Rock brasileiro e o rebel money
Esse é um fenômeno que se tornou comum nos últimos anos
Você já se deparou, alguma vez com o seguinte caso: um cantor ou músico de rock, que fez sucesso nos anos 70, 80, 90, etc, que cantava e tocava músicas progressistas, que abordavam contra o conservadorismo, racismo, violência contra os pobres, machismo, etc e que, depois de tantos anos, essa mesma pessoa passa a ter um discurso totalmente contrário a aquilo que se falava nas letras das suas músicas?
Esse é um fenômeno que se tornou comum nos últimos anos. Em um dos meus textos, eu falo sobre isso, especificamente do caso da banda estadunidense System Of A Down e seu baterista John Dolmayan. Por lá, há vários tipos similares: Dave Mustaine, Joe Perry, Alice Cooper, Kid Rock, etc. Pessoas que falavam sobre sexo e drogas, e hoje se tornaram castos e a favor da repressão estatal contra as drogas. Artistas que criticavam o machismo e o conservadorismo, e hoje apoiam políticas públicas contra as mulheres e políticos de extrema direita. Roqueiros que apoiam movimentos neopentecostais que são contra o rock e o heavy metal, por serem “coisa do demo”. Mas nesse texto vamos falar sobre os casos brasileiros.
O que podemos dizer de canções dos anos 80, como por exemplo, as clássicas “Inútil” e “Ciúme”, da banda paulistana Ultraje à Rigor? A primeira era uma crítica ao fracasso das Diretas Já, quando o povo brasileiro foi impedido de votar para candidatos a presidente, com a queda da Ditadura Militar de 64. A letra é uma ironia, dando a entender que os políticos que estavam no poder, na época, não achavam o eleitor tão inteligente o bastante, a ponto de saber votar, portanto, a primeira eleição pra presidente da república foi indireta, ignorando os anseios da população; somos tão inúteis que, sequer conseguimos fazer algo como escolher um candidato. A segunda canção é uma crítica ao comportamento machista e tóxico dos homens, em relação à liberdade das mulheres, mostrando como os homens tratam as mulheres como uma espécie de propriedade, um objeto de poder. A própria letra diz: “Não ser machista e não bancar o possessivo. Ser mais seguro e não ser tão impulsivo”.
Também temos mais exemplos, como a canção “Revanche” do cantor e compositor Lobão. Na letra encontramos a seguinte frase: “A favela é a nova senzala, correntes da velha tribo. E a sala é a nova cela, prisioneiros nas grades do vídeo”. Uma música que poderia ser perfeitamente utilizada em uma aula sobre marxismo e a critica as novas formas de escravidão do sistema capitalista, e o fetichismo da tv. Além disso, no álbum “O Rock Errou”, que essa canção faz parte, também tem uma participação da cantora Elza Soares, na canção “A Voz da Razão”. Todos sabem que a cantora também era ativista contra o racismo e a criminalização da pobreza, tendo como o seu grande sucesso de todos os tempos, a canção “A Carne”.
Mas quem poderia imaginar que artistas como esses, desde Lobão à Roger, seriam anos depois porta-vozes do neo fascismo brasileiro? Se eles tivessem morrido ainda nos anos 90, seriam eternizados como roqueiros que defendiam os fracos e oprimidos, mas depois de velhos se tornaram os propagadores da política contra esses mesmos fracos e oprimidos que eles supostamente defendiam no passado.
Conversando informalmente com um desenhista e escritor que conheci na internet, Renan Lima, sobre essa situação atual, da decadência moral do rock, e falando a respeito do termo utilizado na música pop, pink money, que configura as músicas caça níquel voltado para o público lgbt, ele citou um termo, o rebel money, para se referir a músicas caça níquel do rock, para o público de esquerda e progressistas em geral. Como ele disse na nossa conversa: “o rock nunca ficou famoso pregando valores comportamentais conservadores e tradicionalistas de direita, nem mesmo de forma velada.” Então, obviamente, ninguém que fosse de direita e simpatizante de Hitler jamais iria se expor e compor músicas com temáticas dessa natureza. Pensando primeiramente nos lucros, e em conseguir o máximo de público, essas pessoas se adaptaram rapidamente a filosofia do rock, que é, e sempre foi, a crítica ao status quo e ao capitalismo. Mas depois de ficarem ricos e não precisarem mais da música para viverem, e se aproveitando do momento propício, permitem que suas máscaras caiam, se sentem mais a vontade de se mostrar, de expressarem suas essências, a ideologia que eles carregam de fato dentro dos seus corações. Suas músicas já estão na boca do povo, tocam no rádio e estão estouradas na internet. Não precisam mais fingir que são bons moços rebeldes. Eles fazem parte do sistema que eles criticavam no passado. Agora a mentira desaparece.
Não há surpresas sobre as tais mudanças de comportamento e discurso desses artistas, em relação ao que eles cantavam e diziam no passado. Eles sempre foram assim. Apenas as condições econômicas e culturais mudaram: econômicas, porque eles agora têm dinheiro. Culturais porque agora eles têm um líder e um movimento para se agarrarem. Eles não tinham nenhuma dessas duas coisas antes. Agora têm, e a verdade se impõe. Não existem inocentes, apenas ingênuos. Eu não quero revanche, apenas quero expressar o que eu penso, até porque não sou inútil.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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