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Diego Turato

Historiador, professor, pesquisador: graduado em história na Universidade Católica de Santos, pós graduado em Gestão no Mackenzie de SP. Mestrando em Ciências Sociais na PUC SP.

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Racionais MCs: atuação revolucionária na democracia

A coluna entrevistou um dos fundadores do grupo e membro permanente DJ KLJAY. Abaixo segue a entrevista

Racionais MC's (Foto: Reprodução)

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A busca por revolução ganhou notoriedade no final do século XVIII e início do século XIX, quando ocorreram experiências de governança por parte da classe trabalhadora na Comuna de Paris e na Revolução Russa liderada por Lenin. Ainda no século XVIII, os escritos de Karl Marx e Engels inflamavam a classe trabalhadora na busca pelo fim da opressão imposta pela burguesia. Os autores revolucionários desejavam mobilizar trabalhadores através de seus escritos. 

Assim como Marx e Engels usavam a escrita publicada (panfletos, livros e artigos) para mobilização, os rappers dos Racionais MCs usam a arte, o microfone, a poesia e toda estrutura ofertada pelo rap e hip hop para mobilizar o povo periférico, promovendo revolução na democracia. 

Florestan Fernandes, em um de seus livros cujo o título é " O que é Revolução", define o conceito de revolução na democracia como: eleger um operário para governo o povo. Autoridade no assunto, Florestan Fernandes discorre explicando a necessidade de mudança nos meios de produção. Contudo, para Florestan, revolução na democracia é "eleger operário para o poder".

Os rappers do Racionais MCs, além de defender explicitamente o povo pobre e preto em todos os seus seis álbuns inéditos e oficiais, sempre foram ao encontro com a proposta do professor, escritor e revolucionário Florestan Fernandes. 

Em seu primeiro álbum intitulado de " Holocausto Urbano" os rappers atuaram em defesa da vida. No segundo album, "Escolha Seu Caminho", o questionamento sobre a miséria e pobreza são ratificadas, além de retificar problemas. Nesse album, os rappers apresentam soluções para problemas como educação, estudo, fim da violência, entre outras coisas. O terceiro album, "Raio X do Brasil", reafirma de maneira escancarada o sofrimento do povo periférico, a falta de lazer, falta de reabilitação, falta de oportunidade e etc...O quarto album, "Sobrevivendo no Inferno", busca dignidade no sistema carcerário, entre outras denúncias. O quinto album, "Nada como um dia após o outro", mostra a possibilidade de mudança na sociedade atual. O sexto e último album, "Cores e Valores", ressalta a manutenção dos princípios do grupo, ou seja, somos pretos, somos periféricos, temos nossos valores, não somos vendidos.

De fato, com a chegada do sucesso, os rappers obtiveram ascensão; contudo, em todos os álbuns, há poesia defendendo os pobres, há luta contra o racismo, há busca por revolução. Revolução essa alcançada com a eleição de operárias e operários para o poder executivo. Seja minicipal, estadual e federal. Indo ao encontro da proposta de Florestan. 

A coluna entrevistou um dos fundadores do grupo e membro permanente DJ KLJAY. Abaixo segue a entrevista. 

Entrevista de Diego Turato com Kleber Geraldo Lelis Simões, mais conhecido como DJ KL Jay 

Como surgiu o nome do grupo Racionais MC’s? 

Eu e o Brown (Mano Brown) trabalhava de office boy numa corretora de valores. A gente já andava junto, mas não tinha o nome do grupo, porque o Racionais, foi uma junção do Brown e do Blue, da Zona Sul (de São Paulo), e do KL Jay e Edi Rock, da Zona Norte. E numa folga na empresa, o Brown falou assim: “Já tem o nome do nosso grupo, Racionais”. Aí eu falei que era esquisito, estranho esse nome. Estava acostumado com siglas, nome brasileiro não soava. Ele me respondeu: “Não mano, Racionais, raciocínio e tal”. Aí fui pra casa. No banho, pensei que o nome era bem louco mesmo. No outro dia falei com ele e fechou, o nome surgiu assim.

Desde o início de tudo, em 89, os Racionais sempre trouxeram a questão de questionar os problemas sociais, do povo preto e pobre, sobretudo nas favelas. Qual o papel dos movimentos sociais na formação do grupo, sobretudo do movimento negro?

A gente tinha uma inspiração no movimento negro, os caras pretos que faziam palestras, passeatas, gostávamos disso também. Mas encontramos no rap uma maneira de mandar essa mensagem para muito mais gente ouvir, de uma maneira mais direta, usando a mesma linguagem, com letras e batidas boas, que fisgassem a pessoa. Primeiro, tem que conquistar pela batida, a música tem que ser boa, depois fisga pelas ideias. Então, encontramos no rap o melhor meio social de atingir as pessoas. Música é foda, né? Você ouve no rádio, no baile, na TV, no videoclipe. A nossa influência para esse trabalho social foi o próprio rap. 

Malcolm X e Jorge Ben influenciam bastante, vocês sempre falam. O que mais chamava atenção na luta e no trabalho artístico de ambos? 

Boa pergunta. A gente também se inspirou no Black Phanter (Pantera Negra), eles também nos influenciavam. Os filmes que sempre vimos, o que conta a história do Steve Biko, por exemplo, o próprio do Malcolm X, além dos livros, que inspiram. A gente pensa em fazer igual esses caras, em praticar a mesma coisa que vai dar certo. É um leque de inspiração.

Vivemos numa sociedade capitalista e o grupo abriu mão de muita coisa quando decidiu não se colocar na mídia, selecionando apenas algumas que divulgassem parceiros de rap e movimentos. Com isso, deixou de lucrar muito, mesmo com o objetivo de tocar corações. Como você vê a questão? 

A gente conquistou muito respeito ao dizer não para a grande mídia, isso abriu um grande questionamento na mente das pessoas, aí o respeito veio nas ruas. A rua tem um espírito. Elas gravavam a fita da nossa música aqui e levavam para a Bahia, mostravam para um monte de gente e viravam fãs. Então, muito mais do que aparecer, fizemos a nossa própria mídia, no “boca a boca”, estar perto das pessoas, cumprimentar, sempre fomos assim. Só que hoje é outro mundo, outra época, outra tecnologia, não tem como ficar fora disso. E nem digo da grande mídia, falo das redes sociais. Se ficar fora, nem na rua você vai ser conhecido. Naquela época, pensamos nisso e deu certo. Não sabíamos que íamos fazer sucesso. Isso solidificou muito o grupo, colocou num lugar que poucos chegam. É como se tivéssemos escrito o nome na pedra, “Racionais”, está lá para todo mundo ver. Não foi como se escrevesse na areia, que vem o mar e apaga.

Então não tem arrependimento nenhum de abrir mão da mídia? A questão do ativismo falou mais alto?

Acho que além do ativismo, foi um enfrentamento, encarar o sistema e falar “não vou fazer o que vocês querem”. Isso é ativismo também, mas tem que ter coragem para fazer. Acaba se tornando automaticamente. 

Quando o grupo percebeu que chegou o sucesso e atingiu o alvo, com as mensagens foram passadas? 

Isso foi acontecendo gradativamente. Nós batalhamos por isso ainda. Desde o começo, antes de lançarmos o primeiro disco, já tínhamos esse enfrentamento. Foi uma coisa construída. Talvez hoje, aos 33 anos de carreira, podemos falar que conseguimos influenciar, mas tem muita vitória ainda a ser construída, coletivamente e individualmente entre os quatro. Eu penso que é um processo, que aconteceu, acontece e vai acontecer, ele não morre.

Nesse processo, o primeiro álbum, Holocausto Urbano, tentava reduzir o assassinato e homicídios nas favelas, principalmente aqui na cidade de São Paulo. Como você lembra daquela época e o que foi mais marcante no lançamento? 

Eu penso que foi um alerta. A gente falou coisas que ninguém tinha coragem, para todos de São Paulo saberem o que acontece. A lembrança é de que era muito tenso. Uma perseguição não só da polícia, mas dos “pés de pato” também, os assassinos de aluguel. Quem sofreu muito com isso foram o Brown e o Blue, porque eles eram de lá mesmo. Eu e o Edi Rock vivíamos uma perseguição policial racista, mas dos “pés de pato” não. Eu posso dizer que vários shows que fomos tinha um clima tenso, de assassinato mesmo, perseguição. O Racionais teve muito axé mano, proteção, ainda tem até hoje. Hoje tá bem mais calmo. Ainda acontecem assassinatos e perseguições, mas diminuiu. Era perigoso e tenso, tinha que ter coragem para falar as coisas na rua.

Além de seguir as denúncias e o sofrimento passado pelo povo pobre, o álbum Escolha o seu Caminho tenta trazer uma consciência para os irmãos pretos. Como você vê isso e qual a lembrança que tem?

A gente tem essa preocupação até hoje. Antigamente era mais, por ser jovem. A conscientização do orgulho negro era a pauta do momento, então aproveitamos essa energia para falar disso. Era uma coisa que estava no ar e a gente se conectou.

No álbum Cores & Valores é nítido observar que o grupo tem que manter os seus princípios. O que você destaca? 

É um álbum pequeno, é uma mixtape, tem meia hora. Muita gente estranhou por conta disso. Todo mundo esperava letras de cinco minutos falando a mesma coisa. O Racionais falou de outra maneira, com uma outra textura. A experiência foi boa. Não são as mais ouvidas, mas o Cores e Valores foi de artistas amadurecidos. A gente quis fazer assim, disco pequeno, com músicas que fazem link umas com as outras, com letras inteligentes e perigosas.

Você poderia destacar quatro canções que mais contribuem para uma pessoa que se considere ativista ou revolucionária?

Capítulo 4, versículo 3, Nego drama, A vida é desafio e Vida Loka 2, por falar em revolução. 

O grupo é considerado revolucionário também pela questão de ajudar a derrotar alguns governos ou políticos considerados como retrocesso para a sociedade negra e para quem é progressista. Como você observa isso e o que lembra desses períodos? 

Eu prefiro dizer que o Racionais ajudou o PT a entrar e se solidificar no poder, tivemos uma contribuição. Não que entrou na luta. A gente faz música, mas com identidade. 

Na posse do presidente Lula em 2023, tocou Vida Loka 2, que é uma música que você sugeriu às pessoas que querem ser ativistas. Como sente essa identificação recíproca com quem gosta de revolução, com o Racionais? 

É a identidade né, é uma ideia que convence. As pessoas ouvem e se identificam com o som. Tem uma sinceridade também no jeito de cantar do Brown, as pessoas se conectam com isso também. 

O Racionais ensina muita gente quando fala sobre a revolução de Malcolm X e Mandela, por exemplo. Qual a identificação que você tem? 

Eu penso como eles, muita coisa igual o Malcolm X, os Black Panthers, o Mandela. Toda essa evolução que você vê dos negros no Brasil se deve a esses caras, que foram chamados de extremistas. Eles ajudaram a fazer as mudanças que existem hoje. Vários pretos sendo donos de negócio, aparecendo na TV, montando produtora, comprando casa, carro. Então, pratico o que eles falam e dá certo. 

São mais de 30 anos e o grupo não abre mão do conteúdo de revolução. O que os fãs podem esperar para os próximos dias, meses e anos? 

O Racionais pensa em continuar na mesma frequência, fazendo música boa, bons shows, ajudando pessoas, os pretos inclusive. Chegamos na metade do caminho, tem muita coisa para fazer ainda. 

Você esperava que tantas pessoas da periferia fossem para a faculdade, achava que chegaria nesse ponto?

Sinceramente, esperava. Tem momentos que você pensa que não vai acontecer, mas tá acontecendo, devagar. Vai precisar de mais alguns anos ainda para melhorar. Não tinha isso há 30 anos, os pretos pensando igual em realmente revolucionar, mas ainda é o começo. É como se fosse uma criança engatinhando e aí aprendeu a andar. 

Quero agradecer o Kleber (KL Jay) por ceder o seu tempo, muito obrigado e estamos juntos para apoiar o trabalho.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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