Repercussões na Argentina da visita de Lula à China
O encontro de Lula com Xi-jiping muda o panorama da América Latina
Lula com a sua visita à China define uma estratégia central do Brasil – que reassume seu status de colosso latino-americano – frente ao mundo. Apoia e impulsiona com todas as honras a unificação China-Rússia, instrumento político decisivo na conjuntura atual para a quebra da hegemonia do império norte-americano e dos seus aliados da Otan e do FMI.
Os efeitos na geopolítica global são esperançosos, num mundo convulso e debilitado pela guerra na Ucrânia, e a crise profunda do sistema capitalista com o consequente esvaziamento da moeda que o sustenta: o dólar furado, sem lastro, apoiado na indústria de guerra e na especulação financeira. Esse é um contexto real donde emerge a ideia de Lula e dos componentes do BRICS, por uma economia real e produtiva, comerciando bens industrializados, riquezas naturais através de moedas próprias, colocando no escanteio o dólar. Segundo o The Economist, o BRICS abarca 40% da população mundial, 20% do PIB e mais de um terço da produção mundial de cereais.
Na Argentina, a repercussão do encontro de Lula com Xi-Jiping, tem sido grande e aplaudida, sobretudo entre as forças políticas e midiáticas da Frente de Todos governista. De fato, tal acontecimento histórico, junto à posse de Dilma Rousseff na presidência do NBD do BRICS, consolidam o início de metas pré-anunciadas quando da presença-retorno do Brasil, com Lula, na recente VII Cúpula da CELAC em Buenos Aires.
Nessa ocasião Lula disse: “Nós vamos reconstruir aquela relação de paz, produtiva, avançada de dois países que nasceram para crescer e se desenvolver e gerar melhores condições de vida para o seu povo... Eu quero dizer para vocês com muito orgulho, que estou de volta para fazer bons acordos com a Argentina”. “Para compartir a construção do que falta ser construído. Para ajudar a Argentina e o Brasil crescerem economicamente. Que o nosso povo possa voltar a ter condições de ter moradia, para garantir que o nosso povo possa comer, pelo menos 3 vezes ao dia, voltar a estudar, a trabalhar e ter acesso à cultura”. Isso se reforça com o recente anúncio de Lula sobre a volta do Brasil à UNASUL (aquela criada na época de Hugo Chávez em 2008), desativada desde 2019, com a retirada da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Paraguai, por obra de governos reacionários de então.
A ideia sobre diminuir as negociações com o dólar, e estabelecer uma moeda comum (não única) já foi acenada na reunião bilateral entre os ministros da economia do Brasil (Fernando Haddad) e Argentina (Sérgio Massa). Na realidade, quando Cristina Kirchner, no seu discurso, em março, na Universidade de Viedma da província de Rio Negro, alertou sobre os estragos que a economia bi-monetária produz na Argentina, já questionava a hegemonia do dólar, em sintonia com o debate que se consolida na nova integração latino-americana através do BRICS; a ruptura com a dependência ao dólar é imprescindível para combater a inflação e os ditames das corporações financeiras (como o FMI) que impedem políticas públicas, Justiça verdadeira e Mídia independente.
Lula deixou claro, de Xangai a Pequim, sua condenação às políticas de dependência que exerce o FMI sobre os países a quem lhes faz empréstimos impagáveis como os contraídos pela Argentina na era Macri. Disse: “Não se pode estar asfixiando os países como está fazendo agora o FMI com a Argentina e como faziam com o Brasil e outros países”. ... Disse isso, no mesmo momento em que o presidente da economia, Sérgio Massa tentava negociar com Kristalina Georgieva, do FMI, novas metas para postergar o pagamento da dívida, com resultados pouco significativos, pois as regras impostas pelo FMI de redução do déficit fiscal não se alteram, mesmo considerando variáveis imprevistas para o devedor como o fator guerra, pandemia ou secura climática.
A dívida de 45 bilhões de dólares contraída por Macri para a sua campanha eleitoral (pouco antes da sua derrota em 2019), foi armada e prevista para ser escoada aos paraísos fiscais e para emperrar o governo peronista-kirchnerista vencedor, com ciência do FMI da impossibilidade de pagar uma dívida destas dimensões. Para ter-se uma ideia o capital do BRICS é de 100 bilhões de dólares, e só a dívida da Argentina com o FMI é cerca de 45 bilhões de dólares. “Nenhum governante pode governar com uma faca na garganta pelo fato do país ser devedor”. Assim, Lula na sua contundente exposição na reunião do BRICS em Xangai deixou clara a condenação ao FMI e apontou o BRICS como a saída para o desenvolvimento soberano dos seus países componentes. Lula apontou que o NBD pode se tornar o Banco do Sul Global.
Após o anúncio de Lula sobre o retorno do Brasil à UNASUL, a Argentina consolidou sua decisão de unir-se. A embaixadora brasileira Gisela Padovan da Secretaria para América Latina e Caribe, entregou a Carta de Ratificação do Tratado Constitutivo da UNASUL à embaixadora argentina, Luciana Tito, da Unidade de Gabinete de Assessores do Ministério das Relações Exteriores. Importante cenário que contrasta com a vinda da chefa do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, como parte das pressões e controles periódicos do “Norte” sobre a economia e a política argentina; seja para condicionar o governo atual, seja para estimular a oposição e o “lawfare”.
Num artigo de Vinicius Konchinski publicado no Brasil de Fato, cita-se o economista Miguel Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac): “especialmente no caso da Argentina, a instabilidade econômica tende a atrapalhar o avanço do comércio alheio ao dólar. O país sofre hoje índice de inflação crescente, o que significa que o peso argentino perde valor rapidamente. Fica mais difícil, portanto, fazer compensações com o real.”... “Brasil e China usarem moedas próprias como referência é normal. São moedas estáveis (real-yuan)”, disse ele. “Na Argentina, é mais complicado porque a moeda tem uma oscilação muito grande, inflação, etc.” Certamente, os ritmos e prazos não estão determinados apenas por fatores econômicos, mas por interesses e decisões políticas de poder e governos. Em outro contexto mundial (sem o mesmo protagonismo da China e Rússia), só foi Kadafi questionar a moeda “euro” para a Otan invadir e destruir a Líbia.
Este é um ano eleitoral na Argentina. A vice-presidenta Cristina Kirchner teve que desmentir mais uma fakenews e provocação do jornal Clarin. Negou haver solicitado uma reunião com a general norte-americana, Laura Richardson. O que houve foi o encontro oficial do Ministro da Defesa, Jorge Taiana, com a mesma. Não faltou uma Declaração de Repúdio à visita da general por parte de várias figuras políticas e representantes de organismos de Direitos Humanos e sindicais. Leiam.
De olho no lítio, no gás e no petróleo argentino, os EUA farão tudo para intrigar, debilitar o governo, frear o BRICS, as relações comerciais com a China, e a desdolarização proposta por Lula. Não é por acaso que o direitista Javier Milei aponta justo agora para a dolarização da economia em sua insustentável agenda eleitoral ultraneoliberal. A proposta desmedida de dolarizar um país sem reservas, serve para caotizar e agregar mais violência ao descontento social, entretendo com mais um show midiático, desviando do debate das soluções concretas e urgentes.
Mas, o encontro de Lula com Xi-jiping muda o panorama da América Latina
A viagem com a assinatura de 15 acordos China-Brasil e a participação de mais de 300 empresários brasileiros, além do acordo de reconhecimento de que Taiwan pertence à China tem um peso decisivo na geopolítica mundial, mas sobretudo no avanço do progresso industrial e tecnológico no Brasil, desde a Huawei, à exploração das energias renováveis. Imperdíveis do ponto de vista político, informativo e formativo, as declarações e entrevistas de Lula à imprensa chinesa e internacional. Tudo isto, abrindo alas à chegada do ministro da defesa russo, Lavrov, ao Brasil, e do convite de Putin a um encontro com Lula em Moscou. Outro capítulo do importante acordo em torno ao BRICS.
Lula, mesmo sem declarar identidades ideológicas políticas, reconhece e expõe ao mundo o desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural alcançado na China desde Mao-Tsé-Tung, estruturada num Estado socialista; não apenas como uma potência econômica competidora com os EUA, mas com estímulos humanistas opostos ao sistema capitalista, individualista e violento a que se estão reduzindo os EUA e seus satélites. A estes não lhes resta a guerra para tentar sobreviver. Mas, os esforços conjuntos de Lula e Xi-Jiping e vários países progressistas do mundo pela paz, indicam que a inteligência, a razão e a justiça social prevalecerão.
Os novos acordos na área da comunicação com a China, como relata Helio Doyle, presidente da EBC, são promissores. O presidente Lula voltou e iniciou seu governo para valer. Não serão poucos os opositores externos e internos. Mas, deu exemplos de ser um grande comunicador de massas. Certamente, deverá recuperar os meios públicos de comunicação (TVs e rádios), e seguir o exemplo de Lopez Obrador com seus avisos permanentes à cidadania em redes nacionais; acionar quadros políticos, funcionários públicos para trabalhar, narrar e conversar com o povo nos bairros, escolas e nos locais de trabalho; antes que as redes de internet e a “inteligência artificial” nos dominem. Oxalá, esse seja também o tema conversado com Lavrov e Putin.
Enquanto isso, na Argentina, no próximo dia 25 de maio, dia da revolução de maio (1810), prevê-se uma mobilização multitudinária de cunho nacional, com provável discurso central de Cristina Kirchner. Há alguns candidatos presidenciais representativos para as eleições primárias e internas da Frente de Todos, mas, a estas alturas, o maior desafio para o peronismo demonstrar que está vivo para vencer as eleições, é romper a proscrição de Cristina Kirchner e decidir livremente sobre sua candidatura presidencial, como estadista e líder central, decisiva para a continuidade do governo da Frente de Todos. A volta de Lula ao cenário latino-americano, com projetos de alta envergadura econômica através do BRICS já alenta grandes acordos comerciais entre os dois países, para tirar a Argentina do atoleiro do FMI e inspirar decisões mais soberanas do governo da Frente de Todos.
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