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    Ronaldo Lima Lins

    Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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    Racismo: um assassinato cultural

    Que não se repitam episódios do gênero ou teremos vergonha do que somos e do que desejamos ser

    (Foto: Reprodução)

    Certos acontecimentos na vida de uma cidade traduzem inclinações para a frente ou para atrás, dependendo de seu sentido e do que sugerem do ponto de vista humano. Em Paris, terminadas as eleições, a multidão que encheu as ruas celebrou neste terceiro milênio, mais uma vez, a ideia de fraternidade, uma noção da Revolução de 1789 nem sempre, depois dela, posta em circulação. Fraternidade une, valoriza, investe na sensibilidade de cada um, melhorando os comportamentos e sinalizando, entre outras coisas, para uma unidade nacional. Em contrapartida, manifestação do seu oposto ocorrida no Rio de Janeiro com os jovens africanos agredidos na sua dignidade pela polícia, em troca de nada, pelo mero exercício da arbitrariedade, tem de despertar um repúdio que, em algum instante do hoje ou do amanhã, nos devolva a nossa autoestima. Não é situação para destacar as qualidades da PM. 

    Nem nos valoriza na imagem que desejamos para o Brasil junto ao restante do mundo. Trata-se de uma violência que raia os limites do assassinato cultural, como se passa com todo racismo, na negação do outro e, por meio dela, de parcela de nossa comunidade. A cor da pele não pode, em nenhuma hipótese, subtrair no semelhante sua porção de nacionalidade, o que nos iguala, aproxima e forma nossos valores. Justamente o oposto do movimento que orientou policiais em Ipanema na sua abordagem aos meninos africanos. Pretendiam demolir, esmagar, negar o que encaravam como pernicioso através de preconceitos e formulações arruinadas de conteúdo humano. Na sanha de reprimir e coibir, esqueceram-se de que lidavam com seres jovens, desprovidos de brutalidade, passeando pelas calçadas como se ali, entre outros lugares, houvesse espaço para a diversão. 

    As aves sombrias do racismo, registradas e filmadas por câmeras para todo mundo ver, não podiam se revelar mais gritantes. Inquéritos devem se desencadear com a punição dos responsáveis pela agressão, até, pura e simplesmente, a demissão, para que aquilo não se repita. 

    O contrário disso foi o que gerou a lamentável reação do governador no exercício de seu mandato. Quis defender, segundo disse, os “meus policiais”, os agentes dele, nomeados e sustentados por ele, na lógica invertida dos mandatários fora de lugar. Não há ingenuidade nas suas afirmações. Má-fé, talvez, pela ânsia de absorver atitudes sob seu comando nas regiões pobres da cidade, nas quais, de cima para baixo, pululam, no dia a dia do combate ao banditismo, excrescências da opressão racial. Falta ao governador, sem dúvida, visão de estadista, de quem alcança o grupo, além das individualidades e pensa nas possibilidades de um futuro melhor. Triste Estado do Rio de Janeiro, que já teve dirigentes de estatura para enfrentar e administrar os seus problemas.  A indignação da embaixatriz do Gabão, diante do tratamento concedido ao filho, por seu turno, pelo visto, não alcançou o ocupante do Palácio da Guanabara. Alcançou a população da cidade, seus cidadãos de bem, não menos revoltados por ver que, o que deveria existir para protegê-los, funciona como risco a ser evitado. A ela, nossa solidariedade. E o desejo de que, por uma dessas tramas do Destino, mais do que pela compreensão da administração pública, não voltemos a assistir novos efeitos de um assassinato cultural a repudiar com todas as forças da nacionalidade. Que não se repitam episódios do gênero ou teremos vergonha do que somos e do que desejamos ser.

    * Ronaldo Lima Lins é escritor e Professor Emérito da Faculdade de Letras da UFRJ.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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