Quincy Jones e a aula básica: só existem 12 notas musicais
"Não existem as notas mi sustenido nem si sustenido"
Tanto pra quem trabalha com composição, quanto para intérpretes e até mesmo aos ouvintes, é muito difícil de acreditar que só existam 12 notas, em todas as músicas compostas e executadas no mundo, todos os dias. Como isso é possível? Poderíamos alegar que isso é um erro, pois na música árabe há os micros tons, presentes na técnica do vibrato vocal, que aliás é a origem da música flamenca. E em instrumentos como o violino, etc. Porém, essas tais notas têm a função de passagem, não permanecendo tempo suficiente nelas para podermos caracterizá-las como parte integrante da melodia. Uma canção é composta por letra e música, e essa última é construída com o auxílio das seguintes notas: dó, dó sustenido, ré, ré sustenido, mi, fá, fá sustenido, sol, sol sustenido, lá, lá sustenido e si. Não existem as notas mi sustenido nem si sustenido. Todos os acordes são montados utilizando essas notas, formando assim, por exemplo: dó maior, ré menor, mi com 7 aumentada, fá com nona, sol diminuto, etc.
O excepcional músico e produtor estadunidense Quincy Jones, que faleceu recentemente, mesmo com amplo conhecimento, decidiu ir para a Europa, em 1957 se aprofundar em sua profissão musical, e recebeu aulas da lendária musicista e educadora francesa, Nadia Boulanger, que proferiu a seguinte frase ao ilustre aluno: “Existem apenas 12 notas, e você precisa investigar o que todo mundo fez com essas notas”. O que aconteceu depois, todos nós já conhecemos, com suas obras de sucesso mundial. Essa passagem é contada no documentário “Quincy”, disponível na plataforma Netflix, dirigido por sua filha Rashida Jones.
Pense em guitarristas virtuoses, como Steve Vai ou Jonh Petrucci, que executam dezenas de notas por segundo. Ou artistas da bossa nova que parecem quebrar os próprios dedos de tanto esticá-los para formar os acordes complexos, que muitos chamam carinhosamente de “aranhas”. Tudo isso concebido com a ajuda de apenas 12 notas. Fazendo uma divagação rápida, o número 12 também está presente na simbologia religiosa e esotérica, como os 12 apóstolos de Cristo, os 12 filhos de Jacó; na organização do tempo, dos 12 meses do ano, na metade de um dia completo de 24 horas, etc. Mas isso é assunto pra outro artigo.
Eu, como músico posso imaginar como teria sido a reação e a possível emoção estampada no semblante de Quincy, ao ouvir de uma referência da música erudita internacional, essa informação. Obviamente, todo músico, de todos os níveis de instrução, sabe, mesmo que inconscientemente da tal existência das 12 notas musicais, e que tudo é edificado a partir delas. Porém, aqui poderíamos empregar perfeitamente o antigo ditado “a ficha caiu”. Não há mais dúvidas ou especulações. Então, eis que surge um pequeno problema para aqueles que optaram por se aventurarem no fantástico mundo maravilhoso da composição. Se há tão poucas notas, o processo se torna mais fácil? Não!
Pelo contrário. Já ouviu falar em plágio? É normal, é comum, e com advento das redes sociais e plataformas de streaming, permitindo que obras de um país alcancem outros países, vemos que o plágio acontece ou propositalmente ou espontaneamente, como resultado da globalização das canções. Um compositor pode ouvir uma música em algum lugar qualquer, absorvê-la e “compor” sua melodia autoral com a mesma estrutura, ou de forma muito similar. Quanto a isso, não tem como fugir. E mesmo se não ocorresse esse fenômeno, ainda assim, criar uma canção com o auxílio de apenas 12 notas continua difícil.
Nadia Boulanger, como uma autêntica educadora, deixou a dica para podermos burlar essa dificuldade das poucas notas: “...você precisa investigar o que todo mundo fez com essas notas”.
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