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    Jean Goldenbaum

    Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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    Reanimando a América (e o antissemitismo): Trump, Musk e os judeus

    É óbvio que intensificação do ódio contra os judeus reunida pela turnê “Reanimando a América” é uma estratégia para dispersar a imagem negativa de Trump

    Former U.S. President and Republican presidential candidate Donald Trump speaks at the North Carolina Republican Party convention in Greensboro, North Carolina, U.S. June 10, 2023. REUTERS/Jonathan Drake (Foto: JONATHAN DRAKE)

    Por Jean Goldenbaum e Lucia Ribas

    Recentemente os EUA divulgaram dois grandes furos sobre conspirações antissemitas anunciados por duas figuras antagônicas no cenário da mídia americana. Em seu programa Rachel Maddow Show, Maddow é a âncora política da emissora de TV e da plataforma digital MSNBC – um dos meios mais combativos à expansão da ultradireita nos EUA – comenta chocada a confirmação do filho do ex-presidente Donald Trump, Eric Trump, ao comparecimento na turnê “Reanimando a América”, realizada no Resort Doral Nacional em Miami na Flórida. Nesta turnê, une-se uma das alas mais reacionárias e antissemitas de apoiadores do ex-presidente. De outro lado, o forte aliado de Trump, o bilionário proprietário do Twitter, Elon Musk, ataca George Soros. Este é um empresário e filantropo judeu que ao longo de toda a sua carreira doou quantias vultosas de seus lucros para o Partido Democrata bem como atuou em e defendeu diversas causas progressistas.

    Na forma peculiar de construir sua tese, Maddow descreve a cavalaria pesada da turnê, contando com Scott McKay – ativista da plataforma terrorista QAnon (fundada em 2017 com intuito de propagar fake news e discurso de ódio de forma anônima com os usuários usando o pseudônimo ‘Q’ pata tal) e locutor da outra plataforma digital ultradireita Rumble (uma alternativa do YouTube, com o dono agregando investimentos de 500 milhões de dólares em 2021 e se associando ao grupo Trump Media & Technology Group para os serviços de nuvens), Charlie Ward, um conhecido negacionista do Holocausto, Peter Navarro (ex-consultor econômico de Trump), Michael Flynn (ex-consultor de segurança nacional no governo Trump), Kash Patel (ex-oficial do Departamento de Defesa Americano) e outros tantos da tropa. Para a jornalista da MSNBC, esses aportes ideológicos na turnê aumentam ainda mais a onda antissemita já crescente no território americano.

    Igualmente apelando para o mesmo construto e usando a figura de Soros, Musk novamente alude ao tropo tradicional antissemita “o mestre de marionetes” (o puppet master); aquele responsável por comandar os principais personagens políticos do mundo de modo que estes ajam como servis bonecos aos “interesses do povo judaico”. Muito bem, após infantilmente comparar Soros ao vilão caricato da cultura pop dos desenhos de quadrinhos e filmes da Marvel Comics e Marvel Studios, o Magneto, um personagem judeu inspirado do mesmo modo por seus criadores judeus americanos Stan Lee a Jack Kirby, Musk foi confrontado pelo economista Brian Krassenstein, este defendendo Soros da investida do seu algoz. Krassenstein diz: Soros é “atacado por suas boas intenções, as quais alguns americanos pensam que são más meramente porque discordam de suas afiliações políticas”. A isto, Musk respondeu da seguinte forma, concluindo com seleto linguajar conspiracionista: “Você supõe que sejam boas intenções. Não são. Ele quer corroer o tecido da civilização. Soros odeia a humanidade.” (15.5.2023)  

    Na sua construção, historicamente o antissemitismo tem em seu núcleo uma ideia estapafúrdia que continua a se reproduzir em sua forma reciclada e excitar racistas de todas as gerações. Além disso, o antissemitismo é factualmente utilizado como bode expiatório nos confrontos populistas para dispersar uma crise. Esses esquemas ganham amplitude quando regurgitados pelos alto-falantes desterritorializados da internet, sobretudo, nas plataformas como o Twitter de Musk.  

    A lógica dos ataques se galga em dois episódios: Trump é o candidato favorito do Partido Republicano a disputar uma vaga para as eleições presidenciais de 2024 e sua reputação foi maculada em dois escândalos recentes nos tribunais civis de Nova Iorque. Um deles é o “cala-boca” de 130 mil dólares (hush money) pago pelo ex-advogado de Trump (Michael Cohen) à garota de programa Stormy Daniels para ela não ir a público antes das eleições de 2016 – período em que Trump disputava o cargo para presidente contra Hilary Clinton – e denunciar que o bilionário contratou seus serviços (ainda por cima estando casado). Trump nega a acusação, mas o crime está sendo julgado pelo Tribunal de Manhattan na cidade de Nova Iorque e se configurou pela holding de Trump ter emitido uma nota fiscal fria para reembolsar Cohen, constando esta como pagamento de impostos. Michael Cohen é, inclusive, personagem-chave em toda esta constelação de eventos. Sua história é quase hollywoodiana: de braço-direito e ajudante principal de Trump em inúmeras falcatruas, ele passou ao homem arrependido que buscou redenção ao se virar contra seu perverso ex-patrão, confessar toda sua culpa, abraçar sua pena judicial, cumpri-la, e retornar ao cenário para continuar a combater Trump – algo que continua a fazer de forma aguda e constante. O fato de Cohen ser mais um judeu em toda essa história também causa no mínimo um desgosto adicional a Trump, motivando seu já evidente antissemitismo.

    O segundo caso é de E. Jean Carroll, que acusa Trump de tê-la estuprado em uma loja de departamentos em Nova Iorque em 1996. Em maio, o júri deu o veredito favorável à Carroll e ordenou Trump a pagar cinco milhões de dólares a ela em prejuízos morais e financeiros.

    É óbvio que intensificação do ódio contra os judeus reunida pela turnê “Reanimando a América” é uma estratégia para dispersar a imagem negativa de Trump como um contundente predador misógino antes do início das primárias do Partido Republicano (processo em que consta do voto popular do candidato a disputar as eleições presidenciais). No caso de Musk, o empreendimento antissemita tem dois efeitos. O primeiro se desdobra em dissipar duas ações cujos enfoques estão nas acusações pelos funcionários do Twitter, imputando à liderança da empresa abuso de poder sobre a pressão dos funcionários a pernoitarem nos escritórios para cumprirem as metas da mudança da plataforma social. A segunda é um desagravo contra a Microsoft. O Twitter acusa a Microsoft de usar seus dados para compilar sofisticados programas de Inteligência Artificial como o ChatGPT.

    No mais, Musk tem uma obsessão pelo controle e poder, dando um show de “arrogância primeiro mundista” e esbravejando sem nenhum acanhamento as seguintes palavras sobre a questão do lítio na Bolívia, em tuíte de 25.7.2020: “Nós daremos o golpe de estado em quem quisermos. Lidem com isso.” Em sua infância, Musk sofreu bullying e apanhava das outras crianças constantemente. Talvez, sua fantasia infantil para despejar o ódio nos judeus, projetada no personagem da figura da revista em quadrinhos Magneto seja uma maneira de lidar com a criança indefesa e preterida, como conta sua biografia. Na visão deste bilionário, Magneto, Soros e os judeus de forma geral retiraram do dono do Twitter o único outro personagem que lhe poderia restituir sua sujeição meninil: Jesus Cristo. Para Musk, este foi o messias que os semitas assassinaram, roubando dele e do mundo a “redenção plena”. Soros é para Musk o judeu que continua a matar o messias e a corroer a humanidade, desta vez não com pregos na cruz, mas através de políticas progressistas que afrontam tanto o conservadorismo social, quanto a máquina capitalista.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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