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    Paulo Henrique Arantes

    Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/

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    Rubens Paiva e o 8 de Janeiro: o que a vida quer é memória

    Negar a verdade - e disseminar mentiras - é a estratégia central da direita que até hoje se exibe saudosa da ditadura

    Rubens Paiva

    Os brasileiros politizados já conheciam o caso de Rubens Paiva, uma das muitas vítimas fatais da ditadura civil-militar que oprimiu o país por 21 anos. Os mais acurados até já sabiam da perseverança de Eunice, sua mulher. Pouca gente, registre-se. O filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, e sua excepcional repercussão mundial, culminada na conquista do Globo de Ouro por Fernanda Torres, trazem não só o caso específico, mas o terrorismo de Estado daquele período ao patamar da consciência coletiva.

    Negar a verdade - e disseminar mentiras - é a estratégia central da direita que até hoje se exibe saudosa da ditadura. Essa gente não pode mais enganar os incautos, tentando caracterizar os Anos de Chumbo como uma “guerra” entre patriotas e comunistas.  Não é a esquerda nacional que aplaude “Ainda Estou Aqui” - é o mundo. A arte faz o que os livros de História não conseguiram fazer, traduzindo em linguagem cinematográfica uma de muitas tragédias familiares causadas pela repressão.

    A Lei da Anistia, de 1979, serviu para que importantes personagens da política e da intelectualidade brasileiras fossem libertados ou voltassem ao país. Paralelamente, livrou sequestradores, torturadores e assassinos das garras da lei. A contribuição da anistia de 1979 para o apagamento da memória foi gigantesca, por isso cogitar anistia para os golpistas de 8 de janeiro de 2023 é uma conspiração contra a História, além de uma bobagem jurídica.

    Em 2010, o Supremo Tribunal Federal revisou a Lei da Anistia, mantendo-a. O ministro-revisor foi Eros Grau, antes preso e torturado pela ditadura. Grau votou pela manutenção da norma, frustrando os defensores da tese de que certos crimes não podem ficar impunes. A justificava do ministro, feita a este jornalista numa entrevista em 2017, foi frustrante: “Minhas razões foram basicamente as seguintes. O que diz a lei? A lei concede anistia ampla, geral e irrestrita. Isso é constitucional? Sim. Um juiz aplica a lei. Se eu pudesse, ou lá estivesse não como juiz mas como cidadão, eu diria: ‘Não dá para dar anistia para os torturadores’. Acontece que a lei deu, e eu não posso ir além da lei”.

    Eros Grau esqueceu-se de que certas leis podem conter princípios desumanos, como as leis do Terceiro Reich nazista, e portanto devem ser reescritas. O Supremo poderia ter dado uma enorme contribuição à História e à memória em 2010, mas não o fez.

    Em nome da memória e para que a História não seja escrita por linhas tortas, é fundamental que o 8 de Janeiro entre definitivamente no calendário de datas comemorativas nacionais. Primeiro, pelo fato de a democracia ter prevalecido naquele dia; segundo, para que tentativas semelhantes não se repitam.

    O esforço para destruir uma democracia edificada com sangue, suor e lágrimas tem sido grande. Inicialmente personificada em Jair Bolsonaro, essa luta reacionária tem novos paladinos, gente de um descompromisso social absoluto, dona de sucesso pessoal efêmero e alcançado por vias despudoradas, quando não ilegais. O campo político que acena com apoio a candidaturas como a de Gusttavo Lima, apesar da pose “moderninha”, liga-se umbilicalmente a um passado que não pode ser esquecido nem repetido.

    Guimarães Rosa disse que o que a vida quer é coragem. Certamente, ela quer a coragem de não se apagar a memória.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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