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Alastair Crooke

Ex-diplomata britânico, fundador e diretor do Conflicts Forum.

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Revisionistas Sionistas desafiam os EUA a encerrar a sua pauta de Nakba

Os Estados Unidos estão presos. Os líderes no poder estão insatisfeitos, mas impotentes

A palestina Intisar Muhana, 97, que foi forçada a fugir da vila de al-Masmiyya durante a 'Nakba' na guerra em torno da independência de Israel em 1948 e cuja casa foi destruída em um ataque israelense em Gaza, senta-se em frente aos escombros de sua casa, na cidade de Gaza, 14 de maio de 2023 (Foto: REUTERS/Arafat Barbakh)

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Originalmente publicado por Strategic-Culture em 19 de agosto de 2024

Os israelenses têm estado profundamente divididos nos últimos anos, incapazes de formar algum consenso em torno de um governo. Após cinco eleições gerais, decidiram dispensar a equipe Lapid/Gantz e colocar uma nova coalizão – formada por Netanyahu e pequenos partidos supremacistas judeus – no poder.

No entanto, logo após a formação do novo governo, houve uma forte sensação de "arrependimento do comprador", com um segmento substancial de israelenses aparentemente dispostos a considerar quase qualquer coisa para derrubar o seu governo.

Manifestações têm ocorrido regularmente em todo Israel para evitar que o país se torne – nas palavras de um ex-diretor do Mossad – “um estado racista e violento que não pode sobreviver”.

Mas provavelmente já é tarde demais.

A maioria das pessoas fora de Israel tende a agrupar diferentes – e frequentemente opostas – visões sobre Israel, apenas através da perspectiva reducionista de ver todos esses diversos atores como sendo judeus e sionistas com nuances ligeiramente diferentes.

Eles não poderiam estar mais errados. Há uma divisão existencial; existem diversas formas de sionismo: as divisões vão ao cerne do que significa ser judeu. Benjamin Netanyahu é um ‘sionista revisionista’, ou seja, um seguidor de Vladimir Jabotinsky (para quem seu pai, Benzion Netanyahu, serviu como secretário particular): o ‘sionismo revisionista’ é o oposto polar do sionismo cultural do Congresso Judaico Mundial.

Quando jovem, Netanyahu professou que a Palestina é “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Consequentemente, ele era favorável à expulsão de todos os árabes ‘intrusos’ (como ele os via). Além disso, ele defendia a ideia de que o Estado de Israel se estende “do Nilo ao Eufrates”.

Contudo, durante seus 16 anos como primeiro-ministro, Netanyahu foi percebido como sendo um moderado (tornado-se mais pragmático), mas ainda assim ardiloso. Com o benefício da retrospectiva, talvez ele tenha simplesmente se adaptado aos tempos. Ou, possivelmente, ele estava praticando a ‘dupla-verdade’ straussiana – a prática que Leo Strauss ensinava a seus seguidores como o único meio de preservar o ‘verdadeiro’ judaísmo dentro do abrangente ethos ‘liberal-europeu’ (em grande parte ashquenazi). O ‘esoterismo’ de Strauss (derivado de Maimônides, o místico judeu primitivo), consistia em professar abertamente uma ‘coisa mundana’, enquanto internamente se preservava uma leitura esotérica completamente contrastante do mundo.

Para deixar claro: sionistas revisionistas (dos quais Netanyahu é um) incluem Menachem Begin e Ariel Sharon, que demonstraram do que eram capazes com a Nakba (a expulsão em massa dos palestinos) em 1948.

Netanyahu é dessa ‘linha’ – e assim também é uma facção dominante em Washington.

A ‘guerra’ com Washington, pós-7 de outubro

No início, Washington reagiu com apoio imediato e sem reflexão a Israel, vetando várias resoluções de cessar-fogo no Conselho de Segurança da ONU e fornecendo plenamente as necessidades militares de Israel para a destruição do enclave palestino em Gaza. Era impensável aos olhos do Establishment dos EUA fazer qualquer coisa além de apoiar Israel. A Superioridade Militar Qualitativa (QME) de Israel é consagrada como sendo uma das estruturas fundamentais que sustentam o frágil ramo sobre o qual repousa a hegemonia dos EUA.

Americanos comuns (e alguns no governo dos EUA), no entanto, estavam assistindo aos horrores do genocídio ‘ao vivo’ em seus celulares. O Partido Democrata começou a se fragmentar gravemente. Os ‘poderosos’ nos bastidores começaram a pressionar o gabinete de guerra israelense a negociar a libertação dos reféns israelenses e concluir um cessar-fogo em Gaza – esperando um retorno ao status quo ante.

Mas o governo de Netanyahu – de várias maneiras tautológicas – disse ‘não’, explorando sem vergonha o trauma de 7 de outubro de seus cidadãos, para afirmar a necessidade de destruir o Hamas.

Washington, de forma algo tardia, passou a entender que 7 de outubro era agora o pretexto para os seguidores de Jabotinsky fazerem o que sempre quiseram fazer: expulsar os palestinos da Palestina.

A mensagem israelense foi perfeitamente ‘recebida e compreendida’ pelos estratos governantes de Washington: os sionistas revisionistas (que representam cerca de 2 milhões de israelenses) pretendiam cinicamente impor a sua vontade aos anglo-saxões; ameaçá-los com a ignição de uma guerra com o mundo, na qual os EUA se ‘queimariam’: Eles não hesitariam em mergulhar os EUA em uma grande guerra regional, caso a Casa Branca tentasse minar o projeto neo-Nakba.

Apesar do apoio absoluto que Israel tem em Washington, parece que a classe dominante estadunidense decidiu que o ultimato da estratégia revisionista não poderia ser tolerado. Uma eleição crucial nos EUA estava em andamento. O poder brando dos EUA ao redor do mundo estava desmoronando. Qualquer pessoa ao redor do globo assistindo aos eventos compreendia que matar 40.000+ pessoas inocentes nada tinha a ver com eliminar o Hamas.

Compreendendo o Contexto

Para entender a natureza dessa guerra oculta entre os sionistas revisionistas e Washington, é necessário revisitar Leo Strauss, um judeu alemão, que deixou a Alemanha em 1932 sob os auspícios de uma bolsa da Fundação Rockefeller, finalmente chegando aos EUA em 1938.

A questão aqui é que as ideias em jogo nessa luta ideológica não se referem apenas aos israelenses e palestinos. Elas tratam de controle e poder. A essência da agenda do atual governo israelense – particularmente sua controversa Reforma Legal – são puras derivações de Leo Strauss.

A preocupação entre os governantes dos EUA era que a agenda de Netanyahu estava se tornando um exercício de poder puramente straussiano – às custas do poder secular estadunidense.

Isso significa que as noções revisionistas são compartilhadas pelo grupo influente de estadunidenses formado em torno desse Professor de Filosofia – Leo Strauss – na Universidade de Chicago. Muitos relatos afirmam que ele formou um pequeno grupo interno de estudantes judeus fiéis, aos quais dava instruções orais privadas: O sentido esotérico da política girava, segundo boatos, em torno da afirmação da hegemonia política como meio de proteger contra uma nova Shoah (holocausto).

O cerne do pensamento de Strauss – o tema ao qual ele retornava repetidamente – é o que ele chamou de a curiosa polaridade entre Jerusalém e Atenas. O que esses dois nomes significavam? Na superfície, parece que Jerusalém e Atenas representam dois códigos ou modos de vida fundamentalmente diferentes, até mesmo antagônicos.

A Bíblia, argumentava Strauss, não se apresenta como uma filosofia ou uma ciência, mas como um código de leis; uma lei divina imutável que ordena como devemos viver. Na verdade, os primeiros cinco livros da Bíblia são conhecidos na tradição judaica como a Torá e ‘Torá’ é talvez mais literalmente traduzido como ‘Lei’. A atitude ensinada pela Bíblia não é de auto-reflexão ou exame crítico – mas de obediência absoluta, fé e confiança na Revelação. Se o ateniense paradigmático é Sócrates, a figura bíblica paradigmática é Abraão e o Akedá (o sacrifício de Isaac), que está preparado para sacrificar seu filho por um comando divino ininteligível.

‘Sim’, a democracia liberal ocidental trouxe igualdade civil, tolerância e o fim das piores formas de perseguição. No entanto, ao mesmo tempo, o liberalismo exigiu do judaísmo – assim como de todas as religiões – a privatização da crença, a transformação da lei judaica de uma autoridade comunitária para os domínios da consciência individual. O resultado, segundo Strauss analisou, foi uma bênção mista.

O princípio liberal da separação entre Estado e sociedade, da vida pública e da crença privada, não poderia deixar de resultar na “protestantização” do judaísmo, ele sugeriu.

Para ser claro: esses dois modos de vida antagônicos expressam pontos de vista morais e políticos fundamentalmente diferentes. Essa é a essência do que divide os dois ‘campos’ que habitam Israel hoje: o ‘judaísmo cultural’ democrático versus o judaísmo da fé e obediência à Revelação divina.

Montando uma Armadilha para os EUA

Os straussianos dos EUA começaram a formar um grupo político há meio século, em 1972. Eles eram todos membros da equipe do senador democrata Henry “Scoop” Jackson e incluíam Elliott Abrams, Richard Perle e David Wurmser. Em 1996, esse trio de straussianos escreveu um estudo para o novo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Esse relatório (a Estratégia Clean Break) defendia a eliminação de Yasser Arafat; a anexação dos territórios palestinos; uma guerra contra o Iraque e a transferência dos palestinos para lá. Netanyahu era muito próximo desse círculo.

A Estratégia foi inspirada não apenas pelas teorias políticas de Leo Strauss, mas também por outro filósofo judeu, o professor de Yale Donald Kagan, que exortou repetidamente os EUA a abandonarem a ONU e adotarem um caminho imperialista no Oriente Médio.

Washington, no entanto, estava ficando nervosa com o fato de que esses neo-conservadores, como parte de um plano maior, estavam começando a manipular a Casa Branca para provocar uma guerra maior no Oriente Médio. A equipe de Strauss na Casa Branca não estava interessada em paz. Eles estavam comprometidos com o poder global.

E a questão crucial era o uso de Israel como ferramenta para “reformatar” o Oriente Médio, o que envolveria a destruição da Síria, do Líbano, do Iraque e, finalmente, do Irã. Isso era uma espécie de reconfiguração geopolítica revolucionária – e foi em grande parte o que desencadeou a guerra no Iraque.

Strauss acreditava que as massas poderiam ser manipuladas por um pequeno grupo de elites esotéricas. Portanto, ele justificava o uso de mentiras “nobres” para guiar a sociedade. Nesse caso, os straussianos justificaram a invasão do Iraque em 2003 com base em falsas alegações de armas de destruição em massa – uma mentira que foi usada para iniciar a guerra. Na perspectiva dos straussianos, essas mentiras eram nobres porque serviam a um propósito maior: preservar a segurança de Israel e proteger os judeus.

E agora, parece que Netanyahu e os straussianos nos EUA estão voltando a essa mesma estratégia, usando o “trauma” de 7 de outubro como um pretexto para uma nova Nakba.

O problema é que o mundo mudou. Washington percebeu que não pode mais dominar o mundo com essas mentiras e guerras intermináveis. Os estadunidenses comuns estão fartos de guerras externas e querem resolver os problemas em casa. Além disso, o poder militar e econômico dos EUA está em declínio.

E agora, as ações do governo de Netanyahu estão empurrando Washington para uma encruzilhada perigosa: ceder à estratégia dos revisionistas israelenses ou enfrentar uma guerra regional com potencial de envolver potências globais como a Rússia e a China. A situação é tão volátil que Washington está cada vez mais ciente de que precisa “puxar o plugue” nessa pauta de guerra, ou correr o risco de perder o controle sobre o Oriente Médio e ver a sua hegemonia global despedaçada.

Conclusão: Netanyahu e a sua coalizão de extremistas revisionistas estão praticando um jogo perigoso, manipulando tanto os EUA quanto o mundo, enquanto buscam implementar um projeto de "Grande Israel". A elite governante em Washington começa a perceber que seu tradicional apoio incondicional a Israel está sendo explorado por uma pauta que poderia arrastar os EUA para uma guerra devastadora e prejudicar ainda mais a sua posição no mundo.

No entanto, cortar os laços com Israel não é uma decisão simples. Israel, através de décadas de alianças estratégicas, conseguiu entrelaçar seu destino com o poder dos EUA. Romper esse vínculo pode ser mais do que Washington está disposto a fazer – mesmo que o custo seja a escalada para um conflito global.

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