Rumo à Terceira Guerra Mundial?
Dois artigos fundamentais alertam para os riscos de uma guerra nuclear que representam a expansão da OTAN rumo às fronteiras da Rússia e a aliança desta com a China. Chuck Hagel, ex-Secretário de Defesa do Obama, alertou: 'Os russos irão responder. Eu não estou seguro quanto aonde isso vai nos levar'
Há dois crimes contra a humanidade em curso: 1) os governantes do Ocidente (capitaneados pelos Estados Unidos, óbvio) decidiram “enquadrar” a Rússia e a China, porque não admitem a existência de projetos nacionais soberanos e autônomos, e também porque não admitem que tais projetos possam ameaçar a hegemonia do capitalismo financeiro baseado no dólar; e 2) toda a imprensa do Ocidente silencia quanto a isso, retendo as populações ignorantes quanto ao crescente risco de guerra (que possivelmente será nuclear).
Fato é que Rússia e China não somente resolveram “pagar para ver” como aliaram-se. Os americanos reagem a isso do único jeito que sabem: falando cada vez mais grosso. Se não houver um basta a esse processo de escalada, a guerra é tão somente questão de tempo.
Segue-se a tradução de dois artigos recentes:“Encruzilhada Perigosa” e “A Escalada de uma Nova Guerra Fria”, buscando alertar a opinião pública brasileira a respeito. Ainda mais recentes, os leitores podem acessar outros artigos, em inglês, aqui, aqui e aqui e, em português, aqui, aqui e aqui.
Encruzilhada perigosa: “Essa não éuma nova Guerra Fria… ninguém vai vencer a Terceira Guerra Mundial”
Entrevista com Michel Chossuodovsky
Publicada em 11/04/2016 em Global Research
A Rússia insiste que suas relações com a OTAN não vão melhorar a menos que a aliança militar ocidental adote uma nova política em relação à Rússia.
O enviado russo à OTAN, Alexander Grushko, diz que ninguém deve esperar um avanço nas relações diplomáticas quando os representantes dos dois lados se encontrarem em Bruxelas no final do mês. Será o primeiro encontro desse tipo desde a crise da Ucrânia.
A data do encontro ainda não foi divulgada, mas a agenda inclui a implementação do acordo de cessar-fogo na Ucrânia conhecido como “Minsk-2”, as atividades militares da OTAN e o Afeganistão [nota do tradutor: a reunião aconteceu em 20 de abril e, como previsto, não resultou em nada prático].
A aliança militar ocidental deixou claro que qualquer reunião com a Rússia terá que abordar o conflito entre as forças governamentais ucranianas e os combatentes pró-russos no leste daquele país.
Press TV entrevistou Michel Chossudovsky, membro do Centro para Pesquisas sobre a Globalização e autor do livro “A Globalização da Guerra: A Longa Guerra da América contra a Humanidade”, para discutir as relações entre a Rússia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Link para o vídeo da entrevista (em inglês).
Press TV: Na sua opinião, e dada a sua extensa pesquisa nesse tema, qual é o coração do problema?
Chossudovsky: Bem, o coração do problema é que nós nos encontramos numa encruzilhada perigosa em termos das relações geopolíticas estratégicas e, claro, em termos das guerras, e que isso não é o que nós poderíamos descrever como sendo uma nova Guerra Fria, porque a Guerra Fria tinha algumas salvaguardas quanto a armas nucleares. Havia diálogo, havia consultas, mas isso que vem acontecendo nos últimos anos é um colapso da comunicação, da comunicação Leste-Oeste. Isso vem acoplado com o que nós poderíamos descrever como a globalização da OTAN. Em outras palavras, a OTAN está estendendo suas pinças para além da assim chamada região atlântica. Ela tem uma agenda militar que é de conquista, ela se declara uma aliança defensiva, mas suas ações nas fronteiras da Rússia são de fato de natureza agressiva, e nós temos várias áreas de confrontação potencial que não se limitam à Ucrânia.
Nós temos agora a questão a sudeste da Europa com a confrontação entre Armênia e Azerbaijão, o que também fica na antessala da Rússia, nós temos a questão das sanções, nós também temos a questão das rotas marítimas, a confrontação entre os Estados Unidos e a China, tendo em mente que a China e a Rússia são aliadas na Organização de Cooperação de Xangai (SCO), e então nós temos também a situação no Oriente Médio, em particular no Iraque e na Síria que, em efeito, é uma guerra disfarçada entre a Rússia e a OTAN.
E… a respeito da guerra contra o terrorismo, nós sabemos que a guerra contra o terrorismo é artificial, e que a única força efetiva que está lutando contra os terroristas são de fato as forças do governo sírio com suporte da Rússia junto com o Irã e o Hezbollah, e que os Estados Unidos e seus aliados, e isso inclui a OTAN, estão dissimuladamente apoiando as organizações terroristas, e que a OTAN, desde o começo em 2011, associada ao alto comando da Turquia, tem de fato estado envolvida no recrutamento de combatentes estrangeiros para as fileiras oposicionistas do ramo local da al-Qaeda na guerra da Síria.
Press TV: Na sua opinião, quais são as dinâmicas por trás disso, quer dizer, da expansão da influência da Rússia através da região não apenas na Europa mas também no Oriente Médio, como você acabou de mencionar?
Chossudovsky: Bem, eu penso que a Rússia está seguramente jogando um jogo diferente. Antes de mais nada, ela conta com capacidades militares que a aliança militar ocidental é obrigada a levar em consideração, tanto em termos de forças estratégicas quanto convencionais, mas para mim o problema é que as pessoas que estão tomando as decisões, particularmente no âmbito do aparato governamental norte-americano e na OTAN, elas antes de mais nada têm muito pouco conhecimento das questões militares, elas são civis, e elas não estão a par dos impactos, digamos quanto ao emprego de armas nucleares táticas.
Noventa dessas armas nucleares táticas estão estocadas em Incirlik na Turquia, e se encontram sob comando turco. Elas estão denominadas nos documentos do Pentágono como inofensivas para a população civil ao redor, o que é uma tolice absoluta. Elas possuem capacidades destrutivas que variam de um terço a seis vezes a bomba de Hiroshima, e aí vem Hillary Clinton e diz que armas nucleares táticas são uma opção.
Então,quando nós temos esse tipo de discurso em que pessoas nos mais altos níveis de governo estão fazendo declarações que na verdade convergem para um cenário de Terceira Guerra Mundial, nós estamos numa encruzilhada muito perigosa e eu penso que nós temos que ter esperança que algumas pessoas nesse espectro político dos líderes ocidentais acabem por se dar conta que construir um relacionamento com a Rússia e a China de modo a evitar confrontações militares é, no fim das contas, a saída, porque a Terceira Guerra Mundial é terminal. Nós não podemos entrar nesse debate, mas a Terceira Guerra Mundial não é uma opção e os Estados Unidos não vão vencer a Terceira Guerra Mundial. Ninguém vai vencer a Terceira Guerra Mundial.
A Escalada de uma Nova Guerra Fria
A administração Obama socou a Rússia no olho mais uma vez ao ativar uma base de defesa antimísseis na Romênia ao mesmo tempo em que aumenta as forças da OTAN nas fronteiras da Rússia, ações que poderão escalar para uma guerra nuclear
Por Jonathan Marshall
Publicado em ConsortiumNews, em 14 de maio de 2016
Se os Estados Unidos vierem um dia a esbarrar em uma guerra convencional ou nuclear contra a Rússia, os culpados serão dois trambolhos militares que se recusaram a morrer quando sua função primordial se encerrou, com a morte da União Soviética: a OTAN, e o programa de mísseis antibalísticos (ABM) dos Estados Unidos.
O “complexo industrial-militar” que sorve anualmente bilhões de dólares do financiamento a esses dois programas recebeu um grande impulso esta semana, quando a OTAN estabeleceu a sua primeira grande base de mísseis de defesa numa base aérea da Romênia, com planos de construir uma segunda instalação na Polônia até 2018.
Apesar de os porta-vozes do Pentágono e da OTAN alegarem que a rede ABM na Europa Oriental está apontada para o Irã, a Rússia não se deixou enganar nem por um minuto. “Isto não é um sistema de defesa”, declarou o presidente russo Vladimir Putin na sexta-feira dia 13. “Isto é parte do potencial nuclear estratégico dos Estados Unidos trazido para (…) a Europa Oriental (…) Agora, à medida que esses elementos de defesa de mísseis balísticos são posicionados, nós somos obrigados a pensar em como neutralizar novas ameaças à Federação Russa”.
O Irã ainda não possui mísseis capazes de atingir a Europa, nem tem qualquer interesse em atacá-la. Os mísseis que o Irã possui são notoriamente imprecisos. A sua inabilidade para atingir confiavelmente um alvo nem importaria tanto se equipados com ogivas nucleares, mas o Irã está submetendo-se por meio do seu acordo rigorosamente monitorado para desmantelar os seus programas e capacidades que permitiriam que desenvolvesse armas nucleares.
O Sistema ABM atualmente posicionado na Europa é assumidamente muito pequeno para ameaçar a dissuasão nuclear da Rússia. De fato, a tecnologia ABM ainda não é confiável, não obstante os investimentos dos Estados Unidos de mais de cem bilhões de dólares em P&D.
Nem por isso essa é uma ameaça que a Rússia possa ignorar. Nenhum estrategista militar americano permaneceria por muito tempo sentado se a Rússia começasse a circundar os Estados Unidos com sistemas desse tipo. Foi por isso que os Estados Unidos e a Rússia limitaram tais sistemas por tratado – até que em 2002 o presidente George W. Bush rompeu esse pacto.
A famosa iniciativa ABM conhecida como “Star Wars” do presidente Reagan em 1983 era baseada em uma teoria desenvolvida pelos conselheiros Colin Gray e Keith Payne em um artigo de 1980 intitulado “A Vitória é Possível”: que uma combinação de armas nucleares superiores, programas de defesa civil e defesas de mísseis balísticos poderia permitir aos Estados Unidos “prevalecer” numa prolongada guerra nuclear com a União Soviética.
Tal superioridade nuclear, argumentava Gray, poderia respaldar “forças expedicionárias americanas muito grandes” combatendo em um futuro conflito “ao redor da periferia da Ásia”. Ao limitar os danos ao território dos Estados Unidos, os mísseis de defesa neutralizariam a dissuasão nuclear da Rússia, e ajudariam os Estados Unidos a “ter sucesso no prosseguimento do conflito localizado (…) e – caso necessário – a expandir a guerra”.
Gray publicou esta última observação em um volume de 1984 editado por Ashton Carter que, agora como o Secretário de Defesa do presidente Obama, banca o novo escudo antimísseis na Europa. Então, não deveria ser surpresa que Moscou esteja por esses dias vindo com tudo numa campanha por vezes ameaçadora, para lembrar ao mundo das suas capacidades nucleares de modo a que a OTAN não acabe levando vantagem das fraquezas evidentes da Rússia.
A Rússia fala grosso
Os porta-vozes de Moscou alertaram que a Romênia poderia se tornar uma “ruína fumegante” caso ela continue a abrigar a base antimísseis, ameaçaram a Dinamarca, a Polônia e a Noruega que elas também poderiam se tornar alvos de ataque, e anunciaram o desenvolvimento de uma nova geração de mísseis balísticos intercontinentais projetados para penetrar o escudo antimísseis americano.
O Secretário Carter respondeu este mês que “os preparativos nucleares de Moscou levantam questões perturbadoras a respeito de (…) se eles respeitam ou não a profunda cautela que os líderes na era nuclear vêm demonstrando quando a brandir armar nucleares” – ainda que ele mesmo tenha anunciado novos detalhes de um acréscimo militar de 3,4 bilhões de dólares para reforçar as capacidades de combate da OTAN.
A liderança militar dos Estados Unidos anuncia que eles estão redigindo uma requisição de fundos ainda maior para enviar mais tropas e equipamento militar para a Europa Oriental, e para custear novos “investimentos em sistemas espaciais, armas cibernéticas e mísseis balísticos de defesa projetados para deter uma Rússia ressurgente”.
Ao discursar em fevereiro na conferência de segurança em Munique, o Primeiro-Ministro russo Dimitry Medvedev pediu o fim dessa confrontação, assinalando que “quase todos os dias os líderes da OTAN chamam a Rússia de principal ameaça à OTAN, à Europa, aos Estados Unidos e a outros países. Me faz pensar se estamos em 2016 ou em 1962”.
Entretanto, um conflito em escalada é como um presente dos céus para o Pentágono e seus fornecedores, que há apenas alguns anos deparavam-se com planos da Casa Branca de grandes cortes no custeio e na modernização das tropas na Europa. Isso lhes permite manter – e aumentar – os níveis de gastos militares que são hoje maiores do que foram no auge da Guerra Fria.
Os Estados Unidos e demais líderes da OTAN justificam os seus acréscimos apontando para o comportamento alegadamente agressivo da Rússia – “anexando” a Crimeia e enviando “voluntários” para a Ucrânia Oriental.
Convenientemente, eles desconsideram o golpe de estado descarado que detonou a crise na Ucrânia, ao derrubar em fevereiro de 2014 um governo eleito e amigável à Rússia. Eles igualmente desconsideram o retrospecto permanente e provocativo de expansão da OTAN rumo às fronteiras da Rússia após a queda da União Soviética, contrariamente às promessas dos líderes ocidentais feitas em 1990.
Essa expansão foi patrocinada pelo convenientemente denominado Comitê de Expansão da OTAN, um viveiro de neoconservadores e conselheiros de Hillary Clinton liderados por Bruce Jackson, então vice-presidente de planejamento e estratégia da Lockheed Martin, o maior fornecedor militar do país. Em 2008, a OTAN jurou incorporar a Ucrânia – o maior país na fronteira ocidental da Rússia – na aliança militar do Ocidente.
Alertas de Guerra Fria
George Kennan, o decano dos diplomatas dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, previu em 1997 que a expansão afobada da OTAN só poderia conduzir “a uma nova Guerra Fria, provavelmente terminando em uma guerra de verdade, bem como ao fim dos esforços para obtenção de uma democracia funcional na Rússia”.
No ano passado, o ex-Secretário de Defesa William Perry advertiu que nós “estamos no limiar de uma nova corrida armamentista nuclear”, com todo o elevado dispêndio – e o risco de um holocausto global – da Guerra Fria sua predecessora.
E, agora nesse mês, Chuck Hagel, ex-Secretário de Defesa do próprio Obama, alertou que os planos da OTAN para posicionar quatro batalhões nos países bálticos poderá resultar “muito rapidamente em uma nova escalada de Guerra Fria, o que de fato não faz nenhum sentido para nenhum dos lados”.
Se “nós continuarmos a reforçar o flanco oriental da OTAN, com mais batalhões, mais exercícios e mais navios e mais plataformas”, declarou ele a uma plateia no Conselho Atlântico, “os russos irão responder. Eu não estou seguro quanto aonde isso vai nos levar”.
Ninguém sabe aonde isso vai nos levar, esse é o problema. Isso poderá levar a todos nós muito facilmente de pequenas provocações para uma série de escaladas por cada lado para mostrar que está falando sério. E, dado o efeito detonador das armas nucleares nos territórios da OTAN, o perigo de uma escalada para uma guerra nuclear é totalmente real.
Como o especialista em política externa Jeffrey Taylor recentemente comentou, “a administração Obama está arrumando o palco para uma confrontação sem fim com a Rússia, e possivelmente mesmo uma guerra, e isso sem qualquer debate público”.
Um retorno aos dias da Guerra Fria trará menos segurança e mais risco. Na medida em que o presidente Obama reflita sobre o que ele dirá a respeito da guerra nuclear sobre Hiroshima, ele deveria reconsiderar fundamentalmente as suas próprias políticas, que ameaçam com muitas Hiroshimas mais.
Crédito da foto da página inicial: Pete Souza/fotografia oficial da Casa Branca (O presidente Barack Obama encontra-se com o presidente Vladimir Putin da Rússia nos bastidores da Cúpula do G20 no resort RegnumCarya em Antalya na Turquia, em 15 de novembro de 2015. À esquerda, a Conselheira de Segurança Nacional Susan E. Rice escuta)
Do Brasil Debate
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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