Sabedoria da quebrada
Mensagem de ano novo ao prefeito de São Paulo
Veja se faz sentido pra você: “não é porque eu não gosto do piloto que vou torcer para o avião cair...”
A frase é da costureira Clotilde, que voou poucas vezes na vida. Ela cita o piloto do avião ao comentar, aqui na padaria Estrela, o início da nova administração do prefeito Ricardo Nunes.
Estou com Clotilde, também não votei em Nunes, mas não cabe a pirraça do “quanto pior, melhor.”
A Democracia nos faz sonhar com uma vida mais justa. A gente vibra, pede voto e já aprendeu que democrata é aquele que sabe perder e sabe ganhar.
Então, junto com o “boa sorte” a Ricardo Nunes, mando uma mensagem, apesar de saber que é mais fácil a cidade ficar livre dos congestionamentos do que esse texto ser lido por ele.
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Prefeito, na boa, comece por aposentar o helicóptero e também o carro blindado com segurança e motorista.
Deixe os sapatos de couro em casa e, de tênis, vá às bordas da cidade. Ande à pé. Ande muito. Te garanto: é lá, nos bairros mais humildes, que estão os maiores conhecedores dos problemas paulistanos.
Não porque sejam mais inteligentes ou tenham bola de cristal. Quem vive na periferia sabe mais porque vive mais a sua cidade.
Morador da periferia não ouve falar dos problemas na TV ou no rádio. Morador da periferia sofre as conseqüências dentro e fora de casa.
É gente que percebe onde o lixo não é recolhido porque a ratazana invade o banheiro; que sabe que o córrego transbordou porque a água suja está na sala. Também conhece a viela sem iluminação, o buraco que fez aniversário, o terreno baldio onde tem estupro, roubo e tráfico a qualquer hora.
Ao longo do tempo, esse cidadão acumula conhecimento prático. Basta o senhor ter a humildade de ouvir. Lembre-se que o prefeito é um funcionário e os moradores seus patrões.
Use transporte coletivo. Rapidinho, o senhor vai entender porque as pessoas que moram longe precisam sair tão cedo de casa e voltar tão tarde. Mesmo sentado na janela, perceberá porque um ônibus com 60 ou 70 passageiros deve ter prioridade sobre um carro. Aliás, até quem não anda de ônibus - como vereadores e juízes - reclamou do aumento que o senhor determinou, antes mesmo de assumir.
Vamos em frente. Em suas caminhadas não deixe de escutar os mais de 50 mil moradores de rua. Talvez a sua primeira surpresa seja a de que há mais trabalhadores desempregados do que dependentes de drogas; mais famílias desabrigadas do que ladrões disfarçados.
Preste atenção como os sem teto, apesar de magros e subnutridos, são fortes. Como vencem frio, calor, ausência de banheiros públicos, preconceito. Como insistem em viver. Que couraça é essa?
O senhor vai conhecer pessoas como Judite. Ela tem 41 anos, perdeu o emprego, foi despejada do barraco na favela do Moinho. Com pouco estudo e bastante inteligência, sobrevive do lixo. Resgata material reciclável, bota em sua carroça, que ainda está pagando, e assim, sustenta, sozinha, os dois filhos. De quebra, limpa o planeta.
Que tal um programa sério para melhorar a vida dos nossos vizinhos mais humildes?
Prefeito, faça de conta que ainda é campanha. Sabe aqueles hospitais lindos do horário eleitoral? Volte lá, pegue senha, entre na fila, peça uma consulta. Avalie o tempo de espera, converse com pacientes, enfermeiras, equipe médica. Leve também sua família. O que o senhor faria se a sua mãe estivesse em estado grave e as UTIs quebradas? Ou se o seu filho berrasse de dor e não houvesse leito?
Reconheço, não é só senhor. Políticos e políticas gostam de hospital público no dia da inauguração, depois só freqüentam os particulares.
O mesmo vale pra escola. O senhor afirmava, orgulhoso, que na sua gestão o ensino tinha melhorado e que a merenda era deliciosa. Aliás, almoçava lá todo dia. Então, que tal matricular seus filhos numa escola pública? Vá às reuniões de pais e pergunte por que nossos estudantes aprendem tão pouco. O senhor não tem essa curiosidade? Eu tenho.
Para completar proponho que more um tempo, um ano que seja, na quebrada. Em vez de escutar de vereadores e empresários onde gastar os bilhões do nosso orçamento, o senhor poderá consultar seus vizinhos. Essa experiência já foi adotada, chama-se Orçamento Participativo.
Algum assessor, o senhor tem muitos, pode dizer que tudo isso é bobagem, que é melhor não dar bola a esse cronista amargurado, ignore.
A política, prefeito, assim como a vida, também é sonho.
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