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    Ricardo Nêggo Tom

    Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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    Robinho, o seguidor de Cristo, e a igreja evangélica como abrigo de criminosos

    'O deus de muitos evangélicos perdoa assassinos e estupradores, mas joga no inferno esquerdistas, homossexuais e ateus', escreve o colunista Nêggo Tom

    Atacante Robinho (Foto: REUTERS/Toru Hanai)

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    Há um bom tempo, estávamos eu, um primo que hoje é bolsonarista e eu não faço questão de manter contato, e um pastor evangélico que havia fixado sua empresa da fé naquele bairro. Os dois já se conheciam e eu tinha ido visitar uma tia que morava na localidade. Fui apresentado ao pastor por esse primo e a conversa começou a fluir entre os dois. Eu me mantinha mais como ouvinte, afinal, não tinha nenhuma intimidade com o sujeito e logo perceberia que não gostaria de ter. Apontando para um terreno que havia acabado de comprar para ampliar o que ele chamava de “ministério”, o tal pastor se regozijava em ser um ganhador de almas para Jesus. Dentre essas almas, incluía-se a de um homem que, segundo o empresário da fé, já havia matado mais de 30 pessoas. Confesso que não acreditei nos números apresentados, mas em se tratando de milagres produzidos pelas mãos de alguns estelionatários da fé, nada seria impossível.

    Apesar do histórico criminoso de sua mais nova ovelha, o pastor se orgulhava por ele ter sido "transformado por Jesus" em uma nova criatura, após ter se convertido em sua igreja. Embora, segundo palavras do próprio pastor, o tal sujeito precisasse estar sob constante vigilância porque chegou a confessar que sentia prazer quando matava pessoas. A minha vontade foi rebater o “ungido de Deus” e perguntá-lo se a sua igreja era casa de detenção ou manicômio judiciário. Mas optei por pedir licença e me retirar da presença de ambos. Durante um longo período essa história não me saía da cabeça e eu ficava remoendo o fato de não ter denunciado o assassino convertido e a cumplicidade do pastor salvador, uma vez que, de acordo com os fatos narrados, o homem nunca tinha sido preso pelos homicídios cometidos. O que, na opinião do pastor, significava que Jesus tinha um propósito de restauração para a vida daquele assassino que havia deixado dezenas de vidas sem nenhum propósito.

    Ao acessar o perfil de Robinho nas redes sociais, me deparo com uma frase que me fez evocar essa história. Lá está escrito: “Seguidor de Cristo”, além de diversas postagens de cunho religioso onde ele manifesta publicamente a sua fé em Jesus e a sua defesa à família tradicional. Robinho foi uma grande decepção para este amante do futebol que vos escreve. Devo confessar que jamais imaginaria que ele pudesse se envolver em um crime de estupro, com requintes de deboche e sadismo, conforme se revelou nas gravações feitas pela polícia italiana que o grampeou durante um bom tempo e pode obter a sua confissão de participação no crime em conversas com os seus cúmplices. Eu não estou aqui para julgar criminalmente o Robinho, até porque, a justiça italiana já o fez e o condenou em três instâncias, nem para questionar o seu amor à Cristo, mesmo sabendo que Jesus não estaria ao seu lado naquela boate onde ele e seus amigos estupraram uma mulher embriagada. Porém, sugiro uma reflexão sobre o deus que muitos ditos cristãos adoram e dizem ser o único, verdadeiro e que está acima de tudo e de todos.

    É bem provável que o deus de Robinho seja o mesmo de Silas Malafaia, Michelle Bolsonaro, Damares Alves e caterva ilimitada. Não por coincidência, o ex-jogador é bolsonarista, defensor da pauta de costumes e ferrenho detrator do feminismo, da esquerda, da Rede Globo e de outros bichos papões que “ameaçam” o reinado do deus que eles seguem. Um deus que nem deve ser tão poderoso assim, já que se dói tanto com a indiferença das pessoas que não lhe prestam culto. Esse mesmo deus que abomina comunistas, esquerdistas, feministas, homossexuais, fiéis de outras matrizes religiosas, apreciadores de bebidas alcoólicas e “mundanos” em geral, é capaz de perdoar assassinos e estupradores com todo amor e acolhimento, e ainda transformá-los em grandes pregadores da sua palavra. Basta aceitá-lo como senhor e salvador de sua vida, e a mágica acontece. Foi assim com o apóstolo Paulo, com Guilherme de Pádua e agora com Robinho. Ah! Já ia me esquecendo de que Daniel Alves também professa Jesus Cristo como senhor de sua vida e sua mãe entregou o estupro que ele cometeu nas mãos da justiça divina. A julgar pela jurisprudência do deus que eles seguem, as chances de absolvição são grandes.

    Desde que o homem criou um deus à imagem e semelhança de suas idiossincrasias, o mundo virou um inferno. É deus de Moisés, é deus de Abraão, é deus de Constantino, é deus de Lutero, é deus de Malafaia, é deus de Robinho e lá vai “Deus” descendo a ladeira a cada personalização da sua existência. Só um Deus de muito amor para não exterminar um a um dessa corja que vilipendia o seu nome e faz com que muitos deixem de crer na sua existência. Esses “evangélicos” ainda se sentem no direito de invocar a ira do seu deus contra aqueles que criticam os seus comportamentos criminosos, a pretexto de não pertencerem eles a esse mundo de trevas, e estarem acima do bem e do mal por serem membros de uma casta religiosa. Ainda que façam mal contra o seu próximo, o inferno são os outros. Sartre explica. São impiedosos ao desejarem um “castigo divino” para quem contesta as suas afirmações e desnuda a hipocrisia contida dentro deles. São céleres para jogar alguém no inferno apenas por não se verem refletidos no espelho da alma do outro. Isso é ter amor dentro de si? Isso é ter Jesus como guia de suas ações?

    A igreja cristã sempre foi um berço para o descanso de criminosos supostamente arrependidos e que se transformam em perseguidores das liberdades individuais após terem sido “restaurados” na fé. São fiéis seguidores do apóstolo Paulo que, após ter matado dezenas de cristãos, conforme a própria Bíblia relata, aceitou Jesus e saiu pelo mundo distribuindo conselhos, dando lição de moral em nome de Deus e se auto proclamando perdoado pelos crimes que cometeu apenas por ter se convertido à fé cristã. E quando a esquerda apresenta pastores e padres que socializam as palavras do “apóstolo” em questão, ela não se difere dos fundamentalistas. Isto porque todo aquele que tem a Bíblia como a palavra de Deus e uma verdade absoluta e inquestionável, é fundamentalista e ignora a realidade dos fatos ao seu redor. Uma realidade que não mostra a intervenção de Deus diante das injustiças sociais, mas a tentativa de ingerência do deus de cada um sobre as ações do Estado. Quando se diz que Deus está no controle de tudo, atribuímos a ele todas as injustiças, preconceitos e maldades cometidas pelos seres humanos contra os seus iguais, sob o livre arbítrio que lhes foi dado. E isso deveria ser considerado pecado grave e sem perdão.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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