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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    Quem é democrata, no plano mundial?

    A extrema-direita brasileira, latino-americana e internacional, que é de onde vêm as reais ameaças à democracia brasileira, têm a China como uma grande inimiga

    Gleisi Hoffmann e Li Xi (Foto: @gleisi/X)

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    A viagem de uma representação do PT à China, chefiada pela presidenta do partido, Gleisi Hoffmann, vem ocasionando uma série de críticas sem quaisquer fundamentos.

    Tais críticas subiram bastante de tom após a presidenta do partido ter elogiado, com razão, a experiência econômica, social e política da China das últimas décadas.

    Critica-se, sobretudo, o apoio do PT a uma suposta “ditadura”, quando, há pouco tempo, o governo Lula sofreu uma tentativa de golpe de Estado.

    Bom, em primeiro lugar, as forças que tentaram dar, recentemente, um golpe de Estado no Brasil detestam a China. Bolsonaro, como se sabe, teve uma relação muito hostil em relação a Beijing, principalmente na época do chanceler Eduardo Araújo. Chegou-se até mesmo a se acusar o novo coronavírus de ser um “vírus chinês comunista”.

    A extrema-direita brasileira, latino-americana e internacional, que é de onde vêm as reais ameaças à democracia brasileira, têm a China como uma grande inimiga. Portanto, aproximar-se à China não significa aliar-se com quem defende ditaduras no Brasil. É exatamente o contrário.

    Em segundo, e esse nos parece o ponto principal, a China, no plano internacional, contribui, ao contrário de outras potências, para o desenvolvimento dos demais países e para a conformação de uma ordem mundial mais simétrica e democrática.

    Em que momento histórico a China ameaçou nossa democracia? Em que ocasião, a China, que se tornou nosso principal parceiro econômico e comercial, tentou impor seu modelo político ou seus valores ao Brasil? Quando foi que a China tentou evitar que o Brasil mantivesse boas relações com outras nações?

    A China, como se sabe, tem uma política externa pragmática, universalista, não-ideologizada e não-intervencionista. Busca, essencialmente, cooperar e fazer comércio com todo o mundo. Exatamente como o Brasil faz.

    Ao agir dessa forma, a China contribui para a paz, para o multilateralismo e para a multipolaridade.

    Há, contudo, países que não vêm com bons olhos essa grande ascensão da China no cenário mundial e as mudanças geoeconômicas e geopolíticas que acontecem celeremente no quadro internacional.

    Os EUA, em particular, enxergam tal ascensão e tais mudanças como ameaças graves aos seus interesses hegemônicos.

    A bem da verdade, EUA e alguns aliados querem impor, ao resto do mundo, uma nova Guerra Fria, no contexto da qual, as nações teriam de “escolher” entre seus dois polos antagônicos: o polo das “democracias”, o polo do “Bem”, ou o polo das “autocracias”, o polo do “Mal”.

    Essa visão simplória e maniqueísta da nova ordem mundial introduz tensões desnecessárias no planeta, tende a gerar conflitos e erode a consolidação da multipolaridade e de um real multilateralismo.

    Mas, mais do que isso, ela representa uma atitude autoritária, antidemocrática e arrogante, que visa a constranger os países que, como o Brasil, não querem se submeter a alinhamentos com ninguém.

    Não se pode ser ingênuo em política externa.

    Essa pressão para o alinhamento com o polo do “Bem”, baseada numa caricatura ridícula da complexidade e diversidade do mundo, não provém, na realidade, de alguma preocupação legítima com a disseminação da democracia pelo planeta.

    Como se sabe, EUA e alguns aliados não hesitam em apoiar países com regimes claramente ditatoriais ou autocráticos, desde que eles estejam alinhados com seus interesses. De outro lado, a história da América Latina demonstra, de forma cabal, que, em várias ocasiões, regimes democráticos foram derrubados com o apoio dos EUA e de países europeus porque não se alinhavam com os interesses dominantes no continente.

    A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude.

    Por isso, o Brasil de Lula não se submete a essa “escolha” maniqueísta, autoritária e hipócrita.

    Entre EUA e Europa, de um lado, e China e Rússia, de outro, o Brasil escolhe o Brasil, país com interesses próprios e independentes, que deseja ter boas relações com todas as nações e que almeja contribuir para a conformação de uma ordem mundial multipolar, multilateral e simétrica, capaz de dar soluções para os graves problemas do planeta, como o aquecimento global, a fome, a pobreza, as desigualdades e as guerras.

    Entre o “Bem” e o “Mal”, o Brasil escolhe soberanamente os interesses e os valores ditados por sua democracia; não os interesses de outros, travestidos cinicamente de preocupações democráticas.

    Nenhum país pode impor democracia a outros. Se alguns países, em vez de promover cooperação e negociações, se concentram em impor aos outros dilemas maniqueístas e simplórios, então esses países dificilmente podem ser denominados de “faróis da democracia”.

    No plano mundial, os verdadeiros faróis da democracia deixam que a luz de todos os países brilhe autonomamente.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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