cargos de liderança. O Segundo Mapeamento Nacional da Economia Solidária(2013) relata que havia na ocasião 86,040 mulheres que ocupavam funções de coordenação/liderança, contra 66,696 homens. O mais notável disso tudo é que as mulheres ainda são minoria (substancial) em quantidade absoluta nesses empreendimentos (803.373 homens, 620.258 mulheres). [5]
II) Aquino (2017) mostra que a adoção desta temática por governos de estado (na reportagem em específico trata-se da Bahia), representou enormes benefícios para a população como um todo: retirada das pessoas da inatividade econômica; aumento do sentido de pertencimento; geração de renda comunitária e local, que asseguraria melhorias de condições em locais específicos e com retorno imediato às pessoas. [6]
III) Investir na economia solidária é sinônimo de sustentabilidade, haja vista que nela há igualdade de direitos, os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles e há autogestão, uma vez que os empreendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma inteiramente democrática, com repartição dos lucros. Além do fato de que há uma enorme conformidade ecológica, uma vez que é de premissa desses empreendimentos que seus produtos sejam puros, isto é, não alterados e que um de seus mais notórios setores é o de cooperativas ligadas a reciclagem e reutilização de produtos. [7] [8]
Isso para não citar os subprodutos desta modalidade de arranjo de trabalho, como é a incipiência de um sentido de pertencimento e emancipação feminina pela geração virtuosa de renda.
Entretanto, em um momento em que a economia trabalha unicamente para o rentismo, esquecendo-se que há gente nesta equação, e que cada vez mais o Estado e a camada mais pobre da população se dissociam, tratar de economia solidária torna-se um tabu, quando deveria ser considerada como uma possível solução, uma outra economia.
Referências Bibiliográficas
[1] IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?t=quadro-sintetico>
[2] Jornal do Comércio. Brasil tem a maior taxa de trabalho informal desde 2012. Disponível em: < https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/nacional/noticia/2019/11/19/brasil-tem-maior-taxa-de-trabalho-informal-desde-2012-393130.php>
[3] LAVILLE, J. L.; GAIGER, L. I. Economia Solidária. In:. CATTANI, A. D.; LAVILLE, J. L.; GAIGER, L. I; HESPANHA, P. Dicionário Internacional da Outra Economia. Almedina Brasil: 2009.
[4] SINGER, P. A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2003.
[5] SENAES. Atlas Digital da Economia Solidária. Disponível em: < http://sies.ecosol.org.br/atlas
[6] AQUINO, Y. Especialistas defendem a ações de economia solidária como alternativa para crise. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-04/especialistas-defendem-acoes-de-economia-solidaria-como-alternativa-para >
[7] SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo, Perseu Abramo, 2002.
[8] SOUZA, A. R. Economia Solidária: um movimento nascente da crise do trabalho. In: SOUZA, A.R.; CUNHA, G.C.; DAKUZAKU, R.Y. Uma outra economia é possível. Paul Singer e a Economia Solidária. São Paulo: Contexto, 2003.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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