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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Réquiem para um Império: um prelúdio

    O império continuará a apodrecer inexoravelmente, um caso de péssimo gosto, sem qualquer pathos dramático ou estético digno de um Crepúsculo dos Deuses

    Joe Biden (Foto: Reuters)

    Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture

    Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

    Afligido por dissonância cognitiva de espectro total, o Império do Caos agora se comporta como um presidiário maníaco-depressivo depravado até a raiz dos cabelos – um destino mais pavoroso do que ter que enfrentar a revolta das satrapias.
    Hoje, apenas zumbis com morte cerebral ainda acreditam nessa auto-designada missão universal de ser a nova Roma e a nova Jerusalém. Não há cultura, economia nem geografia unificadas  que entreteçam o centro com toda uma paisagem política árida, ressecada, sufocando sob o sol abrasador do raciocínio apolíneo, desprovido de paixão, muito masculino e vazio de empatia humana".

    Guerreiros Frios sem noção ainda sonham com os dias em que o eixo Alemanha-Japão ameaçava dominar a Eurásia, e a Commonwealth comia poeira - oferecendo a Washington, que temia ser forçada a uma islandização, a oportunidade única de lucrar com a Segunda Guerra Mundial e proclamar a si mesma como uma mistura de Paradigma Mundial Supremo e de salvadora do "mundo livre".

    E então vieram os unilaterais anos 1990, quando, mais um vez, a auto-designada Cidade Luminosa sobre o Monte se esbaldava em celebrações baratas do "fim da história – da mesma forma que neocons tóxicos, gestados no período do entre-guerras pela cabala gnóstica do Trotskismo de Nova York, tramavam a tomada do poder.   

    Hoje, não se trata mais de Alemanha-Japão, mas do espectro de uma entente Rússia-China-Alemanha, que aterroriza o Hegêmona como o trio eurasiano capaz de mandar o domínio global dos Estados Unidos para a lata de lixo da história.  

    Entra em cena a "estratégia" americana. E, como seria de se esperar, ela é um prodígio de estreiteza mental, não aspirando sequer ao status de um - estéril - exercício em ironia ou desespero, originando-se, como de fato o faz, do medíocre Carnegie Endowment, com sede no Thinktankrow, situado entre os Círculos Dupont e Thomas, na Massachussets Avenue, no Distrito de Colúmbia. 

    Fazer a Política Externa dos Estados Unidos Funcionar Melhor para a Classe Média é uma espécie de  relatório bipartidário para orientar o atual e desnorteado governo do Boneco de Teste de Colisão. Um dos onze redatores do documento é ninguém menos que o Consultor para a Segurança Nacional Jake Sullivan. A ideia de que uma estratégia imperial global e - neste caso específico - uma classe média profundamente empobrecida e enraivecida compartilhem os mesmos interesses não se qualifica sequer como uma piada infame.

    Com "pensadores" como esses, o Hegêmona nem ao menos precisa de "ameaças" eurasianas.

    Quer levar  um papo com Mr. Kinzhal?

    Enquanto isso, em um script digno do Desolation Row de Dylan  reescrito pelos Três Patetas, os proverbiais chihuahuas atlanticistas estão delirando com o fato de o Pentágono ter ordenado a partição da OTAN: A Europa Ocidental irá conter a China e a Europa Oriental, a Rússia.

    Mas o que está de fato acontecendo nos corredores verdadeiramente importantes do poder europeu - não, baby, não se trata de Varsóvia - é que não apenas Berlim e Paris se recusam a antagonizar Pequim, mas também inventam maneiras de se aproximar de Moscou sem enraivecer o Hegêmona. 

    Bem, chega do Dividir para Dominar kissingeriano requentado em micro-ondas. Uma das poucas coisas que o notório criminoso de guerra realmente entendeu foi quando ele observou, logo após a implosão da URSS, que, sem a Europa, "os Estados Unidos se tornariam uma ilha distante da costa da Eurásia": eles viveriam "solitários, um país de menor estatura".   

    A vida é uma droga quando o almoço (global) de graça acabou, e ainda por cima, você tem que enfrentar não apenas a ascensão de um "par concorrente" na Eurásia (copyright Zbig "Grande Tabuleiro"  Brzezinski) mas uma parceria estratégica ampla. Você teme que a China esteja comendo seu almoço - e seu jantar, e também uma saideira - mas você ainda precisa de Moscou como seu inimigo favorito oficial, porque é isso que legitimiza a OTAN. 

    Chamem os Três Patetas! Vamos mandar os europeus patrulharem o Mar do Sul da China! Vamos fazer aquelas nulidades bálticas e aqueles patéticos poloneses recriarem a Nova Cortina de Ferro! E vamos convocar a russofóbica Britânia dominadora de ondas para atuar em ambas as frentes! 

    Controlem a Europa – ou fracassem. Daí o Bravo Mundo Novo da OTAN: o fardo do homem branco revisitado - desta vez contra a Rússia-China.

    Até agora, a Rússia-China vem exibindo uma infinita e taoísta paciência no trato com aqueles palhaços. Agora isso acabou.

    É óbvio que os principais atores do Heartland conseguiram enxergar através da névoa da propaganda imperial. Vai ser uma longa e sinuosa estrada, mas o horizonte, ao final, irá revelar uma aliança Alemanha-Rússia-China-Irã reequilibrando o tabuleiro global.  

    Esse é o supremo pesadelo imperial da Noite dos Mortos-Vivos - daí todos esses emissários subalternos correndo freneticamente entre múltiplas latitudes tentando fazer as satrapias andarem na linha.

    Enquanto isso, do outro lado da lagoa, a China-Rússia constrói submarinos como se não houvesse amanhã, equipados com mísseis estado-da-arte – e os Su-57s convidam os caras sensatos para uma conversa cara-a-cara com o hipersônico Mr. Kinzhal.

    Sergey Lavrov, como um Grand Seigneur aristocrata, deu-se ao trabalho de esclarecer a questão para os palhaços, colocando uma  dura e erudita distinção entre estado de direito e aquilo que eles definem como "ordem internacional baseada em regras".

    Mas isso é demais para seu QI coletivo. Talvez o que eles venham a registrar é que o Tratado Russo-Chinês de Boa-Vizinhança, Amizade e Cooperação, assinado inicialmente em 16 de julho de 2001, acaba de ser prorrogado por mais cinco anos pelos Presidentes Putin e Xi.

    Enquanto o Império do Caos vem aos poucos, mas inexoravelmente, sendo expulso do Heartland, a Rússia-China, conjuntamente, administra as questões centro-asiáticas.

    Na conferência sobre conectividade na Ásia Central e do Sul, realizada em Tashkent, Lavrov detalhou a maneira como a Rússia vem conduzindo a "Parceria da Grande Eurásia, um contorno unificador e integrativo entre os Oceanos Atlântico e Pacífico, tão livre quanto o possível para a movimentação de bens, capital, mão-de-obra e serviços, e aberta a todos os países do continente comum da Eurásia e das uniões de integração ali criadas".

    Há também a atualização da Estratégia de Segurança Nacional russa, que diz claramente que construir uma parceria com os Estados Unidos e alcançar uma cooperação vantajosa para todas as partes com a União Europeia é uma luta morro acima: "As contradições entre a Rússia e o Ocidente são graves e de difícil solução". Por outro lado, a cooperação estratégica com a China e a Índia será ampliada.

    Um terremoto geopolítico 

    Mas o divisor de águas geopolítico do segundo ano dos Frenéticos Anos Vinte talvez seja a China dizendo ao Império: "Basta".

    Tudo começou há mais de dois meses, em Anchorage, quando o formidável Yang Jiechi fez sopa de barbatana de tubarão da pobre e indefesa delegação americana. A peça de resistência veio esta semana em Tianjin, onde o Vice-Chanceler Xie Feng e seu chefe Wang Yi reduziram a medíocre burocrata imperial Wendy Sherman à condição de pastelzinho amanhecido.
    A cáustica análise elaborada por um think-tank chinês examinou cada um dos itens:

    • Os norte-americanos querem assegurar que "limites e fronteiras" sejam estabelecidos para evitar a deterioração das relações Estados Unidos-China, a fim de "gerir" responsavelmente a relação. Isso não funcionou porque seu enfoque era "terrível".  
    • "O Vice-Chanceler chinês Xie Feng acertou na mosca ao dizer que a tríade norte-americana de "competição, cooperação e confronto" é uma "venda de olhos" destinada a conter e eliminar a China. O confronto e a contenção são essenciais, a cooperação só existe quando conveniente a eles e a competição é uma cilada discursiva. Os Estados Unidos exigem cooperação quando precisam da China, mas nas áreas onde creem ter vantagem eles se desacoplam e cortam fornecimentos, bloqueiam e aplicam sanções, estando dispostos a se chocarem com a China e confrontá-la a fim de contê-la".  
    • Xie Feng "também apresentou aos Estados Unidos duas listas, uma delas com 16 itens pedindo aos norte-americanos que corrijam suas políticas, palavras e atos equivocados com relação à China, e uma outra lista de 10 casos prioritários de interesse da China (...)  se essas questões prejudiciais à China não forem sanadas pelo lado americano, sobre o que a China e os Estados Unidos haveriam de conversar? 
    • E então, o sorbet para acompanhar o cheesecake: os pontos principais apresentados por Wang Yi a Washington. Resumindo:
    1. "Os Estados Unidos não podem ameaçar, denegrir ou tentar subverter o caminho e o sistema socialistas com características chinesas. O caminho e o sistema chineses foram escolhidos pela história e pelo povo, e dizem respeito ao bem-estar de longo prazo de 1,4 bilhões de chineses e ao futuro destino da nação chinesa, que é o interesse fundamental ao qual a China deve aderir". 
    2. "Os Estados Unidos não podem tentar obstruir ou interromper o processo de desenvolvimento da China. O povo chinês, sem dúvida alguma, tem direito a uma vida melhor, e a China tem direito à modernização, que não é monopólio dos Estados Unidos, mas sim uma questão de consciência básica da humanidade e de justiça internacional. A China conclama os Estados Unidos  a rapidamente suspenderem todas as sanções unilaterais, as altas tarifas, a jurisdição de longo alcance e o bloqueio científico e tecnológico impostos à China". 
    3. "Os Estados Unidos não podem infringir a soberania nacional da China e muito menos ameaçar a integridade territorial chinesa. As questões relativas a Xinjiang, Tibé e Hong Kong não dizem respeito a direitos humanos ou a democracia, e sim aos principais acertos e erros da luta contra a "independência de Xinjiang", "a independência do Tibé" e a "independência de Hong Kong". Nenhum país permitirá que sua segurança soberana seja comprometida. Quanto à questão de Taiwan, trata-se de uma prioridade máxima (…) Se a "independência de Taiwan" for usada como provocação, a China tem o direito de tomar quaisquer medidas necessárias para contê-la". 

    Será que o Império do Caos irá registrar tudo o que foi dito acima? Claro que não. O império, portanto, continuará a apodrecer inexoravelmente, um caso de péssimo gosto sem qualquer pathos dramático ou estético digno de um Crepúsculo dos Deuses, mal merecendo um breve olhar dos Deuses, "onde eles sorriem em segredo, contemplando vastas terras/ Praga e fome, peste e terremoto, o rugir das profundezas e areias ardentes, e navios adernando e mãos em prece", como imortalizado por Tennyson. Mas o que realmente importa, em nosso mundo de realpolitik, é que Pequim não dá a mínima. A mensagem foi passada: "Os chineses há muito se fartaram da arrogância americana, e o tempo em que os Estados Unidos tentavam intimidar os chineses há muito terminou".

    Esse é o início de um bravo mundo novo geopolítico - e o prelúdio de um réquiem imperial. Muitos capítulos se seguirão.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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