Rosa e Rosinha, sátira ao conservadorismo, antes da internet
Vida longa aos artistas que expõem e destroem as estruturas do status quo conservador
Atualmente relacionado ao conservadorismo bolsonarista, o sertanejo já esteve ligado da mesma forma à Fernando Collor, no início dos anos 90, mantendo essa simbiose com o agro negócio desde então, atingindo picos nos últimos anos, com o aumento da influência das igrejas neo pentecostais.
Críticas, zoeiras, sátiras contra essa onda neo conservadora na internet são comuns hoje em dia. É até fácil e normal ser do contra, usufruindo das possibilidades de anonimato das redes sociais, ou da criação de nichos para se conseguir um público qualificado para se comunicar de um modo seguro. No fim das contas, basta bloquear algum troll ou restringir sua rede social para quem você permitir que deve lhe seguir. Mas, e quando não havia esses mecanismos de defesa contra os ataques daqueles que não aceitam oposições? E o pior: ser a oposição dentro do ambiente de controle do opositor. Foi nesse contexto que surgiu a dupla sertaneja de humor, Rosa e Rosinha.
Eles não eram uma mera dupla que se valiam da comédia para se destacarem em meio a uma enxurrada de artistas (enxurrada essa que só aumentou com o advento da internet). Na verdade, nem era necessário dizer uma única palavra, ou cantar uma única música. Basta olhar pra eles. Uma dupla sertaneja que se vestem de rosa e possuem trejeitos afeminados. Mas, e daí? Personagens gays estereotipados na comédia eram frequentes na TV. Vera Verão (A Praça é Nossa), Painho (personagem de Chico Anysio como pai de santo), Seu Peru (Escolinha do Professor Raimundo), etc. Mas quem teria coragem de fazer uma desconstrução de um símbolo do macho malvadão, conservador, interiorano, rústico, de maneira humorística, e mais ainda, dentro do ecossistema desse mesmo símbolo?
Não foi por acaso que a dupla se separou em 2021, em pleno governo neo fascista, que tinha como uma de suas plataformas de governo, a perseguição aos LGBTQIA+. E também, não foi por acaso que eles voltaram a ativa em 2023, com o retorno de Lula à presidência. Mas isso não deve servir como um argumento de que as coisas eram fáceis antigamente e difíceis agora. As dificuldades sempre existiram. Se os atores Jorge Lafond, Chico Anysio, Orlando Drummond com seus respectivos personagens, citados acima, sofriam perseguições, mesmo mantendo a coerência da sátira ao âmbito das profissões que são comuns a presença de homoafetivos, o que dirá da dupla Rosa e Rosinha que faziam a mesma coisa dentro de um terreno hostil aos gays. Como diz o tosco ditado: “estavam pedindo pra apanhar”.
José Renato Castro e Daniel Cardamone Sanchez não saíram de nenhum coletivo do PSOL em alguma faculdade do Rio de Janeiro. Eles nasceram em Jau, interior de São Paulo e começaram a carreira como cantores de banda baile e formaram a dupla em 1993, lançando o primeiro cd em 1996. Os programas e canais onde eles mais apareciam, não tinham e nem tem um caráter, aparentemente progressista, em termos de costumes. Mas, lá estavam eles. As galinhas debochando das raposas, dentro da toca das raposas.
Talvez pelo fato dos anos 1990, até aquele momento possuírem resquícios da péssima imagem da direita, causada pela Ditadura Militar, e a hiper inflação desencadeada por ela, e pelo impeachment de Collor, juntamente com o congelamento da poupança, fizeram com que os conservadores não possuíssem força para iniciar uma cruzada contra a dupla, não dispondo da cartada da “defesa da família”, método recorrente nos tempos atuais.
Não posso dizer como era ou é nos bastidores da carreira de Rosa e Rosinha, nem se eles sofreram ou não perseguições. Por eles serem héteros e casados, é possível que tenham sofrido, ao menos, desaprovações dentro de suas famílias. Também não sou porta voz, no sentido de conceituar ou especular o significado da existência da dupla no campo antropológico, político e social. Mas, enquanto cidadão, artista e público, posso dizer que eles fizeram com que, nós que éramos crianças e adolescentes na última década do século XX, aprimorássemos nossas habilidades de reflexão e crítica, para entendermos que a homossexualidade, diferentemente do que dizem seus antagonistas, não é uma doença, sem falta de Deus, nem aberração, nem malefício. O que as escolas e adultos da época, não fizeram no sentido de nos educar, em aceitarmos “o diferente”, artistas como Rosa e Rosinha fizeram, mesmo que isso não fossem a suas intenções.
Vida longa aos artistas que expõem e destroem as estruturas do status quo conservador.
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