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    Thiago Esteves

    Thiago Esteves é Professor de Sociologia, Doutor em Educação e Vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais.

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    Reforma do Ensino Médio: Lições sobre como manter tudo como antes

    Tenho plena consciência de que a economia é importante para o país, entretanto, o governo não pode priorizar a pauta econômica em detrimento de todas as demais

    (Foto: Arquivo Agência Brasil)

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    A eleição do presidente Lula, em um contexto de coalizão para frear o avanço da extrema direita no Brasil, veio carregada de expectativas no campo educacional. Após anos de desestruturação e descontinuidade de políticas públicas, desvalorização, achincalhes e ataques – incluindo físicos – contra as instituições educacionais e os profissionais da educação, uma das grandes expectativas deste setor estava em torno da revogação da Lei nº 13.415/2017, popularmente conhecida como “Reforma do Ensino Médio” ou “Novo Ensino Médio. Esta lei foi aprovada em fevereiro de 2017, durante o governo golpista de Michel Temer, e teve a sua implementação iniciada, na maior parte dos estados brasileiros, em fevereiro de 2022, durante o governo passado. 

    Contudo, a posse do ministro Camilo Santana no Ministério da Educação e da secretária executiva, Izolda Cela, arrefeceu as expectativas de uma parte significativa do campo educacional, composta por acadêmicos, especialistas, docentes, estudantes, dentre outros, que vinham denunciando os efeitos perversos desta reforma deste quando foi apresentada, ainda como Medida Provisória, em agosto de 2016. 

    Não podemos nos furtar de apontar uma certa letargia – ou seria resistência – do governo federal em colocar o debate sobre a revogação do “novo” Ensino Médio no campo político. Uma das hipóteses para essa demora é o emparelhamento ideológico com as fundações empresariais, que estão no cerne da elaboração e implementação da reforma em curso. Não é difícil identificar nos currículos dos(as) profissionais que foram nomeados(as) para setores estratégicos no Ministério da Educação uma trajetória de atividades em conjunto e serviços prestados para essas entidades.

    Diante da letargia do Ministério da Educação em iniciar o processo que poderia culminar com a revogação da Reforma do Ensino Médio, um grupo de 12 parlamentares protocolou na Câmara dos Deputados, em maio de 2023, o Projeto de Lei (PL) nº 2.601/2023. Este PL, foi concebido por pesquisadores e ativistas historicamente dedicados ao direito à educação e ao Ensino Médio de qualidade. Cabe destacar que mesmo necessitando de ajustes, em caso de aprovação, o PL nº 2.601/2023 poria fim ao “novo” Ensino Médio. 

    Foi somente após a pressão exercida pelos movimentos sociais, entidades docentes e de estudantes, associações cientificas, dentre outras instituições e coletivos, dos resultados da Consulta Pública de Avaliação e Reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio, dos seminários promovidos no âmbito do Congresso Nacional, além da repercussão e do constrangimento provocado pelo PL nº 2.601/2023 é que o governo federal protocolou no Congresso Nacional, no mês de outubro o PL nº 5.230/2023, com o objetivo de modificar a Lei nº 13.415/2017.

    Cabe destacar que uma das poucas medidas louváveis no PL do Ministério da Educação, é o aumento da carga horária destinada para as disciplinas da Formação Geral Básica (FGB), que seria ampliada de 1.800 para 2.400 horas. Porém, este aumento de carga horária não alcançará todos(as) os(as) estudantes, uma vez que a proposta é manter a carga horária de 2.100 horas para aqueles(as) matriculados(as) na formação técnica e profissional. Tal medida tem o potencial de aumentar as desigualdades educacionais e sociais entre os diferentes grupos de estudantes.  Dito isto, importa destacar que o governo federal tem pleno conhecimento dos graves prejuízos que estão sendo impostos aos(as) estudantes brasileiros e que ficaram evidentes no texto da consulta pública sobre a avaliação e reestruturação da política nacional de Ensino Médio, realizada entre abril e julho de 2023.

    Mas como diz o ditado popular, “nada é tão ruim que não possa piorar”. Além do PL nº 2.601/2023, que foi elaborado por pesquisadores e ativistas educacionais não ter tido o andamento esperado na Câmara Federal, o PL nº 5.230/2023, elaborado pelo Ministério da Educação, ganhou o status de urgência, o que permite uma tramitação rápida nas diferentes instâncias do Congresso Nacional, no mesmo momento em que ocorrem as etapas municipais e estaduais da Conferência Nacional de Educação (Conae). Além disso - lembram que as coisas sempre podem piorar? - foi designado como relator do PL nº 5.230/2023 o “pai” da Reforma do Ensino Médio, isto mesmo, o ex-ministro da educação do governo de Michel Temer, o Deputado Federal Mendonça Filho (União Brasil-PE).Para as leitoras e os leitores que não se recordam, o Deputado Federal Mendonça Filho ocupou o cargo de Ministro da Educação durante a maior parte do governo Temer, de maio de 2016 até abril de 2018. Neste período, ele foi responsável pela tramitação e aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), da Lei nº 13.415/2017, que instituiu o “Novo” Ensino Médio, e do Decreto nº 9.099/2017, que alterou o PNLD para induzir a reforma nas escolas. Com as bençãos do centrão e o silêncio do governo federal, Mendonça Filho é hoje o relator do Projeto de Lei que pretende alterar a legislação que ele próprio foi o responsável por implementar enquanto foi Ministro da Educação. Chama nossa atenção que, segundo o site da Câmara dos Deputados, Mendonça Filho, aparentemente, não tenha qualquer experiência anterior com o campo educacional, uma vez que a sua formação profissional é de administrador. Segundo uma popular enciclopédia on line, ainda que careça de experiência na área, Mendonça Filho seria consultor da Fundação Lemann e da Unesco. Ademais, não localizamos o currículo do parlamentar na Plataforma Lattes.

    Para aqueles e aquelas que ainda tinham algum tipo de dúvida sobre quais são as suas intenções, o “pai” do Novo Ensino Médio afirmou logo após ter sido confirmado na relatoria do PL nº 5.230/2023, que “é possível aprimorar o legado de Temer com contribuições novas”. O que tem se desenhado é que Mendonça Filho não terá a função de analisar e acolher propostas que tenham com objetivo por fim ao caos em que se transformou o Ensino Médio brasileiro. Tampouco pretende ouvir docentes, estudantes, comunidade escolar, pesquisadores e militantes com histórico em favor da equidade e da qualidade na educação. Ao afirmar que o seu “norte” será o “legado de Temer”, Mendonça Filho deixa explicito não reconhecer que o “novo” Ensino Médio tem impacto no aumento das desigualdades sociais, ao impedir que milhões de jovens tenham se quer a possibilidade de sonhar com o ingresso no Ensino Superior. Ao invés disso, nos parece, que os ouvidos de Mendonça Filho estarão voltados para as mesmas vozes que possibilitaram a construção do “legado de Temer” no campo educacional, isto é, as Fundações Empresariais.

    Para que vocês tenham ideia do desastre em que se transformou o Ensino Médio brasileiro, nos dias 5 e 12 de novembro de 2023 ocorreram as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Neste ano, cerca de 3 milhões e 900 mil pessoas se inscreveram para fazer o exame que seleciona os estudantes que pretendem ingressar na maioria das instituições de Ensino Superior brasileiras. Ocorre que este número é menos que a metade das pessoas que se inscreveram nos anos de 2016 (8.681.686) e 2014 (8.722.283) e praticamente a metade de inscritos de 2015 (7.792.024). Ou seja, hoje se inscrevem no ENEM praticamente a metade dos(as) inscritos que haviam há uma década atrás, visto que em 2013 se inscreveram 7.153.577 pessoas.

    E porque o “legado” de Temer tem relação com a queda nos números de inscritos, ainda que proporcionalmente não tenha havido essa variação no quantitativo de estudantes do Ensino Médio? Dos cerca de 3 milhões candidatos(as) que compareceram nas provas do Enem em 2023, aqueles que estão concluindo o Ensino Médio simplesmente não tiveram aulas das disciplinas que têm seus conteúdos avaliados neste exame, ou seja: Arte, Biologia, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Espanhola, Química e Sociologia. Graças à reforma do Ensino Médio promovida por Mendonça Filho, com o apoio das Fundações Empresariais que agora cinicamente fingem não ter nada com isso, os(as) milhões de concluintes do Ensino Médio das escolas públicas do país passaram a ter como disciplinas obrigatórias somente Língua Inglesa, Língua Portuguesa e Matemática. Ou seja, enquanto nas escolas da rede privada de ensino os(as) estudantes continuavam a ser preparados(as) para cursar o ensino superior, bem como todos os demais objetivos que se esperam de uma educação de qualidade, nas escolas públicas, com a implementação do “novo” Ensino Médio, o ingresso em uma universidade é um “projeto de vida” cada vez mais distante.

    Se paira alguma dúvida, sobre o que está ocorrendo no campo educacional brasileiro, perguntem aos professores e professoras que estão no chão da sala de aula. Conversem com os estudantes, aqueles que as propagandas milionárias veiculadas pelo governo de Temer e Mendonça Filho diziam que teriam o direito de escolher os percursos formativos que desejassem. Busquem os trabalhos, artigos e entrevistas produzidos por pessoas comprometidas com uma educação pública e de qualidade para todas e todos. Garantimos que você tem mais chance de ganhar na Megasena da virada do que achar alguém deste grupo que seja favorável ao “novo” Ensino Médio. Sempre desconfiem daquelas pessoas que não tem formação na área da educação, mas que se intitulam especialistas, mesmo sem nunca ter entrado em uma sala de aula de escola pública ou até privada. Especialmente, desconfie de soluções fáceis e milagrosas. 

    Sou docente do chão da sala de aula, pesquisador do campo educacional, dirigente nacional de uma associação voltada para o ensino e afirmo que, a exceção daqueles que estão esfregando as mãos de olho nos bilhões de reais disponíveis para investimentos educacionais, ninguém bem intencionado pode defender o legado de uma reforma do ensino médio que exclui milhões de pessoas dos bancos escolares.

    Tenho plena consciência de que a economia é importante para o país, entretanto, o governo federal não pode priorizar a pauta econômica em detrimento de todas as demais, deixando à educação a sua própria sorte, ou melhor, na dependência do Centrão e das Fundações Educacionais. Se queremos um país desenvolvido, que gere empregos e renda, que se destaque internacionalmente como um importante ator, é imprescindível que o governo federal corrija os rumos no campo educacional. Perdemos muitos anos desde a implantação do novo Ensino Médio. Fomos perseguidos e achincalhados durante quatro anos e por isso não temos mais tempo a perder. Não foi para manter o “legado” de Temer no campo educacional que a comunidade educacional escolheu majoritariamente o projeto de Lula.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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