Queda de Assad reafirma poder ocidental
Ausência de estratégia dos BRICS diante da queda de Assad demonstra não apenas falta de coesão, mas um recuo em sua ambição de construir um sistema multipolar
A recente queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, após mais de uma década de guerra civil, representa não apenas uma reconfiguração geopolítica regional, mas também uma oportunidade estratégica para a consolidação do gasoduto Catar-Turquia, um projeto que há anos alimenta disputas de poder no Oriente Médio. Este gasoduto, planejado para transportar gás natural dos vastos campos catarianos até a Europa, passando pela Arábia Saudita, Jordânia, Síria e Turquia, havia sido barrado por Assad, que preferiu um projeto alternativo com o Irã, favorecendo alianças que contrariavam os interesses ocidentais. Com a deposição de Assad, o cenário geopolítico sofre uma reviravolta que favorece interesses alinhados à hegemonia do dólar e às dinâmicas de poder tradicionais do Ocidente.
A queda de Assad ocorre em um contexto de disputas intensificadas por recursos energéticos e rotas estratégicas, e a reabertura do projeto do gasoduto Catar-Turquia surge como uma vitória silenciosa para as potências ocidentais. A reconfiguração do tabuleiro no Oriente Médio, entretanto, expõe uma omissão inquietante: a ausência de ações concretas por parte da China e dos BRICS, justamente em um momento em que suas ambições de dedolarização se encontram sob teste. A consolidação de uma rota energética que passa por países aliados ao Ocidente reforça a posição do dólar como moeda dominante nas transações globais de energia, enfraquecendo os esforços do BRICS para criar alternativas ao sistema financeiro internacional hegemonizado pelos Estados Unidos.
Os BRICS, que têm buscado alternativas ao dólar como forma de reduzir sua vulnerabilidade econômica e ampliar sua independência financeira, permanecem ausentes em um momento decisivo. A China, que desempenha um papel central nesse bloco, concentra sua atenção em outros tabuleiros geopolíticos, deixando o Oriente Médio em um vácuo estratégico que permite aos Estados Unidos, à Turquia e a Israel moldarem a região de acordo com seus interesses. A ausência de uma estratégia robusta dos BRICS diante da queda de Assad e a possível reativação do projeto do gasoduto demonstra não apenas uma falta de coesão interna, mas também um recuo em sua ambição de construir um sistema multipolar.
O gasoduto Catar-Turquia não é apenas uma questão de logística energética, mas um projeto que reconfigura as dinâmicas de poder no Oriente Médio e além. Para a Europa, representa uma alternativa crucial para reduzir sua dependência energética da Rússia, em um momento em que as tensões geopolíticas continuam altas após o conflito na Ucrânia. Para os Estados Unidos, a reativação desse projeto é uma oportunidade de reforçar sua influência sobre a região e de garantir que o dólar permaneça a moeda preferida para transações internacionais de energia. Para a China e os BRICS, no entanto, essa reconfiguração energética é um golpe em seus esforços para construir alternativas que desloquem o dólar do centro da economia global.
Ao mesmo tempo, a ausência de uma resistência coordenada à fragmentação da Síria após a queda de Assad revela as fragilidades da chamada Resistência. Com o Irã enfraquecido pela pressão econômica e militar, e a Rússia atolada no conflito ucraniano, os atores que tradicionalmente confrontam as ambições ocidentais na região estão desarticulados. Esse vácuo estratégico é explorado com precisão pelas potências ocidentais e seus aliados regionais, garantindo não apenas a expansão de suas redes de influência, mas também o enfraquecimento de qualquer tentativa de consolidação de alternativas econômicas e políticas que questionem a ordem estabelecida.
A queda de Assad e a potencial retomada do gasoduto Catar-Turquia deveriam acender um alerta para os BRICS e outras potências que buscam reequilibrar o sistema internacional. Este momento histórico demonstra que a supremacia do dólar não será substituída apenas com declarações e fóruns internacionais, mas com ações estratégicas coordenadas em regiões chave. Sem uma resposta robusta e coesa, os BRICS arriscam transformar sua ambição de dedolarização em uma retórica vazia, enquanto o dólar, impulsionado por projetos como o gasoduto Catar-Turquia, consolida ainda mais seu papel central na economia global. A história, como sempre, será implacável com os omissos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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