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    Pedro Simonard

    Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

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    Racha na burguesia?

    O fato é que a impopularidade de Bolsonaro e Guedes dificulta a aprovação de medidas desejadas pelos neolibs que apostam na queda de ambos

    (Foto: ABr)

    Sete de setembro aproxima-se e o nível de tensão vai aumentando. Vai ter golpe, não vai ter golpe. Bolsonaro está cada vez mais acuado. Após o presidente do STF, Luiz Fux, e do TSE, Luís Roberto Barroso, se manifestarem contra as ameaças de Bolsonaro à democracia, desta vez foi o ministro do STF Ricardo Lewandowski publicar artigo na Folha de São Paulo no qual defende que Bolsonaro pode ser preso, caso tente dar um golpe. O artigo chama-se Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível e já em seu título Lewandowski coloca as cartas na mesa.

    Não é apenas o STF que preocupa Bolsonaro. O TSE ameaça caçar a chapa com a qual ele se elegeu. Seus filhos Flávio e Carlos também estão em maus lençóis junta à justiça.

    Boa parte da mídia industrial já perdeu a paciência com o Jair e vem publicando diariamente notícias sobre supostos crimes por ele e/ou sua família cometidos, alguns destes já conhecidos há bastante tempo, mas que só agora a mídia, que apoiou Bolsonaro, resolveu destacar de maneira oportunista.

    A pressão que os tribunais e a CPI do Genocídio exercem sobre Bolsonaro expõem um racha na burguesia neocolonial brasileira. A quantidade de crimes de responsabilidade, de crimes contra a economia popular e de crimes previstos no código penal cometidos pelo tosco presidente é tanta que seria possível fazer-se uma enciclopédia com eles. Bolsonaro os comete desde antes de ser eleito de maneira fraudulenta. Contudo, só agora alguns setores da burguesia decidiram abrir fogo contra ele enquanto outros continuam a defendê-lo. Já explorei um pouco este tema em minha última coluna publicada neste espaço. O fato é que contra Bolsonaro estão não somente parte da mídia industrial e setores industriais de bens de capital e de consumo, que sentem-se prejudicados com a falta de investimentos públicos e de políticas de redistribuição de renda que recuperem o consumo das famílias. Juntaram-se a estes parte do PIB financeiro e do agronegócio. Os primeiros porque a atitude belicosa do Jair cria um ambiente de insegurança que afasta o investidor, sobretudo o estrangeiro. O agro sofre represália de países que, pressionados por movimentos sociais locais, deixam de comprar commodities e produtos semi-industrializados devido às queimadas de biomas brasileiros e à suposta utilização – suposta para os compradores estrangeiros - de defensivos agrícolas proibidos no mundo inteiro, mas liberados para uso no Brasil.Entidades importantes ligadas ao comércio, à indústria e ao setor financeiro escreveram o manifesto chamado A praça é dos Três Poderes. Segundo dirigentes dessas entidades, este manifesto conta com mais de 200 signatários. Contudo, sua publicação foi adiada porque o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que apoia Bolsonaro, procurou preservar o seu aliado. Este manifesto defende que a harmonia tem que ser a regra que pauta a relação entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O princípio da harmonia entre os poderes, enfatiza o manifesto não publicado, está presente de forma clara na Constituição Federal e é um pilar do ordenamento jurídico do país. Diante disso, todos os ocupantes dos cargos máximos da República devem a ele se submeter. Por meio deste manifesto, as entidades que o assinam mostram grande preocupação frente ao aumento de tensão política patrocinado por Bolsonaro.

    O manifesto seria publicado no dia 31 de agosto, mas Paulo Skaf adiou sua publicação para depois do dia sete de setembro, alegando que assim daria mais tempo para outras entidades assiná-lo. Na verdade, este adiamento ocorreu após a ameaça do presidente da Caixa Econômica Federal e do presidente do Banco do Brasil, ambos bolsonaristas, de abandonarem a Febraban e após uma conversa entre Skaf e o presidente da Câmara dos Deputados,  Arthur Lira (PP-AL).

    O presidente da CEF mandou um recado do governo, informando que bancos seriam excluídos da relação com o governo, caso o manifesto fosse publicado. Ele teria informado, inclusive, que o exército impediria a prisão de Bolsonaro e de seus filhos. 

    A não publicação deste manifesto gerou mal-estar entre alguns de seus signatários, entre os quais alguns banqueiros. Segundo o noticiário, Skaf teria sido chamado de traidor e vendido em “grupos de mensagem”.

    Algumas entidades importantes do setor do agronegócio não receberam muito bem atitude de Skaf. Todas haviam assinado o manifesto A praça é dos Três Poderes. Decidiram, então, publicar seu próprio manifesto. De acordo com Marcello Brito, presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), “essas entidades optaram por manifestarem-se de maneira conjunta e independente, diante da atitude do presidente da Fiesp”. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar,  esclareceu que o intuito dessas entidades ao publicarem este manifesto é diferenciarem-se daqueles setores do agronegócio que estão apostando no conflito e financiando-o. O manifesto da agroindústria bate forte em Bolsonaro e só nele, que isto fique bem claro.

    Nem o manifesto escondido por Skaf, nem o manifesto do agronegócio aborda a política econômica da Paulo Guedes, que é apoiada por todos os setores financeiros,  industriais e do agronegócio quer apoiem Bolsonaro ou não, com poucas exceções. O suposto racha restringe-se à forma não ao conteúdo. A discórdia recai sobre as práticas belicistas de Bolsonaro e poupa as políticas e reformas conduzidas por Paulo Guedes.

    A Bolsonaro só resta esticar a corda. Em visita a Uberlândia ele agitou seus apoiadores e não recuou frente à possibilidade de sua prisão. Sem máscara e aglomerando, como sempre, discursou para o público e disse que chegou a hora de “nos tornamos independentes para valer e dizer que não aceitamos que uma ou outra pessoa em Brasília queira impor a sua vontade", afirmou. E prosseguiu dizendo que "vocês é que devem dar o norte a todos nós que estamos em Brasília. E este norte será dado com mais ênfase e força no próximo dia sete”. 

    Bolsonaro continua apostando alto no caos político para criar uma situação na qual as forças armadas tenham motivos para intervirem. O clima no país fica cada vez mais tenso com as ameaças à democracia. Esquerda e direita ocuparão às ruas simultaneamente. Suspeitas sobre financiamento público utilizado para organizar as manifestações bolsonaristas são cada vez mais fortes.

    Bolsonaro e Paulo Guedes estão cada vez mais impopulares e prejudicam o desenvolvimento da margem de lucro da burguesia neocolonial. Se seu Jair tentar um golpe e fracassar será escanteado, levando consigo Paulo Guedes e a paz será selada entre os burgueses. Se não tentar golpe algum, esta discórdia permanecerá por mais tempo e dará força à candidatura do ex-presidente Lula, situação que a mídia industrial tenta resolver desenterrando contra ele uma série de acusações requentadas.

    O fato é que a impopularidade de Bolsonaro e Guedes dificulta a aprovação de medidas desejadas pelos neolibs que apostam na queda de ambos. Guedes faz o que dele era esperado, mas é politicamente inábil e por isso atrapalha. Afastando os dois, a burguesia neocolonial poderá propagar a falácia de que os problemas foram resolvidos e, dessa forma, acredita poder acalmar os ânimos dos trabalhadores e trabalhadoras insatisfeitos. É a velha estratégia de fingir que muda para manter tudo como está.

    P.S.: Precisamos defender uma reforma constitucional que substitua o impeachment, instrumento utilizado pela burguesia neocolonial para retomar o controle do poder, pelo recall, instrumento que coloca nas mãos do povo a destituição daqueles que ele mesmo elegeu.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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